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O drama da mãe de uma criança com hidrocefalia

Paulina, jovem mãe cujo verdadeiro nome vamos preservar, estava, por altura da conversa, internada num centro médico, em Luanda, com o filho que padece de hidrocefalia. Sem o apoio dos familiares, ela suporta corajosamente a dramática situação que vive

19/04/2021  Última atualização 06H50
© Fotografia por: DR
Toc, toc, toc. Ouve-se alguém bater à porta. A acompanhante da criança internada no quarto número 1 da enfermaria le-vanta-se e vai ver quem deseja contactá-la. "Boa noite tia. A ‘tia’ não tem só saldo para eu ligar 'no' meu irmão? Pergunta uma jovem franzina, dona de uma imagem que não perde nada para a de uma adolescente. A "tia", que há bem pouco tempo também chamava "tio” aos mais velhos, pede à jovem que aguarde um instante, enquanto entra para o quarto para carregar alguns "utt” de saldo no telemóvel.

Enquanto tenta ajudar a jovem, interroga-se quando é que ficou "tia"? O tempo passou rápido demais. Ontem, era apenas "sobrinha". Hoje, tornou-se, também, "tia", termo carinhoso, usado pelos angolanos para tratar os mais velhos com respeito.    
"Alô, mano Neto, amanhã vão vir? Fala só na Mimi para me trazer pão. Hoje, assim, vou dormir com a fome. Está bem, estou a falar 'no' telefone alheio, manda cumprimentos 'na' mãe. Tchau".

São palavras da jovem Paulina, cujo verdadeiro nome vamos preservar. Por altura da conversa, estava internada num centro médico, em Luanda, com o filho que padece de hidrocefalia. O seu semblante, triste e desolador, comoveu a jornalista, que procurou saber um pouco mais da história da menina.  

Naquele mesmo dia, estava em jejum forçado, desde manhã, por falta do que comer. Sem apoio da família, a jovem, que aparenta ter uns 15 anos, mas disse que faz 18 em Junho, é um exemplo claro de que a gravidez na adolescência muda, para sempre, a vida de quem passa pela situação.          
A par disso, o facto de ter dado à luz uma criança portadora de hidrocefalia fez com que a família a discriminasse. Completamente sozinha, a mãe adolescente vive uma espécie de inferno na terra.
 "O teu marido?”, pergunta a "tia". Paulina responde que viveu com este em casa da sogra, até quatro dias antes, quando foi "internada" com o bebé. Com o tempo, disse, deixou de ser bem-vinda em casa da mãe do marido.

"Ela não é uma sogra má, mas acho que eu e o bebé estávamos a lhe dar muito trabalho. Assim, quando eu tiver alta, não sei para onde ir", revelou, a corajosa jovem.
No semblante, é visível a enorme tristeza. Mas não derrama sequer uma lágrima. Talvez pelo facto de saber que não tem com quem dividir o peso da responsabilidade de cuidar de uma criança com necessidades especiais.

"E a tua mãe"? Pergunta a "tia", ao que a jovem responde: "Está em casa. Esses bebés, assim, as famílias rejeitam. Ninguém me visita, passo o dia aqui, sozinha, com o bebé", lamentou.
Pior do que esse relato é o facto de o bebé ter feito duas paragens cardíacas, quando os médicos tentaram operá-lo,   para corrigir a deficiência, fez saber a mãe. De acordo com Paulina, apenas foi possível retirar uma quantidade significativa do líquido que faz a cabeça aumentar a cada dia. 


Desespero
"Tia, entra, vem ver o bebé". A jovem abre a porta do seu quarto, na enfermaria, e convida a jornalista a conhecer o seu primogénito. Deitado na cama, o pequeno dorme tranquilamente. Na cabeça, duas vezes maior que o corpo, é possível ver várias veias, além do cateter aplicado com a ajuda de adesivos. É uma imagem impressionante! Talvez por isso tanta gente se afaste e discrimine mães com crianças portadoras de hidrocefalia, pensou a visitante.

"Tiraram um balde daquele, cheio de líquidos, da cabeça", apontou a jovem mãe para um cesto de papéis. A repórter pergunta se é possível ser operado nos próximos tempos, ao que a mãe responde negativamente.
"Disseram que já é tarde, ele já tem sete meses e também o coração dele parou duas vezes, quando estavam a tentar operar. Assim, vou só já tentar arranjar emprego, eu e o pai dele, para podermos ter dinheiro para ‘lhe’ trazer ‘nas’ consultas e esperar um dia que Deus vai levar o meu filho", revela, friamente, Paulina.

Mal tem noção do estado que as suas palavras, assim como a imagem do bebé, deixam a "tia". Só quem tem uma pedra no lugar do coração ficaria insensível diante de tamanho drama. Nenhum problema  da "tia" supera a situação em que se encontrava Paulina.
"Dá-me uma tigela, vou colocar comida para ti e toma esse dinheiro para comprar qualquer coisa para o bebé”, ofereceu a "tia”.

"Obrigada! O leite dele acabou mesmo hoje", revelou a jovem, com naturalidade apenas digna de gente graúda, na hora de enfrentar desafios.
"Dorme bem, querida! Não desanima. Confia em Deus", aconselha a "tia", antes de se retirar para o quarto, onde cuidava de uma paciente internada naquele centro hospitalar.

Como é possível uma família inteira abandonar um bebé doente e a sua mãe à própria sorte, apenas porque a criança nasceu com uma deficiência? Questiona a repórter a si mesma. Num país onde o valor da família costuma estar acima de qualquer condição que possa surgir no seio desta, devia ser proibido discriminar e maltratar crianças indefesas, assim como as mães destas.
À Paulina, resta-nos desejar boa sorte e muita saúde para o seu primogénito.
Edna Cauxeiro

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