Entrevista

“Vamos continuar a dialogar e a manter uma relação aberta e transparente com os nossos credores”

António Cruz | Washington

Jornalista

A ministra das Finanças chefiou uma delegação angolana que participou, desde segunda-feira passada até domingo, em Washington, nas reuniões de Primeira do Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional (FMI). Em entrevista à Rádio Nacional e ao Jornal de Angola, Vera Daves de Sousa fez um balanço positivo das reuniões – oitenta, no total –, sendo que, numa delas, desafiou a Cooperação Financeira Internacional (IFC) a ser mais agressiva e ousada na sua actuação no mercado angolano. O vice-presidente da IFC respondeu prontamente ao desafio, dizendo que até está a contar ter um representante somente focado em Angola e não mais a partilhar atenção com outros países vizinhos na condução local do escritório do IFC. Siga a entrevista.

22/04/2024  Última atualização 08H28
© Fotografia por: Santos Pedro |Edições Novembro
Senhora ministra, como resume a participação de Angola nas reuniões de Primavera do Banco Mundial e do FMI? E como poderão impactar na economia nacional?

Foi uma semana bastante positiva. Participamos em cerca de 80 reuniões estatutárias, bilaterais e outros eventos públicos e institucionais. Nas reuniões estatutárias, participamos no Comité de Desenvolvimento, no Comité Monetário e Financeiro, nas reuniões das Constituências, quer do Banco Mundial, quer do FMI, Caucus Africano, com a directora do Fundo Monetário Internacional e com o presidente do Banco Mundial. Falou-se muito sobre a representatividade e a voz africana, fundamentalmente no Fundo Monetário Internacional. Quer-se aumentar o número de representantes de África, especialmente da África Subsariana, no Conselho de Administração. Aconteceram muitas reuniões sobre esse assunto.

 
E também sobre as soluções para a electrificação em África…

O presidente do Banco Mundial, em praticamente todas as intervenções, falou muito sobre o aumento do nível de electrificação em África, tornar mais acessível a energia eléctrica e que sem energia eléctrica não é possível o desenvolvimento. Naturalmente que capitalizamos esse aspecto, esse compromisso, e nas reuniões que tivemos com a vice-presidente para a África Ocidental e com o vice-presidente do MIGA, que é o braço do Grupo Banco Mundial que emite garantias, referimos o nosso interesse a uma abordagem holística por parte do Grupo Banco Mundial para que, quer no subsector de Energia, quer no subsector das Águas, se possa mobilizar financiamento para o Estado e para os privados que queiram levar a cabo iniciativas que ajudem Angola, por exemplo, a exportar electricidade para os países vizinhos. Sabemos que existem países na África subsaariana com déficit de produção enquanto a nossa produção vem aumentando.

Quando terminar a hidroeléctrica de Caculo Cabaça, acreditamos que vai aumentar ainda mais. De modo que é hora de nos posicionarmos para, nuns casos, com investimento público, noutros, com parcerias público-privadas ou com investimento puramente privado, tirarmos partido dessa disponibilidade de produção de energia que em Angola vem aumentando.

Fizemos, também, uma reunião interessante com a agência para cooperação internacional do Japão, a JAICA, que está disponível para financiar uma linha de transmissão Lubango-Moçâmedes, da Huíla ao Namibe. Já nos pusemos de acordo do ponto de vista técnico e também já foi apresentado um draft de acordo de financiamento. O Japão normalmente financia em termos concessionais e acreditamos que também é um passo importante que vai ajudar a aumentar a capacidade, não só de produção, mas também de transporte e, em fases seguintes, de distribuição.

 
E o que foi discutido do ponto de vista do Capital Humano?

Também fizemos uma reunião com a vice-presidente para o Capital Humano do Banco Mundial. É conhecida a situação em Angola relativamente aos indicadores sociais, quer em relação ao acesso à educação primária e secundária, quer em relação aos índices de desnutrição, bem em relação ao trabalho que ainda tem que ser feito nos sectores primário e secundário do ponto de vista de acesso à saúde. Juntos reflectimos sobre o que é que podemos fazer – Governo de Angola e Banco Mundial – para que, continuamente, esses indicadores possam ser melhorados. Uma das participantes na reunião partilhou uma experiência interessante de outros países africanos em termos de disponibilidade de infra-estruturas escolares, construindo escolas a baixo custo, usando material e força de trabalho local e que, deste modo, conseguiram mais rapidamente tirar de fora do sistema de ensino um número grande de crianças. São experiências que queremos estudar, porque acreditamos que vão ajudar, não só a endereçar esse desafio em Angola, mas também a criar empregos e dinamizar micros e pequenas empresas e gerar valor nos mercados locais.

 
Manteve também encontros ao mais alto nível com a Cooperação Financeira Internacional (lFC), com a AMIGA e com o Fundo Monetário Internacional. O que  Angola pode esperar como resultados?

Era o que eu vinha dizendo. No domínio das infra-estruturas, estamos a angariarfinanciamento concessional e semi-concessional em que a AMIGA possa entrar como garante. Isso ajuda a reduzir os custos de financiamento. Mas nalguns casos que se possam fazer partidas privadas e, noutros, que se mobilize investimento privado para levar a cabo determinados investimentos. Isso com a AMIGA, com o Banco Mundial e, até, com o próprio IFC. Desafiamos o IFC a migrar de uma posição em que presta mais assistência técnica e dá mais consultoria ou formação, para uma posição em que mais activamente mobiliza investidores e investe no mercado angolano. Apresentamos o potencial em torno do Corredor do Lobito como um bom ponto de partida, mas também existe potencial no agronegócio, no turismo, e já há iniciativas a serem estudadas no domínio de parcerias público privadas no sector eléctrico e nas águas. De modo que desafiámos o IFC a ser mais agressivo e ousado na sua actuação no mercado angolano, ao que o vice-presidente prontamente respondeu, dizendo que até está a contar ter uma pessoa somente focada em Angola e não mais a partilhar atenção com outros países vizinhos na condução local do escritório do IFC.

 
E relativamente ao FMI?

Relativamente ao FMI, o diálogo foi mais em torno da assistência técnica. Com o Ministério das Finanças, o trabalho estará focado, sobretudo, na melhoria das estatísticas, da contabilidade pública e na capacitação das equipas em gestão de tesouraria. No que ao Banco Nacional diz respeito, o trabalho consistirá em calibrar as metas de inflação, a forma como a política monetária é levada a cabo. Os especialistas do FMI vão continuar a apoiar o Banco Nacional da Angola nessa reflexão e nesse trabalho e também se propõe, em 2025, fazer uma avaliação do sistema financeiro nos seus três pilares – bancas, seguros, fundos de pensões e mercados de capitais – para vermos como esse sistema se pode tornar ainda mais resiliente. Também fizemos reflexões em torno da necessidade de haver mais liquidez disponível para os países africanos, sobre como os países africanos estão a endereçar os desafios de dívida e como se assegura que, enquanto se está a endereçar o desafio de dívida, se consegue a liquidez necessária e os modelos de desenvolvimento económico necessários para que as economias possam crescer e as soluções de dívida não sejam apenas mitigantes e se consiga, efectivamente, sair da armadilha do subdesenvolvimento.

 
Quais são os passos seguintes?

Vamos continuar a trabalhar, alimentando tudo que foi alinhavado aqui. Esperamos receber em Angola, ainda este ano, a visita do vice-presidente da AMIGA, que é o braço do Grupo Banco Mundial que trata das Garantias. Disponibilizou-se a visitar Angola para darmos seguimento a muito do que acordamos. Também se comprometeu a ir para Angola o vice-presidente do IFC, igualmente, para fazer seguimento a muito do que acordámos. E, em reuniões virtuais, vamos continuar a seguir a criação da nova constituência no Fundo Monetário Internacional e assegurar que Angola defenda a sua posição. Na forma como estava configurada antes, Angola seria o país a seguir a assumir a liderança dessa constituência. Vamos ver com a reconfiguração se a sequência se mantém. Nós advogamos que sim. Em suma, é isto que tratamos e vamos trabalhar no seguimento de todos esses acordos, todas essas negociações, entre agora e Outubro, altura em que vão acontecer as reuniões anuais.

 
Em relação ainda à questão da criação de mais uma presidência para a África subsariana, como é que pode impactar directamente no nosso país?

Tudo o que está relacionado a ter mais presença africana nos centros de tomada de decisão é bom. É no Conselho da Administração das Instituições Multilaterais, neste caso, do FMI, que são tomadas decisões importantes a respeito de como se financia a balança de pagamentos, de quais são os pacotes financeiros que se vão definir, quais são as tendências mundiais e qual é o caminho, o rumo que a instituição vai tomar. Estamos lá enquanto se discutem esses assuntos. Acreditamos que é meio caminho andado para influenciarmos na tomada de decisão nestes fóruns. Tínhamos dois assentos, passaremos a ter três. É um processo que deve continuar, que a batalha ainda não está ganha. Temos que continuar a influenciar para aumentar o número, a presença africana nas posições de gestão intermédia. Temos que ter maior representatividade do topo à base para assegurar que essas instituições, quando forjam as soluções, quando preparam as iniciativas, captem as expectativas, as necessidades e as especificidades do continente e das regiões em que estão representadas nos diversos escalões. Esse é um processo que África deve continuar a bater-se de forma positiva e construtiva para aumentar a sua representatividade nos restos dessas instituições.

 
O presidente do Banco Mundial, na reunião com os consultores africanos, falou muito da necessidade de união entre os países africanos…

Quando o tema foi referido, foi no sentido de que estamos, agora, a reconfigurar os escritórios, as constituências dos países. Definimos um critério que é regional, de grupos regionais. Estamos a definir agora o esquema de rotação, de quanto em quanto tempo é que os países devem assumir a liderança das constituências, qual é o número de assistentes que devem ter. Tudo isso, de acordo com o conselho que foi dado por esse representante do secretariado, de que seja tudo tratado pelos próprios países, que o conselho da administração deve tomar contacto só com a proposta final e não deve, ao longo do processo, ser advogado de uns países africanos em favor ou desfavor de outros. O recado foi bem acolhido por quem estava a coordenar a reunião, na altura o ministro das Finanças da Namíbia e, certamente, vamos continuar a tratar o assunto de forma solidária e assertiva para que, em bloco, possamos apresentar a nossa proposta ao conselho da administração e se passe, com clareza, a mensagem de que África subsaiariana recebeu bem essa proposta pela qual lutou tanto tempo e que vai tratar do tema com pragmatismo, eficiência e solidariedade institucional.

 
A questão da dívida com a China foi muito debatida. Hoje, como podemos caracterizar esse dossier?

É um dossier normal, conhecemos bem o histórico. Angola saía da guerra, o país (China) prontamente disponibilizou-se para apoiar no esforço da reconstrução. Os indicadores macroeconómicos de Angola não eram robustos o suficiente para dar confiança ao credor. Em função disso, definiu-se uma estrutura de financiamento que tinha um colateral, que era o principal produto de exportação de Angola. Foi montado o financiamento. As infra-estruturas estão aí e estamos a pagar o financiamento. No momento de maior stress de tesouraria, especialmente durante a fase da Covid, conseguimos um período de suspensão do serviço da dívida, que nos permitiu deixar de pagar durante aquele tempo perto de 7 mil milhões de dólares, com o CDB a contribuir em grande parte para isso. O CDB e a ICBC. Fechamos acordos bilaterais com o Eximbank da China, ao abrigo da Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida (DSSI), que já foi um esforço que envolveu países, o Clube de Paris e, sem dúvida, o conjunto de países também do Ocidente e conseguimos esse espaço para respirar. Depois disso, em 2023, recomeçamos a pagar. No caso do CDB, recomeçamos no final de 2022. Temos honrado com os nossos compromissos. Graças a esses pré-pagamentos já conseguimos pagar duas das três linhas que tínhamos com o CDB. A dívida com a China agora está em torno de 17 mil milhões de dólares, dez dos quais são com o CDB...


Existe a possibilidade de renovação do acordo?

Agora na nossa visita à China, conseguimos esse acordo para usar melhor os recursos que estão nas contas garantias para os próximos 12 meses, ou pelo menos até Dezembro, e logo vemos que no final dos anos eles aceitam que nós renovemos o acordo, de modo que sempre que o petróleo estiver acima de 60 dólares podemos acelerar pagamentos e isso ter impacto nos vencimentos mais perto da data presente do que do futuro. De modo que eu penso que a relação é boa; (é) estável. A China está consciente que Angola tem que continuamente fazer o seu caminho para diversificar a sua economia, continuamente fazer o seu caminho para reforçar as suas receitas fiscais e também está consciente que todo o novo financiamento deve ser criteriosamente cedido para que se mantenha a capacidade de Angola honrar com os seus compromissos.

Em face disso, para colocar muita energia naquele que é o investimento privado, incentivando investidores e empresários chineses a fazer mais em Angola.

Saudamos essa abordagem e temos procurado, em simultâneo, colocar-nos à disposição para acolher investimento privado chinês, construir o caso que defenda o financiamento de projectos, sempre que entendermos que seja viável, de forma a mantermos a nossa sustentabilidade da dívida, e continuar a honrar com os compromissos que já temos contratados. É esse o quadro.

 
E o que vai ser feito daqui para a frente?

Vamos continuar a dialogar e a manter uma relação aberta e transparente com os nossos credores, quer com a China, quer com outros credores do mercado externo e do mercado local.

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