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Moçambique: Antigo ministro das Finanças é vítima de abuso da Justiça

A Procuradora-Geral de Moçambique considerou, sábado, que o antigo ministro das Finanças Manuel Chang, extraditado para os Estados Unidos da América, no âmbito do caso das dívidas ocultas, há mais de um ano, é vítima de violação dos direitos humanos, configurando um caso de abuso da Justiça.

28/04/2024  Última atualização 11H00
Manuel Chang está detido em Nova Iorque depois de ter sido extraditado da África do Sul © Fotografia por: DR

"A detenção de Manuel Chang, há mais de cinco anos, e a sua extradição para os Estados Unidos, atenta contra os mais elementares direitos do cidadão, em privação da liberdade", afirmou Beatriz Buchili, citada pela Lusa durante a informação anual da actividade do Ministério Público de 2023, na Assembleia da República.

Chang está detido em Nova Iorque desde Julho passado, depois de ter sido extraditado da África do Sul, no âmbito do processo das dívidas ocultas de Moçambique. Buchili criticou o facto de a Justiça norte-americana ainda não ter julgado Manuel Chang, depois de os EUA "alegarem que tinham todos os elementos de prova".

A extradição de Chang para os EUA, prosseguiu, prejudica o andamento do processo autónomo que a Justiça moçambicana instaurou sobre o caso das dívidas ocultas. "Moçambique respeita a decisão do mais alto órgão judicial da África do Sul, não obstante estarmos convictos de que o nosso país é o único com jurisdição para exercer a acção penal, no caso em apreço", declarou a procuradora-geral da República.

O antigo ministro das Finanças Manuel Chang começa a ser julgado em 29 de Julho, em Nova Iorque, EUA, no caso das dívidas não declaradas de Moçambique, segundo o Centro de Integridade Pública (CIP) de Moçambique, que tem acompanhado o caso e que aponta que coincidirá com o período da campanha eleitoral de Outubro.

Num documento de 23 páginas, o Governo norte-americano, através do Departamento de Justiça, apresentou uma nova acusação contra Manuel Chang - a quem, também, designa "Pantero" e "Chopstick" -, classificada de "acusação de substituição". Os EUA defendem que o projecto do Sistema Integrado de Monitorização e Protecção (SIMP) do espaço marítimo moçambicano, que deu origem às "dívidas ocultas", não foi pensado pelo Governo moçambicano. A acusação diz que é um projecto de "fachada criado pelos réus e co-conspiradores para ganhar dinheiro".

"Na realidade, os projectos marítimos Proindicus, EMATUM e MAM foram usados pelo réu Manuel Chang e pelos seus co-conspiradores para desviar partes dos recursos do empréstimo para pagar milhões em subornos a si próprios, a outros funcionários do Governo moçambicano e a banqueiros", argumentou o Departamento de Justiça norte-americano.

"Em conexão com o seu esquema fraudulento, os co-conspiradores contaram com o sistema financeiro dos EUA, entre outros meios, para garantir potenciais investidores fisicamente presentes nos Estados Unidos", acrescenta o documento.

Pagamentos e comissões

De acordo com a acusação, os "co-conspiradores desviaram parte desses valores [de empréstimos] para efectuar pagamentos de subornos e comissões, em dólares americanos, utilizando o sistema financeiro dos Estados Unidos através de transações transferidas através de contas bancárias sediadas em território norte-americano, incluindo pelo menos cinco milhões de dólares para o arguido Manuel Chang através do Distrito Leste de Nova Iorque".

Chang, que rejeita todas as acusações, foi ministro das Finanças de Moçambique durante a governação de Armando Guebuza, entre 2005 e 2010, e terá avalizado dívidas de 2,7 mil milhões de dólares secretamente contraídas a favor da Ematum, da Proindicus e da MAM, empresas públicas referidas na acusação norte-americana, alegadamente criadas para o efeito nos sectores da Segurança Marítima e Pescas, entre 2013 e 2014.

A mobilização dos empréstimos foi organizada pelos bancos Credit Suisse e VTB da Rússia, tendo sido, alegadamente, secretamente avalizados pelo Governo da Frelimo, liderado pelo Presidente da República à época, Armando Guebuza, sem o conhecimento do parlamento nem do Tribunal Administrativo.

Raptos são organizados no estrangeiro 

A maioria dos raptos cometidos em Moçambique é preparada fora do país, o que dificulta o combate a este tipo de crimes, refere a informação anual da procuradora-geral da República, apresentada esta semana no parlamento. "Um dos maiores desafios no combate (aos raptos) prende-se com o facto de grande parte dos actos de preparação para a execução do crime e o pagamento de resgate ocorrerem fora do país", segundo a informação feita por Beatriz Buchili na Assembleia da República. A maioria dos mandantes vive na África do Sul, avança-se no documento.

"Por isso, a investigação e instrução impõe, necessariamente, o recurso aos mecanismos de cooperação jurídica e judiciária internacional, envolvendo os países com conexão objectiva ou subjectiva com o crime, para a assistência mútua legal, extradição ou partilha de informação", diz-se no relatório da Procuradoria-Geral da República (PGR), citado pela Lusa.

Na informação anual admite-se que "a cooperação jurídica e judiciária com a África do Sul, país vizinho e irmão, não tem corrido aos níveis necessários para combater este tipo de criminalidade, que afecta os dois países". A PGR enfatiza que foram submetidos 20 pedidos de extradição e auxílio judiciário mútuo há mais de um ano, incluindo de mandantes identificados de raptos, mas Moçambique não obteve resposta.

Na informação, são destacados os esforços em curso para a assinatura de um acordo de extradição entre Moçambique e África do Sul, visando o reforço da cooperação na luta contra a criminalidade organizada. No relatório aponta-se que em 2023 foram abertos sete processos-crime de rapto, uma queda de 53,3% em comparação com o ano anterior, em que foram registados 15. Foi deduzida acusação em 12 processos e arquivados cinco, tendo nove transitado para este ano, refere-se no documento. A procuradora-geral da República de Moçambique apresenta hoje e quinta-feira a informação anual da actividade do Ministério Público referente a 2023.

Na ocasião, Beatriz Buchili, criticou a dispersão e ambiguidades na legislação eleitoral, apelando ao parlamento para a concentração das normas num único código.  "Um dos constrangimentos na interpretação e aplicação da legislação eleitoral prende-se com a dispersão dos instrumentos legais, agravada pelas alterações legislativas, muitas vezes, em vésperas do processo eleitoral, concorrendo, assim, para o fraco domínio ou desconhecimento das leis pelos vários intervenientes", afirmou Buchili. A procuradora-geral da República apontou igualmente a omissão das leis eleitorais em vigor sobre o papel expresso da intervenção do Ministério Público, suscitando "disparidades" em relação à actuação deste órgão nos escrutínios.


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