Sociedade

Testemunho de mães com filhos Autistas: “Tivemos de mudar completamente a rotina de vida”

Engrácia Francisco

Jornalista

Com um ano de idade, Brian começou a perder a mobilidade dos membros superiores. Pronunciava algumas palavras básicas, mas pouco tempo depois perdeu completamente a fala e passou a viver num mundo só dele.

02/04/2024  Última atualização 07H00
Crianças do centro da Associação Angolana de Apoio a Pessoas Autistas durante as aulas © Fotografia por: Edições Novembro

Eliane Costa, mãe de Brian Costa, actualmente com 4 anos, diz que, quando saísse com o rapaz, este não gostava de ficar em locais com muita gente. "Ele não suportava muito barulho, por isso chorava muito”, lembra.

Os momentos mais difíceis foram vivenciados durante a pandemia da Covid-19, segundo a mãe. Julgava-se que fosse por causa do isolamento social, mas o comportamento do rapaz foi ficando cada vez mais estranho, até que a mãe decidiu procurar ajuda médica. "A família achava que eu estava a exagerar, por isso procurei ajuda de um neuropediatra, que levantou a suspeita de um possível autismo”, recorda, acrescentando que o esposo não aceitou a situação, apesar de o médico recomendar o início das terapias.

"Quando saí do consultório, estava disposta a procurar ajuda para o meu filho, mas o drama começou aí, as creches recusavam-se a receber o meu filho, alegando que não tinham profissionais capazes de cuidar do menino, por outro lado, os centros estavam cheios e já não havia vaga”, disse.

Eliane revelou que a situação começou a deprimi-la, mas o amor falou mais alto. Ao entender a condição especial do filho, começou a pesquisar mais sobre o assunto e, depois de encontrar ajuda de especialistas, as coisas ficaram mais calmas. "Hoje, conto com o apoio da família, já não é um problema para nós, porque aprendemos mais sobre o assunto e sabemos como lidar com ele”.

 
"É uma bênção ser mãe de um autista, mas também desafiador”

Amaida da Costa cuida do filho de 8 anos, também diagnosticado com autismo. A mãe conta que o menino nasceu prematuro, com 38 semanas de gestação. No princípio, disse, parecia tudo normal, também por desconhecimento, por ser mãe de primeira viagem.

"O meu filho falou e andou cedo, mas, aos 2 anos, deixou totalmente de falar”,  lamentou.

Segundo a mãe, depois do menor Azael Fastudo completar três anos, começou a procurar ajuda médica para o filho na África do Sul, mas foi aconselhada a evitar gastos no exterior e fazer o tratamento no país. "Fomos aconselhados, por um pai que também tem o filho autista, a fazer terapias em Angola e, graças a isso, o meu filho melhorou muito, tanto na fala como no modo de se comportar”, disse.

 
"Aceitar é difícil, mas necessário”

Para Neusa Joaquim, foi muito difícil receber a confirmação médica sobre a condição especial do filho, apesar de sentir a neurodiversidade da criança desde a gestação.

"Era um bebé muito agitado, fazia movimentos constantes, comparado à minha segunda gestação de uma criança que não é autista. Mas, quando o médico confirmou o transtorno, foi muito difícil para nós, porque tivemos de mudar completamente a rotina de vida e adaptar-nos à nova realidade”.

Com alguns meses de vida, disse, começou a notar que dificilmente mantinha contacto visual com as pessoas, mesmo quando estivessem a falar com ele, inclusive quando apanhasse a vacina  não chorava conforme as outras crianças.

"Lembro-me de que começou a andar no dia que completou um ano de vida. Ao invés de só andar, começou logo a correr e, ao levá-lo às consultas, não interagia comigo conforme as outras crianças faziam com as mães”, lamentou. 

Porém, hoje, com 5 anos de idade, João Jorge Yange mostra-se cada vez mais estável. Segundo a mãe, Neusa Joaquim, o rapaz já consegue falar e, pela primeira vez, pronunciou o nome do irmão. "Já consigo mandar o meu filho e ele obedece, a caminhada é longa, mas com força de vontade e dedicação tudo fica bem”, reforçou.

Aos três anos, Eliézer Martins ainda não falava e apresentava algumas dificuldades. A mãe,  Leontina Chiwale, disse que as pessoas diziam que era normal, mas, algum tempo depois, os sinais do autismo tornaram-se mais evidentes.

"Fomos ao médico, fizemos terapia, mas não registava grandes melhorias, pelo contrário, surgiram as crises e começou a se tornar cada vez mais agressivo. Mas, consultamos um neuropediatra e agora a situação já está controlada”, disse.

 
Responsabilidade dos pais

Para Cristina Ernesto, mãe de Rafael, de 13 anos, a falta de envolvimento dos pais de autistas continua a ser uma questão significativa. "Muitos optam em atribuir a responsabilidade à escassez de profissionais. Infelizmente, muitos pais não conseguem reservar nem cinco minutos para ensinar aos filhos habilidades básicas”, disse.

A responsabilidade e o apoio dos progenitores, realçou, desempenham um papel crucial no processo de melhoria da criança autista. Mais do que buscar apenas ajuda externa, eles devem comprometer-se activamente com o desenvolvimento e bem-estar dos filhos. "Não podemos ficar restritos à escola. Em casa, cada momento é uma oportunidade para ensinar e incluir”, apelou.

 
Principais desafios

De acordo com as entrevistadas, o grande desafio das famílias que vivem com crianças autistas tem sido a inserção no sistema de ensino. Por outro lado, as terapias são essenciais, mas os preços são exorbitantes.

Amaida da Costa revelou que quase todas as finanças do casal servem para pagar as terapias e o colégio do filho. "Infelizmente, os colégios em Angola, com profissionais especializados nesta área, não são baratos", disse, acrescentando que "só para ter uma ideia, pago 115 mil Kwanzas/mês de propina no colégio e 182 mil no centro terapêutico, sem esquecer que também faz natação, porque  ajuda na concentração, além de ser muito selectivo na alimentação", revelou.

Neusa Joaquim diz que a maior dificuldade está no pagamento das terapias. "Gastamos muito dinheiro nas terapias, muitas delas nem resultam, e o valor varia de 40 mil kwanzas para cima, não menos do que isso”, disse, apelando ao Executivo, por via do Ministério da Saúde, a inserir mais profissionais, neuropediatras e outros a nível das terapias, no sistema de saúde público, e equipamentos de identificação para ajudar quem não tem condições de aceder aos serviços privados.


Associação de Apoio a Pessoas Autistas tem o registo de 1.268 crianças especiais

A Associação Angolana de Apoio a Pessoas Autistas e Transtornos Globais de Desenvolvimento (APEGADA) tem o registo de 1.268 crianças especiais, distribuídas em vários núcleos na capital do país.

A instituição foi criada em 2013 por 16 pais que  estavam insatisfeitos com a situação de abandono em que os filhos se encontravam.

O objectivo da APEGADA é valorizar a existência da pessoa com transtorno do espectro autista, síndrome de down e deficiência intelectual, através de serviços integrados, a fim de serem inseridas na sociedade.

O presidente da  Associação, António Teixeira, disse que o centro é um veículo para a troca de experiências e, com isso, combater a discriminação e a exclusão das crianças com espectro autista no sistema de ensino.

O estabelecimento tem 10 salas de aula e um refeitório. São ministradas aulas de avaliação contínua, terapia da fala ocupacional e comportamental, música, desporto específico para crianças autistas, com síndrome de down e deficiência intelectual. A instituição está a trabalhar para criar um centro de formação profissional com cursos de pastelaria, panificação, mesa e bar, limpeza e jardinagem, lavagem de viaturas e serviços administrativos, para permitir as pessoas especiais acederem ao mercado de trabalho.

Sandra da Silva


 Dia Mundial consciencializa sobre a doença

O Dia Mundial da Consciencialização do Autismo, 2 de Abril, foi institucionalizado pela Organização das Nações Unidas, em 2007. A data foi escolhida com o objectivo de levar informação à população para reduzir a discriminação e o preconceito contra os indivíduos que apresentam o Transtorno do Espectro Autista(TEA).

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