Reportagem

Lar Mamã Madalena devolve esperança a dezenas de crianças e adolescentes

Nádia Dembene

Jornalista

Ao chegar logo à porta do centro ouvem-se as vozes das 85 crianças que estavam reunidas para receber os visitantes, entre elas a pequena Ágata, de 2 anos, que não parava de pular de tanta alegria em saber que receberia visitas.

07/12/2023  Última atualização 11H35
Mamã Madalena num momento de descontracção com as crianças do lar © Fotografia por: Paulo Mulaza| Edições Novembro
Ágata foi deixada na porta do lar, doente  e com apenas seis meses de vida. Hoje, a pequena é a alegria dos irmãos que ganhou no centro, criado por Madalena Catué Cunzuna, de 69 anos, natural do Cuanza- Norte.

Localizado no Cazenga, na Zona do Kima Kieza, o centro está repartido em quatro quartos, divididos entre adolescentes  e crianças,  um refeitório, lavandaria, biblioteca e uma sala de informática.

Tudo começou em 2002, depois que Mamã Madalena, como é carinhosamente chamada, saiu da sua terra natal fugindo do conflito armado, instalando-se na província do Bengo. Entretanto, devido às dificuldades económicas, viu-se obrigada a seguir para a capital do país.

Num certo dia, deparou-se com seis crianças abandonadas, algumas delas feridas. Comovida, decidiu levá-las ao hospital e deixá-las numa esquadra policial. Para a sua surpresa, foi orientada a cuidar dos pequenos até que os familiares fossem encontrados.

Mamã Madalena abraçou o desafio e ficou com as crianças. Passaram um, dois, três meses, um ano e nenhum familiar apareceu.

Conta que, estando com as crianças, a situação financeira começou a apertar.  Lembra os momentos difíceis que passou, tendo solicitado ajuda da Igreja Católica, que  começou a apoiar com alimentos e roupas.

As pessoas, disse, aperceberam-se que eu acolhia crianças desfavorecidas e passaram a trazer mais crianças desamparadas e a cada dia o número aumentava. "Eu não conseguia rejeitar porque se essa criança veio até à minha casa é porque não tinha para onde ir”, lembra.

Para que as crianças não ficassem ilegalmente, Mamã Madalena foi ao Instituto Nacional da Criança (INAC) tratar os documentos para a  legalização.

"Passei a receber crianças vindas de toda a parte do país, cada uma delas com uma história diferente, umas abandonadas, outras maltratadas e acusadas de feitiçaria”, disse.  É o caso do adolescente Leonildo Milagre, 17 anos,  proveniente do Cuanza-Norte, que está no centro desde 2017.

Leonildo fugiu de casa devido aos maus tratos

Leonildo conta que fugiu de casa, aos 12 anos, por causa dos maus tratos. "Sou órfão de mãe, vivia com meu pai e a minha madrasta e era constantemente maltratado. Fazia trabalhos muito pesados e houve vezes que era obrigado a faltar à escola para fazer os trabalhos domésticos”, lamentou.

Diz que quando recebia dinheiro para comprar alguma coisa dele, guardava uma parte, até juntar os valores para a passagem. "Vim para Luanda sem conhecer nada nem ninguém”, afirmou, acrescentando que dormia na rua, até ser encontrado por alguns agentes da Polícia Nacional.

"Fui levado até à esquadra e depois transferido para o lar, onde estou até hoje”, suspira.

Propósito de vida

Mamã Madalena  diz acreditar que este é o seu propósito de vida e sente que está a cumprir a missão que o criador lhe deu.

"Ao olhar para cada criança trazida até mim, vejo o desespero nos seus semblantes. Algumas chegam em pranto, desnutridas, doentes e com vários problemas sociais. Não aceitá-las seria como se eu estivesse a negar para elas uma esperança de vida melhor”, sublinha. 

Aceitação familiar 

Mónica Mulaza, de 33 anos, é a quinta filha biológica da Mamã Madalena. Ela ajuda a mãe nas tarefas administrativas do centro, mas conta que nem sempre foi assim. 

"Quando mais nova, tinha dificuldades em aceitar essa situação por não querer dividir a atenção da minha mãe com as demais crianças. Mas, com o tempo, entendi que no lugar dessa criança poderia ser eu.

Então passei a ajudá-la nas tarefas do lar, cuidando de toda a documentação do centro e dos meninos”, disse.

A mentora do centro não teve a mesma sorte com o esposo, cuja família não apoiava a iniciativa e influenciavam-no para que não aceitasse. No meio de tantas  brigas veio a separação. 

 Abandonada pela mãe na casa da amiga

Sofia Michel, de 15 anos, simpática e muito carismática, foi igualmente acolhida no lar e explica como chegou até ao centro.

"Fui abandonada pela minha mãe na casa da amiga dela, aqui em Luanda, com a promessa de que voltaria para me buscar. Os dias passaram e ela não voltou”, lembra.

A minha mãe, acrescentou, acusava-me de feiticeira e não queria ficar comigo. "Ela sempre dizia que um dia iria me abandonar, só que nunca imaginei que esse dia chegaria”, recorda.  

Foi a amiga da mãe que a levou para a esquadra mais próxima e de seguida transferida para o lar. Sofia conta que ao chegar foi recebida de braços abertos pela mamã e os meus irmãos. "Aqui encontrei uma família e uma esperança de vida”, disse, sorridente. "Aqui eu sinto-me bem, não sou tratada com indiferença, nem preconceito. Tenho o sonho de me formar e ser advogada para defender a causa das crianças”, enfatizou. 

 A criação de uma escola

Madalena Catué Cunzuna possuía um centro médico, que era o seu ganha-pão, mas a chama que acendia no seu coração para ajudar as crianças levou-a a desfazer-se do estabelecimento e transformá-lo numa escola. 

"Com o número de crianças que tinha, não poderia deixá-las sem estudar. Foi aí que decidi transformar o meu ganha-pão numa escola, para ensinar as crianças. Cedi o meu terreno para a construção da escola e do centro. Na altura estava com cerca de 40 crianças, que precisavam de aprender a ler e escrever”, lembra.

Um protocolo com o Ministério da Educação permitiu a instituição ser incluída no grupo das escolas comparticipadas, permitindo passar certificados credíveis para os alunos. 

"Hoje, a escola conta com seis salas de aula do ensino primário e 2º ciclo. Temos 19 professores voluntários, por não termos condições para pagar. Estendemos a escola para as crianças de fora do centro que contribuem com um valor que ajuda nas despesas da escola”, informou.

 Após concluírem o 2º ciclo, acrescentou, as crianças do centro são encaminhadas para uma escola do ensino médio, a fim de darem continuidade aos estudos.

Alimentação                                         

Ao ser questionada sobre como faz para alimentar as crianças, Mamã Madalena, com sorriso, respondeu que Deus nunca os fez dormir à fome. "Temos recebido algumas doações de empresas, igrejas, associações e pessoas singulares. O lar conta com um refeitório, onde são servidas as três refeições ao dia. Cozinhamos grandes quantidades, por exemplo o arroz cozinhamos oito quilos por dia, não tem sido fácil manter a despensa abastecida", lamentou.

Formação profissional em Culinária

Como quem dá recebe, o centro foi agraciado pela operadora Unitel com cinco bolsas de formação profissional em Culinária, na Escola de Restauração e Hotelaria. 

Após a formação, os cinco jovens foram enquadrados num restaurante. Bernardo Filomeno, de 22 anos, proveniente da província de Malanje, foi um dos beneficiados e fala da satisfação em conseguir essa oportunidade.

"Foi um momento de muita luta e dificuldade ir para a formação, que decorria no Talatona e depois voltar ao Cazenga para ir à escola. Mas, como tudo na vida requer sacrifício, terminei e logo fui enquadrado num restaurante”, conta.

Referiu que o que aprendeu ensina aos irmãos, para que possam ajudar em alguma coisa no lar.  

Bernardo Filomeno diz que com o salário pensa em auxiliar Mamã Madalena em algumas despesas e organizar-se para arrendar um espaço para morar e posteriormente constituir família, como muitos outros que também passaram pelo centro.

Celestino José, de 18 anos, também participou na formação. Hoje, faz bolas de Berlim, que servem para comercialização, para angariar fundos para o centro.

Tarefas diárias

As tarefas no centro são divididas diariamente. Cada menino tem uma actividade a desempenhar logo pela manhã. Os mais grandes ajudam a cuidar dos mais novos.

Actualmente o centro está em obras, para o aumento de quartos e melhoria da zona de lazer.

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