Opinião

Pobreza discursiva em nobreza da missão

António Quino

Dizer que estive num ferrenho parlapié amistoso, que desembocou numa daquelas conversas homólogas à semi-recta, cujo princípio define a viagem de um ponto de origem em direcção ao infinito. Longe da abadia de Hautvillers, onde várias técnicas de vinificação foram ensaiadas ainda no século XVII, algum bom vinho nacional abençoava o debate.

21/04/2024  Última atualização 11H50

Bem ao meu lado, um jornalista amigo que não é solteiro, não é separado, não é divorciado, não é viúvo e também não é casado (gaba-se dessa indefinida qualidade), confessou-se atarantado nessa de ouvir, assistir e ler algumas cenas por órgãos de comunicação social, que deixam a sua pessoa emocionalmente inquieta. Lembrar que na ocasião discursava por alguma rádio o porta-voz de um serviço ligado ao Ministério do Interior. Falava, falava e pouco dizia.

Numa quase mista falada, aproveitamos tocar em porta-recados, porta-vozes, directores de gabinetes de comunicação institucional e imprensa e outros.

Entre casos, censos, incensos e consensos, tocámos no perfil ideal de um porta-voz institucional, concordando que deve passar por ser um profissional íntegro que transmite credibilidade.

Numa instituição, o porta-voz é geralmente alguém designado para comunicar informações oficiais ao público e à imprensa. Pode ser um membro da equipa de comunicação, um quadro sénior ou qualquer outra pessoa com autoridade e conhecimento para representar a organização.

É ponto assente que o porta-voz deve ser capaz de transmitir mensagens de forma clara, precisa e consistente, mantendo a imagem e os valores da instituição.

Entrou na conversa uma dada leitura minha. Tenho estado a passar as vistas pelo livro do amigo António de Sousa (Simbo), intitulado "Diplomacia digital: uma solução para a promoção da imagem de Angola”.Chamou-me particular atenção quando ele lembra o Decreto Executivo Conjunto MIREX/MINTTICS 364/22, de 17 de Agosto. O António de Sousa recorda-nos (e eu reduzi à dimensão do nosso paleio) que o responsável da comunicação institucional e imprensa tem sobre si a responsabilidade de promover, divulgar os valores e as potencialidades da organização, e que isso depende da sua capacidade de bem comunicar as realizações do grupo e de se relacionar com os diversos actores, internos e externos.

Sabe, um erro comum que se comete ao definir o perfil de um responsável pela área de comunicação institucional e imprensa é não reconhecer a complexidade e a abrangência do papel que desempenham. Muitas vezes, presume-se que o foco principal está apenas na gestão da imagem e na relação com a mídia, mas o escopo do trabalho é muito mais amplo, abrangendo inclusive a comunicação interna, o alinhamento estratégico do que se pensa dizer, o que se diz e o que se vai dizer ao público externo.

Nesse parágrafo, atracamos num outro erro ao se subestimar a importância da comunicação interna. Ora, a comunicação com os funcionários e colaboradores directos permite um melhor alinhamento da comunicação, pois quando bem informados e perfilados com os valores da instituição, as probabilidades de se construir uma imagem corporativa forte é bem maior.

Além disso, é um erro não elevar a necessidade de auto-actualização constante do capital humano, não apenas o responsável pela comunicação colectiva, que tem a obrigação de estar sempre actualizado com novas tendências, técnicas e ferramentas de comunicação para manter a eficácia de suas estratégias. É importante que se estenda a formação aos demais membros da equipa de comunicação.

Para o sucesso da estratégia de comunicação, é necessário que os elementos da estratégia de comunicação (objectivo, público-alvo, mensagem, canal) estejam devidamente definidos. Quem não está preparado para brilhar, os raios do sol serão para si empecilhos. Aliás, quem avalia a eficácia da estratégia de comunicação; o impacto ou o seu sucesso, procurará indicadores como o alcance (quantas pessoas foram alcançadas), o engajamento (interacção do público com a mensagem), a conversão (levou a acções desejadas) e o feedback (entender a percepção da mensagem) para sorrir ao sol.

Mas, também, há quem pense ser o sol do universo e, para isso, comunica para si mesmo. Ou seja, há porta-vozes que adoram ouvir-se e que raramente percebem o impacto do retorno, que não poucas vezes precisa de se ajustar com base nos resultados obtidos, quando não, verificar se os objectivos iniciais ainda são relevantes.

 
Porta-voz ou porta-recado?

Contrariamente ao que muitos apregoam, o porta-voz não é necessariamente o responsável pela comunicação institucional. Em termos de responsabilidades, o porta-voz, designado para comunicar em nome da instituição, representa um subconjunto da comunicação institucional, que pode ser mais ampla e envolver uma equipa de comunicação mais heterogénea.

Para a gestão da imagem e reputação da organização, a equipa de comunicação desempenha um papel vital, nomeadamente na elaboração, implementação e monitoramento da estratégia de comunicação interna e externa, gerenciamento das relações com a mídia e o público, criação e disseminação de conteúdos relevantes para diferentes canais, etc.

O porta-voz, voz oficial da instituição, para garantir que a comunicação da instituição seja clara, consistente e alinhada, deve estrategicamente fazer parte dessa equipa.

Com alguma persistência, falamos do perfil do porta-voz. Não basta definir o seu perfil, se não se considerar a multidisciplinaridade e a capacidade de adaptação do quadro como características essenciais para o sucesso no papel.O porta-voz deve entender a transmissão de informações de forma objectiva e compreensível, evitando mal-entendidos e confusões na interpretação por parte do receptor.

Ainda sobre o seu perfil, um porta-voz  institucional deve possuir várias competências para desempenhar eficazmente o seu papel, como ser um profissional confiável e ter uma boa reputação para que as mensagens sejam levadas a sério.Ser credível significa possuir uma qualidade ou características, como honestidade, competência e respeito, que fazem com que as pessoas acreditem nele.

Um porta-voz não é um portador de recados. A diferença entre um porta-voz e um porta-recado institucional reside principalmente no nível de autoridade e na profundidade do envolvimento com a mensagem. O porta-voz institucional éa pessoa autorizada a falar em nome da instituição, capaz de comunicar políticas, posições e informações oficiais. Pela sua posição, deve possuir conhecimento aprofundado sobre a instituição e suas mensagens são consideradas declarações oficiais.

Quanto ao porta-recado institucional, geralmente é alguém que transmite mensagens de outros sem necessariamente ter autoridade ou conhecimento profundo sobre o assunto. Sua função é mais limitada a repassar informações conforme foram dadas, sem a capacidade de representar oficialmente a instituição.

Para se evitar essa confusão de papéis entre porta-voz e porta-recado dentro duma organização, é importante definir-se claramente as  funções, realizar-se treinamentos e reuniões regulares para garantir que todos os membros da organização compreendam os seus papéis, criar-se manuais e directrizes que documentem os procedimentos de comunicação e as funções de cada.

Outra conversa que surgiu foi o da confusão que se faz entre comunicação de qualidade eser bem articulado ou de boa oratória. Ou seja, no perfil do porta-voz, não basta encontrar na organização alguém que seja eloquente. Um profissional eloquente possui o talento para convencer ou comover outras pessoas. Mas isso é claramente insuficiente.

Comunicar bem inclui a capacidade de ouvir, entender e transmitir informações de forma eficaz, seja verbalmente ou por escrito. Enquanto a oratória é uma parte importante da comunicação, comunicar bem também envolve empatia, clareza na mensagem e a habilidade de adaptar a comunicação ao contexto e ao público.

Comunicar com qualidade também significa que o porta-voz deve dominar a língua de comunicação para transmitir informações de forma clara e eficaz. Um bom domínio da língua ajuda a evitar mal-entendidos e a manter a credibilidade da instituição.

Por exemplo, é comum ouvirmos de porta-vozes iniciarem frases com o verbo no infinitivo. As expressões "informar que”, "dizer que” e "falar que” são usadas para introduzir orações subordinadas completivas nominais. Elas servem para reportar uma informação, declaração ou pensamento de alguém e ajudam a conectar a ideia principal com detalhes específicos ou complementares. Essa estrutura frásica pode ser usada para criar um efeito estilístico, dar ênfase à acção ou estabelecer um tom imperativo sem a rigidez de um comando directo.

Porém, a meu ver, e tratando-se de um discurso oficial, há uma certa percepção de ambiguidade e de redução da riqueza expressiva da língua. Num discurso ou intervenção oficial, iniciar com "Informamos que” é mais apropriado, porque transmite uma posição institucional ou colectiva, o que é mais adequado para comunicações formais e representa a voz de uma organização ou grupo, além de transmitir maior empatia, inclusão e uma conexão mais próxima com o público.

Falamos de tudo isso.

Continuamos no ferrenho parlapié ia já a noite adentrando em território da madrugada, quando a própria semi-recta reconheceria que nós já não tínhamos idade para pernoitar sem do monge beneditino vir a bênção do bom Dom Pérignon.

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