Opinião

Juíz de garantias um ano depois

António Félix

Jornalista

Hoje, a nossa Nação e, particularmente, a comunidade jurídica assinala um ano da entrada em funções dos juízes de garantias, magistrado com dignidade constitucional que, entre nós, passou desde 2 de Maio de 2023 a ter a responsabilidade de salvaguardar os direitos individuais de qualquer pessoa alvo de investigação por um suposto acto criminal derivado da sua conduta.

30/04/2024  Última atualização 06H38

A 2 de Maio de 2023, entravam em funções um total 158 juízes, distribuídos a nível do país, com destaque para Luanda, com 28 nomeados para o Tribunal de Comarca de Luanda, e 21 para o Tribunal de Comarca de Belas.

Quando entraram em funções, houve, da parte do presidente do Tribunal Supremo, Joel Leonardo, a recapitulação daquilo que foi uma delonga e expectante espera para que um cidadão que estivesse aparentemente em conflito com a Lei visse validada ou não contra si uma detenção ou prisão.

O presidente do Tribunal Supremo recordou, na altura, que um indivíduo, fosse cidadão nacional ou estrangeiro, na condição de detido, só era presente diante de um juiz para o julgar, já depois de ter atravessado longas fases processuais, como, por exemplo a sua apresentação a um soba, a um chefe de bairro, a um agente da Polícia da Ordem Pública, Serviço de Investigação Criminal (SIC), um procurador junto do SIC, enfim, a um procurador junto de um  Tribunal e, só depois, ao magistrado da causa.

Hoje, quase um ano passado, há, pois, questões que já podem ser colocadas em relação ao desempenho destes juízes de garantias, sobretudo, chamados que foram para decidir, para validar ou não, uma prisão preventiva, uma prisão domiciliar, uma interdição de saída ou outra medida de coação.

Foram ou não legal e constitucionalmente imparciais? Foram equidistantes? Foram independentes?

O Conselho Superior na Magistratura Judicial, certamente, monitorizou o funcionamento dos juízes de garantias. A Ordem dos Advogados, no papel que lhe reserva a Constituição, e outros entes de toda a cadeia da administração da Justiça, a sociedade, esteve de atalaia ao papel destes magistrados.

Respostas a estas e outras questões -  porque são eles, os juízes de garantias, que recebem o indivíduo detido que acabou de passar primeiro diante daquelas entidades citadas - serão hoje dadas onde a data for assinalada, escrutinada e debatida. E há motivos para que indagações.

Afinal, após a sua institucionalização e início de funções, os juízes de garantias prestaram fiel juramento, prometendo defender o primado da Constituição, imbuídos de  determinação para fazerem Justiça em nome do Povo.

Ao longo deste primeiro ano, é certo que houve inúmeras reclamações,  houve demora de alguns processos que perduraram  nos gabinetes, nas bancas e nas gavetas  dos juízes de garantias, suscitando reacções, satisfatórias para uns e questionáveis para outros.

Nestes casos, como perceber,  hoje em dia, os empecilhos causados por estas eventuais delongas e, até, mesmo, a violação dos direitos fundamentais dos indivíduos submetidos ao crivo desta categoria de juízes?

Como tinha frisado, também, o próprio presidente do Tribunal Supremo, Joel Leonardo, a sociedade andava (e está ainda) ávida de assistir a um novo capítulo de céleres e concretas respostas criminais, em casos pontuais de validação de medidas que fazem apelo a um exemplar exercício pedagógico, levando os juízes a fazer justiça mediante processos legais, tendo como primado a dignidade constitucional da pessoa humana. Os juízes de garantias que assim terão actuado foram ao encontro da Justiça equilibrada e que promove o reforço da cidadania e, até mesmo, o crescimento da democracia em Angola.

Só assim, com esta actuação, se poderá dizer que estamos num país cuja actividade estadual de perseguição criminal contra o cidadão deve sempre ancorar no princípio  de ponderação de interesses, numa balança cujos pratos com equilíbrios de valores inerentes à eficácia, à paz social, à celeridade, enfim, uma Justiça Criminal que seja jubilosamente vivida e festejada pelo próprio o povo. E aqui, os juízes de garantias têm uma palavra a dizer!

Não podia ser de outra forma, pois, se até antes de 2 de Maio de 2023, olhando para a Constituição e a Lei, o Conselho Superior da Magistratura Judicial vinha caminhando vagarosamente, mesmo depois da entrada em vigor do Novo Código de Processo Penal, que institui em Angola a figura de juiz de garantias - nos termos da alínea b) do  nº 1 do artigo 250 do Código de Processo Penal, então chegou, hoje, o dia para se reflectir profundamente em torno do que foi, bem ou mal, o primeiro ano, para se transmitir uma mensagem realista do seu papel.

É claro que, tratando-se de um "cenário" inédito, poderão ter acontecidos avanços e recuos tímidos, e até eventuais recuos iniciais.

Poderão se ter sido colocados, diante da actuação de juízes de garantias, problemas como o da mobilidade de detidos, espaços para audiências, sobreposição de processos e diligências, adiamentos por falta de magistrado ou do funcionário.

A verdade é que os erros e falhas, as ilegalidades e injustiças eventualmente verificadas, nesse primeiro ano de actuação dos juízes de garantias, deverão, pois servir, de um eficaz barómetro para que, daqui para à frente, haja melhoria nos formalismos de actuação dos mesmos, para reforçarem o dinamismo de uma pretendida estrutura judicial versátil e moderna, e, eles próprios, feitos autênticos juízes constitucionais, cada vez mais próximo da sociedade e garante os direitos fundamentais dos cidadão.

 
      *Jurista e jornalista

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