Opinião

Huambo académico

Sousa Jamba

Jornalista

Quando uns jovens, de uma organização chamada Dons e Talentos, se aproximaram para pedir uma formação sobre escrita nas redes sociais, não hesitei.

07/05/2021  Última atualização 06H00
© Fotografia por: DR
Insisti que deveria ser uma formação que, também, combinasse a fotografia. O Álvaro Lutucuta Simões nasceu no Bailundo, mas, como eu, viveu uma boa parte da sua vida na diáspora — Portugal e Reino Unido. Lá, ele destacou-se como fotógrafo e engenheiro Informático. O Álvaro Simões estudou na Manchester Metropolitan University. Curiosamente, em 1999, no início do fenómeno do jornalismo online, trabalhámos numa Website sobre Assuntos Africanos — eu escrevia o conteúdo e o Álvaro fazia o design. Achei que seria muito bom se pudéssemos partilhar esta experiência com os jovens do Huambo.Nos últimos anos, Álvaro terá também passado por aquela fase de um desejo irresistível de voltar à terra-mãe. Ele saiu de Manchester e quis montar um estúdio fotográfico no Huambo, a MujiArt. Isso não tem sido fácil, porque a cultura que dá importância à imagem ainda não está bem enraizada no nosso país natal. 

Na Europa, qualquer pequena cidade tem uma galeria de arte ou mesmo de fotografia. Na Biblioteca Central do Huambo, foi aberta uma exposição, há meses, de fotos de Augusta Conchiglia, uma escritora e fotógrafa italiana, mostrando actividades de figuras do MPLA no Leste de Angola durante a guerra colonial. As fotos são impressionantes. No dia 4 de Abril, havia, também, na Biblioteca Central do Huambo, uma exibição de arte dedicada ao Dr. Agostinho Neto e ao MPLA. O Álvaro Simões e eu fomos à exposição e sugerimos que seria bom se no futuro o mesmo espaço pudesse servir como mostruário da vastíssima e complexa realidade da História de Angola, em geral, e do Huambo, em particular.

Surgiu, então, a possibilidade de darmos formação nesta localidade sobre a arte de escrever para as redes sociais, utilizando, também, a fotografia. Na véspera da formação, estávamos todos ansiosos, porque, segundo os organizadores, a resposta ao programa tinha sido morna. O Álvaro estava céptico. Eu disse-lhe que me lembrava de ter dado uma palestra a quatro senhoras idosas na biblioteca de um subúrbio de Londres; se a nossa formação tivesse apenas duas pessoas, eu insisti, eu iria considerar isso como um grande êxito.  Mas isso era uma espécie de conversa corajosa para manter o moral alto; a verdade é que esperávamos que houvesse uma reacção mais positiva.

 Falando comigo próprio, eu disse que tinha dado palestras na Universidade de Oxford,  no Reino Unido;  Universidade de Trier, na Alemanha;  Universidade de Graz, na Áustria; Universidade de Barcelona, em Espanha; Universidade Federal do Brasil, em Salvador, Bahia; em São Paulo, na companhia do meu conterrâneo José Eduardo Agualusa; no Canadá, na Queens University, e em várias localidades dos Estados Unidos e de África. Cá estava eu, filho do Cachiungo, Huambo, ansioso porque não tinha a certeza que poderia partilhar a minha experiência com pelo menos três jovens do Huambo!  No hotel Ekuikui, aqui mesmo no Huambo, já vi uma multidão de jovens que queriam confabular com um grande artista de música rap chamado NGA. Se eu estivesse a dar formação com o Nagrelha dos Lambas ao meu lado, eu concluí, certamente que iríamos precisar do pavilhão Serra Van-Dúnem...

Parte da minha infância foi passada na Nova Lisboa colonial. Vivíamos no bairro Bom Pastor — os únicos brancos eram os comerciantes senhores Carvalhos; Borges; Amaral, etc. Mas havia, também, os nossos manos que já estudavam no Liceu e eram altamente curiosos. Conheço o mano Abel Chivukuvuku durante toda a minha vida, até já partilhámos a mesma casa. Sempre vi estes manos acompanhados de livros e música. O mano Alcides Sakala  Simões,  irmão mais velho do Álvaro Simões, também é uma figura de que me lembro, quando eu era criança, rodeado de livros. Estes  manos falavam Inglês, tocavam música, praticavam vários tipos de desporto e eram altamente habilidosos. Será, interroguei-me por várias vezes, que este Huambo académico,  que prezava tanto a vida académica, que não era apenas sobre as talas,  ainda existia? 
A verdade é que o Huambo académico está bem vivo. O Álvaro, eu e os organizadores do Dons e Talentos ficámos surpreendidos, pela positiva. A formação atraiu muitos jovens e mais velhos — a sala ficou cheia! O Álvaro falou da história da fotografia (Louis Daguerre, George Eastman, etc.); eu fui falando sobre "brainstorming’, "mapas mentais”  e outras técnicas para organizar ideias antes de escrever. Os participantes estavam lá por vários motivos. Pelo menos três queriam escrever livros. Um jovem  disse-me que queria escrever a biografia de Celestino Samanjolo, um célebre comandante da UNITA. No Huambo, há muita gente que preza a vida académica; o que tem faltado são  oportunidades. Os jovens, que tenho visto a memorizar as matérias dos seus fascículos nos eucaliptos das Cacilhas, na Sacaala ou mesmo na Estufa, estariam prontos a assistir programas que celebram a aquisição do saber! Foi isso que vimos na iniciativa de formação da organização Dons e Talentos…

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