Sociedade

Jovem do Cunene tratou do gado e hoje é referência para as mulheres

Ivone Mutilifa nasceu em 1988, no município do Cuanhama, Cunene, quinta filha de um total de 9 irmãos.

22/12/2019  Última atualização 17H46
Cedidas © Fotografia por: Ivone Mutilifa enfrentou dificuldades para entrar numa escola

Nos seus primeiros anos viveu com a avô materna numa área rural a 60 quilómetros da cidade capital. A mãe, Berta Lipuleni, camponesa, era uma mulher humilde, o pai é reformado do Comércio Interno.
Durante a infância, Ivone Mutilifa, como todas as crianças do Cunene, enfrentou muitas dificuldades para poder entrar numa escola, já que o foco era o cultivo dos campos, tratar de bois e cabritos.
Ivone Mutilifa viu a sua vida ficar mais difícil quando o pai perdeu o emprego, por quatro anos consecutivos. 
A partir daí, com a vida muito complicada financeiramente, a mãe, imbuída do espírito de mulher batalhadora, começou a vender tchafuluka e canhome, bebidas locais, para auxiliar nas despesas de casa, mas ainda assim não era suficiente e a fome instalou-se. Até que Ivone Mutilifa sugeriu ao pai que abrisse uma lavra para servir de cultivo familiar. O pai, sem outra saída, aceitou, levando Ivone Mutilifa, já que na altura ela era a filha mais nova.
Ivone Mutilifa começou a ter uma rotina muito pesada para uma menina de apenas 13 anos, pois tinha de percorrer largas dezenas de quilómetros por dia para ir e voltar da escola, além dos trabalhos diários no campo que, como menina kwanyama, tinha de aprender e fazer.
Acordar às 2 horas da manhã para moer fuba, acarretar água na chana, lenhar, cozinhar para os pastores, ir à lavra chachar e às 9 horas preparar-se para a escola na cidade era uma carga muito pesada para Ivone Mutilifa. 
Para além da lavra, o pai, em companhia de Ivone Mutilifa, usava a carroça com burro que tinha comprado na Huíla para vender lenha na cidade, pois naquela altura adquiri gás butano era quase impossível na pequena cidade de Ondjiva. Com o dinheiro da venda da lenha, o pai comprou uma bicicleta e passou a levar, e a ir buscar, a filha Ivone Mutilifa para a escola. Dois anos depois, o pai consegue juntar dinheiro e abre uma lojinha de pau-a-pique para vender diversos produtos.
Ivone Mutilifa teve de ajudar o pai no negócio da família, que contribuía para pagar os estudos dos irmãos. Os pais de Ivone Mutilifa nunca mediram esforços para formar os filhos. E assim foi crescendo e aumentado a veia de empreendedora da jovem kwanyama. Ivone Mutilifa fez o ensino primário na escola 122, o ensino médio no antigo IMPO e o ensino superior na Escola Superior Cuito Cuanavale de Ondjiva. Ivone Mutilifa sempre foi uma menina que, apesar das circunstâncias, sorriu para a vida, olhou para ela como um desafio diário. A meio do ensino médio, Ivone Mutilifa recebeu a notícia mais linda e ao mesmo tempo preocupante, seria mãe de Aline.
Ivone Mutilifa teve de aceitar o desafio e poder levar até ao fim a sua formação. No ano seguinte, 2014, Ivone Mutilifa decidiu disputar uma vaga na Escola Superior Politécnica de Ondjiva, mesmo tendo já responsabilidades acrescidas de ser mãe e esposa. Ivone Mutilifa viu este sonho ficar distante no dia 16 de Novembro de 2016, quando foi diagnosticada com cancro do útero, no terceiro estágio. Ivone Mutilifa interrompeu os estudos por um longo período, pois estava a fazer quimioterapia no exterior do país.
E quando regressou, a primeira coisa que enfrentou foram as provas em atraso. E nesse vai e vem, Ivone viu a sua saúde estabilizar e o seu sonho da formação concretizar-se. Ivone Mutilifa graduou-se este ano. "Esse acto é o culminar de um sonho comum de toda a família, principalmente dos meus pais", diz Ivone Mutilifa, para acrescentar: "Significa o cair e levantar dos percursos de uma vida, o incentivo às outras jovens que vêem o sonho da formação muito distante e desistem da formação na primeira dificuldade que a vida lhes apresenta."
Ivone Mutilifa é na sua província uma jovem que serve de inspiração, feliz com a vida, firme com as circunstâncias da vida, batalhadora e acima de tudo exemplar no que tange à autoformação e à conquista do seu próprio espaço.
Por imperativo da vida, Ivone Mutilifa viu o seu sonho de família multiparental destruído quando decidiu separar-se devido à constante violência doméstica. A gota de água aconteceu quando foi agredida pelo então seu companheiro 15 dias após regressar a Angola depois de uma operação cirúrgica, em 2017. Conhecida como jovem batalhadora e vencedora, fazedora de opinião pública na sua província, detentora das suas convicções e do seu próprio destino, a jovem é hoje considerada uma referência para as jovens do Cunene.