Opinião

Estado de emergência ou Estado de Oportunismo?

Adebayo Vunge

Jornalista

Quando calcorreamos as ruas e avenidas da nossa cidade, quando assistimos a uma infinidade de eventos que ocorrem em Luanda, em todos os cantos da cidade, ficamos atribulados e inquietos sobre o que se estará a passar de facto connosco.

01/03/2021  Última atualização 15H06
Um pouco por toda a cidade nos deparamos com restaurantes apinhados de clientes. Um pouco por toda a cidade nos deparamos com cidadãos, no mínimo indecisos, quanto ao estado da pandemia no nosso seio. Vai daí, o grosso dos transeuntes na via pública circula hoje sem máscaras e entre os que se lembram de utilizá-las metade tem-nas mal postas. Um pouco por toda a cidade notamos bares, esplanadas e quintais realizando festas, sentadas, ajuntamentos, raves, chamemos-lhe o que quisermos. E as festas com número limitado que já passaram às centenas?

Então perguntamo-nos se ainda estamos efectivamente a viver o Estado de emergência estabelecido em Decreto Presidencial porque de nada nos valerá o show de organização que é dado a chegada dos turistas no aeroporto internacional 4 de Fevereiro se depois internamente a conduta das pessoas revela um autêntico desleixo face a gravidade da situação de pandemia.

Temos então de tentar perceber o que se está a passar.
Parece-me claramente que estamos diante de três fenómenos. Uma natural descompressão face aos resultados e aos números dos últimos meses em que se nota uma queda acentuada e naturalmente as pessoas tendem, o que é desavisado pelo que se assiste em outros países e agora Moçambique é um exemplo, a baixar a guarda. Há que soar o alarme.
O segundo fenómeno tem a ver com a postura das nossas instituições públicas, sobretudo as forças policiais. Há muita brutalidade e rispidez na acção sobretudo nos primeiros momentos, depois somos ou são muito pouco consequentes.

As situações que vemos acontecerem em Luanda ocorrem muitas vezes às barbas das forças policiais que nem conseguem tugir nem mugir. E aqui o que se pede é a constância do exercício pedagógico mesmo quando lhes pareça exasperante. Por exemplo, a regra da venda ambulante que deveria permanecer para todo o sempre não é respeitada e não sucede nada aos vendedores e aos compradores. E não me ocorrendo o contexto, lembro-me de ter sido interdita a venda de armas brancas e animais na via pública. Não é o que acontece e quem circula por Luanda sabe exactamente até os pontos em que tal ocorre.

Em terceiro lugar, está a postura dos próprios cidadãos. E aqui notamos o quão despreparada anda a nossa população em termos cívicos. É um "não quero saber” que assusta. E assusta não por si mesmas, mas assusta porque as pessoas simplesmente não respeitam o espaço dos outros. Há alguns dias descia do elevador num prédio e tendo parado ao meio do percurso subiu alguém sem a sua máscara, ou como diz o Gustavo Costa, daqueles com cabeça mas sem cérebro embora enfatado e com alta empáfia. Ao tentar adverti-lo da sua atitude nem queiram saber o que ouvi. Ao ouvi-lo, por instantes tentei rir-me dada a sua dicção que come e expulsa os "s” onde não é suposto. Sem estressar-me e coberto pela minha razão, também não me fiz de rogado e tivemos um momento curto mas crispado pois acredito que o bem não deve ceder ao mal.

O que mais preocupa no Estado de emergência ou de oportunismo é a ausência de vigor no presente e a grande incerteza do futuro: que será de nós no pós-pandemia, sendo que temos de começar a pensar no regresso à normalidade fazendo fé que a vacinação nos ajude a debelar a pandemia? Voltaremos ao que era antes ou podemos aprender algumas lições desse novo normal? Obviamente nada será possível com o laxismo e a desresponsabilização colectiva em que nos encontramos.

Fora a questão dos afectos que é inderrogável, parece-nos claro que precisamos de um novo contrato social e esta poderia ser uma oportunidade para nos reinventarmos socialmente. O nosso modelo de sociedade com tudo o que lhe conhecemos precisa ser repensado e refeito. E aqui não falo já do global. É mesmo do local a que me refiro. As nossas cidades e o nosso meio rural andam mergulhados numa crise de valores que urge corrigir, com urgência. Entretanto, como escreve o Prelado católico José Tolentino de Mendonça, só há algo que não podemos perder: "a nossa humanidade. Este a pandemia não pode suprimir”, nem na emergência e menos ainda no oportunismo.

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