Entrevista

Entrevista

“Estamos mais próximos de começar a realizar transplantes de órgãos”

Alexa Sonhi

Jornalista

Em entrevista exclusiva ao Jornal de Angola, a ministra da Saúde, Sílvia Lutucuta, fez a radiografia do sector, dando ênfase aos avanços registados em 22 anos de paz. Neste período, houve aumento do número de camas hospitalares, de 13 mil para 41.807, e da rede de serviços de saúde, que tem, actualmente, 3.342 unidades sanitárias, das quais, 19 hospitais centrais e 34 de especialidade. Sobre a realização de transplantes de células, tecidos e órgãos humanos, a ministra disse que, com a inauguração de novas infra-estruturas sanitárias e a formação de equipas multidisciplinares, o país está mais próximo de começar a realizar esses procedimentos

19/04/2024  Última atualização 09H14
Ministra da Saúde garantiu que nos últimos anos Angola implementou estratégias consideradas de excelência pela OMS e ONU/SIDA relativamente ao VIH/SIDA © Fotografia por: Armando Costa | Edições Novembro

O que é que a paz, alcançada há 22 anos, trouxe para o sector da Saúde?
A paz é uma conquista do povo angolano e uma premissa fundamental para garantir o acesso aos serviços de saúde. Desde o fim da guerra civil, em 2002, Angola tem vivido significativas melhorias no acesso à saúde da população. Estes anos de paz proporcionaram uma oportunidade única para implementar e lançar iniciativas estratégicas, que resultaram em avanços notáveis no sector da Saúde.
Quais são os principais benefícios que pode destacar?
Entre os benefícios mais impactantes, começo por destacar a garantia plena do acesso aos serviços de saúde pela população como um direito constitucional, assegurado pela Lei de Bases do Sistema Nacional de Saúde, aprovada a 28 de Agosto de 1992, com os princípios da universalidade de acesso e integralidade da atenção e equidade, visando a gestão descentralizada e participativa. Entretanto, a própria legislação indica que pode ser tendencialmente gratuita, considerando as condições sociais e económicas da população, regulando a participação do mercado privado.
 Mas a responsabilidade primária é sempre do Estado…
Sim. A CRA assegura a responsabilidade do Estado na garantia do direito à saúde. Ao longo do tempo, incorporou-se um significativo número de profissionais no sistema de saúde, tendo sido aumentada a força de trabalho, nos últimos anos, para 40,5 por cento, dos quais, 3.558 são médicos, 24.652 enfermeiros, 8.783 técnicos de diagnóstico e terapêutica, 2.817 técnicos de apoio hospitalar e 1.328 técnicos de regime geral, além de outros técnicos de saúde, melhorando, consideravelmente, o acesso à qualidade e à capacidade de resolução dos problemas de saúde da população.
Que outros indicadores tem a destacar?
Destaco a especialização da força de trabalho no sector. Foram feitos esforços para a especialização médica. Nos últimos cinco anos, especializaram-se 266 médicos e 602 em pós-média. Actualmente, estão em especialização, no país, 3.202 internos, sendo 598 médicos de família, que se encontram nos municípios, e 1.549 pós-média, para melhorar a qualidade dos serviços de saúde. O ministério da Saúde iniciou um projecto ambicioso de especialização de 38 mil profissionais de saúde, entre médicos, enfermeiros e técnicos de diagnóstico e terapêutica, de regime geral e de apoio hospitalar.
As novas infra-estruturas abrangem os três níveis de atendimento?
Angola empreendeu um processo substancial de construção e desenvolvimento de infra-estruturas de Saúde. Este esforço englobou todo o país, abrangendo os três níveis de atendimento, em particular, nos últimos anos. Angola tem, actualmente, uma rede de serviços com 3.342 unidades sanitárias, das quais, 19 hospitais centrais, 34 de especialidade, 23 gerais e 172 municipais, assim como 766 centros e 2.328 postos de saúde, com o objectivo de fortalecer o Serviço Nacional de Saúde. Importa destacar a construção de 18 centros e serviços de hemodiálise, distribuídos por nove províncias. O número de camas hospitalares cresceu de 13 mil para 41.807, o que significa ter havido um aumento de 28.807 camas. Do número de camas existentes actualmente, 1.463 são de UTI (Unidade de Tratamento Intensivo).
Qual foi o impacto da expansão das infra-estruturas de saúde?
A expansão das infra-estruturas contribuiu para a melhoria da capacidade de resposta do sistema de saúde aos desafios sanitários, como a pandemia da Covid-19, garantindo um atendimento mais eficiente e eficaz aos nossos cidadãos, o acompanhamento acelerado do crescimento populacional e a uma maior demanda dos serviços. Verificou-se, no último quinquénio, um ganho de 163 unidades sanitárias, das quais, 115 no âmbito do PIIM (Plano Integrado de Intervenção nos Municípios) e 48 do PIP(Programa de Investimentos Públicos).Quantas unidades foram construídas de 2023 até ao presente?
De 2023 até ao presente momento, houve um aumento de mais 24 unidades sanitárias, sendo 20 no âmbito do PIIM e quatro do PIP. Nestes termos, o sector da Saúde teve, de 2017 até hoje, um ganho de 187 novas unidades sanitárias em todos os níveis de atenção.
Está satisfeita com o grau de execução do programa de imunização?
A conquista da paz possibilitou avanços notáveis na expansão do programa de imunização. Houve uma melhoria significativa na cobertura de imunização de rotina, que passou de, aproximadamente, 31 por cento, em 2002, para 75 por cento, em 2023, contribuindo para a redução da incidência de doenças preveníveis pela vacinação.
E quanto ao número de postos fixos com vacinação?
O número de postos fixos com vacinação também aumentou consideravelmente, de 430, em 2002, para 2.024, em 2024, melhorando o acesso aos serviços de vacinação. Angola, depois de longa jornada de intervenções de saúde pública, foi declarada, em Julho de 2011, livre do Pólio Vírus Selvagem. Além disso, o programa de imunização de rotina foi ampliado para incluir sete novas vacinas, abarcando a hepatite B, a haemophilus influenzae tipo B, a rubéola, rotavírus, o pneumococo, a poliomielite inactivada e a febre amarela.
Depois da experiência da Covid-19, o país está mais bem preparado para gerir eventuais surtos de doenças?
Com o fortalecimento do sistema de saúde pública, Angola conseguiu controlar e gerir melhor os surtos de doenças, como a cólera, a febre amarela, o Marburg e a Covid-19. Estratégias aprimoradas de vigilância e resposta foram estabelecidas para lidar com estas ameaças à saúde.
 Que outras áreas registaram progressos?
O país progrediu no manejo de casos e controlo do VIH/SIDA, através de melhores instalações de aconselhamento e diagnóstico, do aumento da disponibilidade de terapia antirretroviral e de programas de prevenção da transmissão vertical de mãe para filho. Foram implementados programas destinados a melhorar a nutrição, particularmente entre crianças e mulheres grávidas, abordando questões de desnutrição que eram prevalentes durante a guerra. Há melhorias no abastecimento de água e saneamento. Os investimentos feitos em infra-estruturas de água e de saneamento contribuem para a obtenção de melhores resultados de saúde pública, reduzindo a incidência de doenças hídricas.
Quatro anos depois da aprovação da lei sobre transplantes de órgãos e tecidos humanos, ainda não é de domínio público a data de início da realização de transplantes. O que falta?
A Lei veio criar a base legal para a realização de transplantes de tecidos, células e órgãos humanos. Com a inauguração de novas infra-estruturas sanitárias e a formação de equipas multidisciplinares, estamos mais próximo de começar a realizar estes procedimentos que salvam vidas.
Por vezes, os indicadores de saúde parecem estar em contraste com a realidade. O que tem a dizer?
Os inquéritos realizados periodicamente mostram uma importante redução nos indicadores de impacto nos últimos 22 anos. A taxa bruta de mortalidade, por todas as causas, da população angolana, estimada em 14,9 por 1.000 habitantes para 2002, teve uma importante redução, estimando-se em 7,8 por 1.000 habitantes para 2023 (Índex Mundi World Factbook). A taxa de mortalidade em menores de cinco anos foi estimada em 250 por 1.000 nascidos vivos e a taxa de mortalidade infantil, em 150 por 1.000 nascidos vivos para 2001 (Inquérito de Indicadores Múltiplos MICS-UNICEF Nov.2001).
Quais são os últimos indicadores?
O Inquérito de Indicadores Múltiplos e de Saúde (IIMS) 2015, o último publicado, estimou em 68 por 1.000 nascidos vivos, a mortalidade de menores de cinco anos e 44 por 1.000 nascidos vivos a mortalidade infantil, o que mostra uma redução muito grande. Por outro lado, a taxa de mortalidade materna (razão de mortalidade materna) estimada em 884 por 100.000 nascidos vivos, em 2002, teve uma redução para 241 por 100.000 nascidos vivos, em 2023, o que mostra, objectivamente, o impacto da paz na Saúde. Estes avanços foram viabilizados pelo aumento do acesso aos serviços de saúde e pela melhoria das coberturas de vacinação.
O número de partos feitos em unidades sanitárias tem aumentado?
Houve um aumento do número de partos atendidos em serviços de saúde, passando de cerca de 22 por cento, em 2002, para 46 por cento, em 2015, conforme indicado pelo IIMS. A esperança de vida passou de 47,4 anos, em 2002, para 61,4 anos, em 2023. Actualmente, segundo os dados administrativos, registou-se um aumento da cobertura de partos institucionais, tendo passado de 25 por cento, em 2017, para 49 por cento, em 2023. Este aumento, mais especialmente nos serviços que oferecem atendimento de urgências obstétricas, foi decisivo para os ganhos substanciais na redução da mortalidade materna em Angola.
Não é perturbador o facto de Angola estar na lista de países com a mais alta taxa de mortalidade materno-infantil no mundo?
O país tem feito enormes progressos, mas reconheço que ainda temos muito a fazer. Baseando-me nos dados da mortalidade materna e infantil, publicados no relatório da UNICEF sobre o "Estado Mundial da Infância 2023”, e nos dados de 2021, da Divisão de Estatísticas das Nações Unidas, a tendência de redução é positiva. Angola ocupa o 144º lugar entre 222 países, relativamente à taxa de mortalidade materna.
E em relação à mortalidade de crianças menores de cinco anos?
Relativamente à mortalidade de crianças menores de cinco anos e à mortalidade infantil, Angola ocupa o 180º lugar entre 222 países. Em 1990, esteve entre as nações com as taxas de mortalidade infantil em menores de cinco anos mais altas, com 224 por 1.000 nascidos vivos e, em 2021, passou para 69 por 1000 nascidos vivos. Segundo a Divisão de Estatísticas das Nações Unidas, actualmente, ainda é alta, mas melhorámos muito. A mortalidade materna institucional baixou, tendo passado de 377, em 2022, para 249, em 2023.
Será que o país tem sabido aproveitar ao máximo as relações históricas com Cuba na área da saúde, sobretudo no combate à malária?
Angola tem seguido a experiência de Cuba, particularmente na luta anti-vectorial, e as orientações estratégicas da Organização Mundial da Saúde, nomeadamente: (i) o diagnóstico, o tratamento e a planificação logística; (ii) a gestão do programa e o desenvolvimento do sistema para o reforço institucional; (iii) o controlo integrado do vector e protecção individual, (iv) a vigilância epidemiológica, o controlo e a pesquisa e (v) a promoção da saúde.
Como avalia o que foi alcançado, até agora, no combate ao VIH/SIDA?
Angola reiterou o compromisso para a meta global de eliminação da epidemia da Sida como ameaça de saúde pública até 2030, sendo signatária do conjunto de metas ambiciosas como parte da Declaração Política, aprovada na Reunião de Alto Nível da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre a Sida, em Junho de 2021, em Nova Iorque. Segundo estimativas da ONUSIDA, para o alcance deste objectivo, é imperioso que cada país atinja, até 2025, as metas 95/95/95, ou seja, diagnosticar 95 por cento das pessoas que vivem com VIH/SIDA e não sabem, tratar 95 por cento dos diagnosticados e ter 95 por cento das pessoas que vivem com VIH/SIDA em tratamento, com carga viral indetectável.
Além destas, foram estabelecidas outras alianças nesta matéria?
Sim, o país também aderiu à Coligação Global de Prevenção do VIH, à Aliança Global para Acabar com a SIDA em Crianças até 2030, e, a nível nacional, no âmbito dos "11 Compromissos com a Criança”, tem a responsabilidade de garantir o alcance das metas do "Objectivo 7”, que é a prevenção e a redução do impacto do VIH/SIDA nas famílias e nas crianças.
O que tem a dizer sobre as respostas que têm sido dadas às grandes endemias?
A resposta às grandes endemias tende a ser mais bem-sucedida quando inclui esforços para remover as barreiras subjacentes, questões de género e outras desigualdades, estigma e discriminação, a falta de informação, a pobreza e violações dos direitos humanos que impedem o progresso.
Neste quesito, temos uma grande oportunidade para minimizar os efeitos dos determinantes sociais e ambientais da saúde, com a reactivação da Comissão Nacional de Luta contra a SIDA e Grandes Endemias (CNLS-GE), que desempenha um papel importante para galvanizar esforços e melhorar a coordenação das intervenções multissectoriais, visando a redução do impacto negativo dos determinantes sociais e ambientais em saúde sobre as grandes endemias e impulsionar transformações sustentáveis para alcançar os ODS (Objectivos de Desenvolvimento Sustentável), até 2030, defendendo o direito à saúde para todos, "não deixando ninguém para trás”.
Os objectivos que estiveram na base da criação da Comissão Nacional de Luta contra o VIH/SIDA e Grandes Endemias precisam de ser repensados?
A Comissão Nacional de Luta contra o VIH/SIDA e Grandes Endemias (CNLS-GE) foi criada através do Decreto nº 01/03, de 10 de Janeiro de 2003, como órgão de coordenação e orientação de luta contra o VIH/SIDA e grandes endemias e é, actualmente, coordenada por Sua Excelência Vice-Presidente da República, Dra. Esperança Maria Eduardo Francisco da Costa. A CNLS-GE é apoiada, tecnicamente, pelo Comité Técnico Nacional, coordenado pela ministra da Saúde, e está encarregue de formular e elaborar as propostas e recomendações técnicas em função da situação nacional e internacional, relativamente ao VIH/SIDA, à malária, à tuberculose e à tripanossomíase, nos diversos componentes.

Existe um mecanismo de articulação, envolvendo, por exemplo, os comités técnicos provinciais?
O Decreto nº 01/03 cria, também, os Comités Técnicos Provinciais, coordenados pelos governadores provinciais. Em 2023, a Comissão Nacional de Luta contra a SIDA e Grandes Endemias realizou duas importantes reuniões, onde se abordou a necessidade das acções a serem implementadas de forma integrada por todos os sectores com responsabilidades definidas nos documentos estratégicos para a resposta multissectorial ao VIH/SIDA, hepatites virais e outras ITS (Infecções de Transmissão Sexual), tuberculose, malária, tripanossomíase, entre outras patologias. Em Julho de 2023, realizou-se a I Sessão Ordinária da CNLS-GE; em Novembro de 2023 e no dia 11 de Março do corrente ano realizaram-se a III e IV Reuniões do Comité Técnico Nacional da CNLS-GE, respectivamente. As estratégias e prioridades para a resposta à malária, tuberculose, VIH/SIDA, hepatites virais e outras infecções de transmissão sexual estão definidas nos Planos Estratégicos Nacionais das respectivas patologias, elaborados à luz dos compromissos assumidos a nível nacional, baseados no Plano Desenvolvimento Nacional 2023-2027, e compromissos internacionais, como "Acabar com a SIDA como Problema de Saúde Pública até 2030”, "Eliminar a Malária até 2030” e "Eliminar a Tuberculose até 2035”.
Como avalia os resultados alcançados no combate à malária?
Constatamos que os determinantes sociais e ambientais da saúde continuam a ter um impacto negativo sobre a malária, particularmente, o saneamento do meio ambiente e o limitado acesso à água e à educação, que têm uma influência directa na transmissão e na prevalência da malária nas comunidades. Neste sentido, temos trabalhado para o controlo integrado do vector, através da distribuição de mosquiteiros tratados com insecticida de longa duração, na rotina para grávidas e crianças menores de cinco anos em todo o país.  Foi realizada a primeira fase da campanha de distribuição em massa em oito províncias (Benguela, Cuanza-Sul, Cuanza-Norte, Uíge, Malange, Zaire, Lunda-Sul e Lunda- Norte), tendo sido atingida uma cobertura acima de 90 por cento.
As brigadas de luta anti-vectorial actuam em todo o país?
Sim, temos brigadas de equipas de luta anti-vectorial a fazerem, em todos os municípios do país, a gestão ambiental dos criadouros e aplicação de biolarvicidas. Todos os municípios foram reforçados com carrinhas equipadas com meios para a fumigação, visando o controlo integrado de vectores. Deste modo, conseguiu-se manter estável a transmissão ao longo dos últimos anos, tendo sido registado um aumento de 1.254.574 casos, numa comparação entre os dados de 2022 (9.230.515 casos) e de 2023, em que foram notificados 10.485.089 casos de malária. Mas é de realçar que, apesar do registo do aumento de casos, verificou-se uma redução da taxa de letalidade, que passou de três por cento, em 2022, para dois por cento, em 2023, devido à melhoria no diagnóstico precoce e tratamento adequado.
 No que toca ao reforço do diagnóstico e tratamento, o que tem sido feito?
Temos reforçado o diagnóstico, o tratamento e a planificação logística, para garantir encontros metodológicos nacionais e regionais, capacitações aos técnicos das unidades sanitárias sobre o diagnóstico e tratamento, incluindo o serviço privado. Foi realizada a actualização do protocolo sobre o manejo de casos de malária, com base nas novas orientações da OMS. O TIP (Tratamento Intermitente Preventivo) com duas doses de Fansidar (medicamento indicado para o tratamento da malária e para a prevenção da doença em áreas endémicas) foi adoptado como política nacional.
Em 2013, foi aprovada a nova política de TIP (Tratamento Intermitente Preventivo) na mulher grávida. Em que consiste?
A nova política TIP consiste na administração de três comprimidos de Fansidar em três ou mais ocasiões, separadas por um intervalo mínimo de quatro semanas. Mulheres grávidas, que receberam pelo menos quatro doses de TIP, passaram de 19 por cento, em 2017, para 23 por cento, em 2021. A formação especializada em Medicina Familiar está a ser feita a partir dos municípios com docentes cubanos e tem ajudado na componente de formação de boas práticas de medicina comunitária.
Qual é o grau de evolução da tuberculose em Angola?
A tuberculose constitui um dos grandes problemas de saúde pública em muitos países do Mundo, pela sua magnitude, transcendência e vulnerabilidade.  A nível mundial, continua a ser uma das doenças infecciosas mais mortais. Em 2022, estima-se que cerca de 10,6 milhões de pessoas em todo o mundo foram afectadas por esta doença. Mas, devemos destacar que cerca de 75 milhões de pessoas foram salvas, desde o ano 2000, graças aos esforços mundiais para "Pôr fim à tuberculose”.
Se tivermos de indicar as doenças que mais matam no país, em que lugar se enquadra a tuberculose?
Esta doença representa a terceira causa de morbilidade e mortalidade. Apesar de ser uma doença evitável e curável, a cada ano, no mundo inteiro, cerca de 1,8 milhões de pessoas morrem por tuberculose, situação que a coloca nas 10 primeiras causas de morte no mundo, acima daquelas por malária ou por VIH/SIDA. O Executivo angolano considera prioritário o controlo da tuberculose no país e a sua eliminação até 2035, de acordo com a nova estratégia mundial da OMS "Pôr fim à Tuberculose até 2035”. Enquadra-se no combate às grandes endemias a expansão da rede sanitária, compras agrupadas, o fortalecimento da logística e a melhoria do diagnóstico, repercutindo-se no aumento da taxa de cura.
Quais são os resultados gerais alcançados na luta contra a tuberculose?
Angola tem desenvolvido progressivamente o processo de expansão da rede de atendimento de casos de tuberculose, iniciada em 2019, o que permitiu alcançar os seguintes resultados: o número de hospitais com serviço de atendimento a casos de tuberculose passou de 13, em 2018, para 36, em 2023; registou-se, também, um aumento de 55 laboratórios de baciloscopia funcionais, em 2018, para 175 e 14 das 18 províncias do país têm capacidade de realizar o diagnóstico da tuberculose fármaco-resistente.
Pode-se dizer que o aumento das infra-estruturas contribui para a diminuição do número de casos de tuberculose?
O investimento realizado em infra-estruturas (hospitais provinciais, nacionais e municipais) e em recursos humanos tem garantido cuidados de proximidade e em rede,  potenciando o diagnóstico precoce, o seguimento e tratamento oportuno e continuado, o que permitiu uma redução de casos entre 2022, quando foram registados 69.252 novos casos de tuberculose, e 2023, com 68.268 novos casos. Foi igualmente registada uma redução de mortes entre 2022, com 1.010 mortes, e, 2023, em que foram registadas 503 mortes.
Houve, também, aumento da taxa de sucesso de tratamento da tuberculose, tendo passado de 55 por cento, em 2018, para 68 por cento, em 2022, além de ter sido igualmente verificada uma redução quanto à taxa de abandono, que passou de 27 por cento, em 2018, para 15 por cento, em 2022.
Já temos medicamentos de última geração para o combate à tuberculose?
Angola já adoptou os novos esquemas de tratamento preconizados pela OMS e usa as formas mais recentes, tratando-se de uma abordagem mais curta e mais eficaz de tratamento. O tratamento da tuberculose simples passou de oito para seis meses e da tuberculose fármaco-resistente passou de 24 para 11 meses, tendo sido suprimidos injectáveis para ambos os casos de tratamento. O compromisso do Governo em melhorar o tratamento das pessoas que vivem com o VIH/SIDA, resultou no aumento dos recursos financeiros, disponibilizados através de créditos adicionais, autorizados por Sua Excelência Presidente da República, para a aquisição dos principais medicamentos e testes diagnósticos.
Como está a rede pública no que toca à disponibilização de fármacos e reagentes para o diagnóstico e tratamento da tuberculose?
Para 2024,  foi autorizada, pelo Titular do Poder Executivo, pelo Despacho Presidencial nº 65/24, de 13 de Março, a despesa no valor global de 20.853.080.500,00 (20,8 mil milhões de kwanzas, o equivalente a 28,8 milhões de dólares norte-americanos), para a aquisição de testes rápidos de diagnóstico, reagentes para exames de carga viral e outros meios para tratamento do VIH/SIDA. O anúncio do concurso público foi publicado muito recentemente (2 de Abril), no Jornal de Angola.
Já não existe risco de ruptura do stock?
Manter o stock evitará prejuízos aos importantes avanços registados nos últimos quatro anos. Precisamos de evitar o aumento da mortalidade e morbidade por malária e tuberculose, assim como o de mortes relacionadas com a SIDA e a taxa de transmissão do VIH de mãe para filho, além de consequências sociais e políticas. Deste modo, seguindo as recomendações da OMS, o país vai adoptar, a partir do próximo ano, os regimes de tratamento ainda mais curtos, tanto para a tuberculose sensível como para a tuberculose fármaco-resistente, o que poderá reduzir, também, as taxas de abandono de pacientes ao tratamento.
Que avaliação faz do programa de combate à transmissão do VIH/SIDA de mãe para filho?
A percentagem de gestantes que vivem com VIH e entraram para o Programa de Prevenção de Transmissão do VIH de Mãe para Filho (PTMF) teve avanços significativos, tendo-se registado um incremento exponencial na cobertura de TARV(Tratamento com Antirretrovirais) para essas pessoas, passando de 34 por cento, em 2018, para cerca de 80 por cento, em 2022, e, consequentemente, uma redução significativa na taxa de transmissão do VIH de mãe para filho de 26 por cento, em 2018, para 15 por cento
Qual foi o impacto da Campanha Nascer Livre para Brilhar?
A Campanha Nascer Livre para Brilhar, iniciativa liderada por Sua Excelência Primeira-Dama da República, Dra. Ana Dias Lourenço, entre 2019 e 2021, teve um grande impacto. Devido à complexa situação económica do país, o ano de 2023 foi bastante difícil, tendo ocorrido rupturas intermitentes de tuberculostáticos. Neste momento, a situação está ultrapassada e esses medicamentos estão disponíveis em todo o território nacional, para o tratamento de todos os casos diagnosticados.
O abandono do tratamento da tuberculose não contribui para a resistência da doença?
Efectivamente, esse abandono é um desafio para todos os países e nós já assumimos, como anteriormente referi, o novo esquema de tratamento e, seguindo as recomendações da OMS, o país vai adoptar, a partir do próximo ano, procedimentos ainda mais curtos, tanto para a tuberculose sensível como para a tuberculose fármaco-resistente. Estas medidas, estamos cientes, contribuirão para reduzir a taxa de abandono e aumentar a eficácia do tratamento.
Em que consiste o tratamento directamente observado, que está a ser implementado em duas províncias?
O Tratamento Directamente Observado na Comunidade (DOT-Comunitário), que está a ser implementado nas províncias de Benguela e Cuanza-Sul, é uma estratégia de Saúde Pública para garantir que pacientes com tuberculose sigam o tratamento adequadamente. Nestas duas províncias, em 2023, foram seguidos 5.227 pacientes, acompanhadas 26.140 famílias e distribuídas cestas básicas. Progressivamente, vamos expandir para as restantes províncias. De realçar que, nestas regiões, foi alcançada uma taxa de sucesso de tratamento acima da média nacional, que foi de 79 por cento.
Para quando a introdução das vacinas contra a hepatite B e o cancro do colo do útero no Programa Alargado de Vacinação (PAV)?
A vacina da hepatite B está no calendário de vacinação nacional desde 2016, tendo atingido, em 2023, uma cobertura de 75 por cento. O país tem planificada a introdução da vacina contra o Vírus do Papiloma Humano (HPV) para o terceiro trimestre de 2024, numa população-alvo de 2.136.000 (dois milhões cento e trinta seis mil) meninas, dos nove aos 12 anos de idade. Pretende-se atingir uma cobertura de 95 por cento.
 Angola ainda está muito longe de acabar com a transmissão local da malária, a exemplo do que aconteceu agora com Cabo Verde?
O país vive desafios condicionados pelo seu passado e presente, não obstante a abordagem holística no âmbito de "Uma Só Saúde”, que o Executivo está a imprimir, olhando para a saúde humana, animal e ambiental, o que leva a intervenções multissectoriais e multidisciplinares. Todos os investimentos que são realizados no sector estão alinhados com os diferentes programas do Executivo, no sentido de melhorar as condições da nossa população (saneamento básico, educação, habitação, alimentação, renda e outros). Cabo Verde tem uma realidade muito própria e Angola caminha para o alcance do mesmo objectivo. Regozijamo-nos com os feitos de Cabo Verde, com quem temos muito boas relações.
A OMS lançou, em 2019, uma iniciativa que visa diminuir em 50 por cento as mortes ou incapacidades graves provocadas por envenenamento de mordeduras de cobras. Os nossos hospitais, principalmente nas zonas rurais, têm soros antiofídicos?
Angola aderiu à iniciativa e planificou, para 2024, a compra de 50 mil ampolas de soro antiófidico polivalente. O Ministério da Saúde está a trabalhar com o Ministério da Agricultura para a aquisição destes soros, no âmbito de "Uma Só Saúde”, particularmente para as áreas rurais. Angola tem feito a vigilância de mordeduras de cobras a nível nacional e notificado a OMS regularmente, o que permitirá mobilizar apoio técnico para o mapeamento dos tipos de cobras existentes no país.
Uma universidade pública está a desenvolver, em parceria com o Instituto Butantan, no Brasil, um projecto para a criação de um soro antiofídico com veneno de cobras existentes em Angola. Até onde se sabe, o projecto só não foi ainda concluído por falta de dinheiro. O Ministério da Saúde não apoia esse tipo de projectos?
O Ministério da Saúde sempre apoiou todas as iniciativas de investigação científica realizadas no serviço de saúde, bem como noutras instituições, que visam dar resposta às necessidades do Sistema Nacional de Saúde, pondo à disposição dos investigadores, sempre que possível, as instituições dos serviços nacionais de saúde, recursos financeiros e/ou apoio institucional. Estimulamos a investigação. Tanto que o maior número de artigos publicados em revistas internacionais indexadas foi realizado por investigadores angolanos ligados ao sector. Como sabem, o Executivo criou um fundo voltado para o financiamento de projectos de investigação. Nas diferentes unidades sanitárias, são feitos e publicados diversos trabalhos científicos.
Em Angola, não existe nenhum hospital geriátrico, nem serviços de geriatria nas unidades sanitárias. Isso pode ou não comprometer o êxito de qualquer plano estratégico para o envelhecimento activo e a saúde dos idosos?
O padrão epidemiológico e a estrutura demográfica do país obrigam a que encontremos respostas específicas para os diferentes grupos populacionais. Um dos efeitos da melhoria dos indicadores socioeconómicos é o aumento da esperança de vida e, consequentemente, do número de pessoas de maioridade. Temos procurado dar respostas em 11 unidades de reabilitação física no país e em outras unidades com serviços especiais, para dar apoio ao idoso. Estamos a dar respostas a esta necessidade específica, quer por via do PDN 2023-2027 como do Plano Emergencial de  Formação de Quadros.
Os medicamentos em Angola estão cada vez mais caros, um problema que aflige principalmente as pessoas com doenças crónicas não transmissíveis, como é o caso da diabetes e hipertensão arterial. O que tem a dizer?
O acesso aos medicamentos tem sido uma grande preocupação do Titular do Poder Executivo. No primeiro mandato de Sua Excelência Presidente João Lourenço, foram retiradas as taxas aduaneiras e portuárias para a entrada de medicamentos e meios médicos. Neste momento, há um trabalho multissectorial, no sentido da eliminação dos factores que provocam os actuais preços. Dentro dos esforços do Executivo, está a criação de condições para a instalação e fixação, no país, da indústria farmacêutica, com o intuito de dar resposta às principais causas de doenças e morte.
Ainda estamos longe de reduzir a presença de médicos especializados estrangeiros no nosso sistema de saúde?
O compromisso do Executivo é, até 2027, reduzir, substancialmente, a força de trabalho expatriada. Para tal, além das acções formativas de especialização que decorrem nas diferentes unidades sanitárias, actualmente existem 3.202 médicos internos e foi aprovado o Programa de Formação em Recursos Humanos em Saúde, que, até 2027, prevê formar, como já disse no início da entrevista, 38 mil profissionais de todas as categorias, para trabalharem em todas as províncias. Estes, futuramente, vão suprir as necessidades do sector.
Actualmente, quantos médicos trabalham em Angola, entre nacionais e estrangeiros?
O Serviço Nacional de Saúde conta com um total de 7.395 médicos, dos quais 3.558 nacionais. Destacar que, no âmbito da cooperação internacional, o sector da Saúde tem 1.350 profissionais estrangeiros, sendo 1.077 cubanos, 198 russos e 84 vietnamitas, colocados, maioritariamente, nas províncias do interior.
Como avalia a relação do Ministério com os sindicatos que representam as classes profissionais do sector da Saúde?
Na nossa actividade diária, contamos com a parceria das Ordens, dos sindicatos e de outras organizações profissionais que são importantes. Mantemos o diálogo permanente, procurando sempre resolver as nossas diferenças. Entendo que o fim único da nossa colaboração é a satisfação das necessidades de saúde dos utentes. Podemos dizer que a relação é boa. Para além de estarem filiados aos sindicatos, são, acima de tudo, profissionais de saúde.
Ainda temos unidades sanitárias que não fazem uso da tecnologia de ponta de que dispõem por falta de técnicos especializados em electromedicina?
Reconhecemos a existência de equipamentos que estão inoperantes, ou por deficiências de manutenção ou por falta de peças de reposição nos representantes das marcas, assim como equipamentos descontinuados na sua fabricação ou obsoletos. Temos garantido que os engenheiros e os técnicos de electromedicina sejam admitidos nos concursos. Por esta altura, todas as províncias e hospitais de nível nacional e alguns hospitais provinciais já têm estes quadros. Angola conta com especialistas nesta área no Serviço Nacional de Saúde e tem recuperado e mantido funcional os equipamentos.
Por que razão tem havido poucas vagas nos concursos públicos do sector para técnicos de electromedicina?
Nos últimos concursos públicos, foram priorizados recursos humanos com especialidade em Electromedicina, Arquitectura, Construção Civil, Mecânica, Frio e Climatização, o que está a permitir a criação de equipas técnicas para a manutenção das infra-estruturas de saúde e dos equipamentos. Importa referir que, no quadro do programa de formação em recursos humanos em saúde, está contemplado o aumento de competências nestas áreas.
Para terminar, senhora ministra. A Escócia é um dos poucos países do mundo que fornecem produtos de higiene íntima feminina gratuitamente às mulheres e adolescentes com dificuldades económicas. Não seria curial uma iniciativa do género em Angola, tendo em conta a situação de muitas famílias que estão privadas até do essencial?
Há esta preocupação do Ministério da Saúde. Iniciámos um projecto-piloto, em parceria com os ministérios da Acção Social, Família e Promoção da Mulher, da Educação, da Economia e Planeamento e da Juventude e Desportos, com o apoio do Fundo das Nações Unidas para a População (FNUAP).
Há projectos em curso, nas províncias de Luanda e Lunda-Sul, de instalação de salas de costura de pensos reutilizáveis, estando já em formação 60 jovens. Por outro lado, foram formados 32 técnicos de saúde, para o atendimento a mulheres e meninas com deficiência, e elaborados materiais educativos sobre a saúde sexual e reprodutiva e sobre o VIH e as infecções de transmissão sexual.

Transformações na abordagem do VIH/SIDA em Angola
A resposta nacional ao VIH/SIDA em Angola tem sido marcada por avanços significativos, mas também por desafios persistentes. A implementação de estratégias inovadoras e o compromisso com metas globais têm impulsionado melhorias na cobertura e qualidade dos serviços de saúde relacionados ao HIV. No entanto, questões como rupturas de stock e desafios na abordagem pediátrica continuam a exigir atenção e ação coordenada. Neste contexto, é fundamental analisar os progressos alcançados e os obstáculos enfrentados para fortalecer ainda mais a resposta ao VIH/SIDA no país.
Segundo a ministra Silvia Lutucuta em 2023, o Instituto Nacional de Luta contra a SIDA registou rupturas de stock no armazém central, colocando em risco a vida de muitas pessoas. A falta de pagamentos aos fornecedores selecionados no concurso realizado em janeiro de 2023, somada à desvalorização da moeda nacional, impossibilitou que os fornecedores cumprissem com as entregas em tempo hábil. Isto, disse a ministra, resultou em "constrangimentos como a ruptura de stock em alguns produtos e baixo nível de stock para outros, já que a maioria dos produtos para as grandes endemias é fabricada por encomenda, com prazos de entrega entre três e seis meses, tornando mais difícil manter um stock de segurança nos armazéns”.
Em relação à situação epidemiológica do VIH/SIDA, Silvia Lutucuta avançou que o país tem investido na Resposta Nacional, implementando estratégias conside- radas de excelência pela OMS, ONU/SIDA e outros organismos internacionais para alcançar as metas globais 95/95/95. De acordo com a ministra da Saúde, destacam-se "a implantação da estratégia Testar e Tratar (TT), a expansão da oferta de Carga Viral (CV) e Diagnóstico Precoce Infantil (DPI), a adoção de esquemas terapêuticos mais eficazes baseados em Dolutegravir, a estratégia de Caso Índice para diagnóstico do VIH, e o fortalecimento das capacidades das pessoas que vivem com VIH e dos ativistas para intervenções na comunidade”.
A implementação dessas estratégias, disse em seguida, resultou no aumento da cobertura dos principais indicadores do VIH/SIDA. O número acumulado de pessoas vivendo com o vírus em Tratamento com Antirretrovirais (TARV) aumentou de 77.559 em 2017 para 144.033 em 2022, levando a um aumento da cobertura de TARV em adultos de 26% em 2017 para 49% em 2022. A cobertura de TARV em crianças também aumentou de 9% para 22%.
Para a titular da pasta da Saúde, "é importante ressaltar que, mesmo em comparação com outros países da região subsaariana que estão em situação de bom desempenho em relação às metas globais 95/95/95, o sucesso observado em adultos não se repete em relação às crianças”.

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