Opinião

Um caso de amor e “traição”

Guida Osvalda

Rodolfo, professor de Direito Administrativo, entrou na sala de aula da turma pós-laboral do quinto ano, sentou-se, e pediu que os estudantes, que olhavam para ele espantados, abrissem os livros.

21/04/2024  Última atualização 11H56

O professor, um ancião de 75 anos, tinha sido sim professor daqueles estudantes, mas no segundo ano. O delegado de turma dirigiu-se ao docente para lhe informar que aquela era a sala dos finalistas e que o Direito Administrativo não era uma disciplina leccionada aos finalistas.

O professor, um juiz jubilado, parecia desnorteado e muito aquém das suas faculdades mentais. Os olhos castanhos do homem estavam sem brilho e distantes.

O homem olhou confuso para o estudante, como se tivesse tido um lampejo de sã consciência, juntou os seus pertences e abandonou lentamente a sala.

Após a saída do docente, levantou-se um burburinho na sala de aula. Os estudantes falavam todos ao mesmo tempo. Os 35 estudantes, com idades dos 21 aos 55 anos, que estavam na sala levantaram várias hipóteses sobre os motivos do estado psicológico do juiz: uns diziam que passava por algum stress. Outros colegas achavam que ele estava a pagar pelas vigarices que tivera cometido contra a jovem namorada, também professora da instituição. Um pequeno grupo de discípulos estava condoído e defendia que ninguém merecia ser trocado por outro como ele foi. E mais! A namorada trocou-o quando ele pensava que era dono da situação. 

O que aconteceu com o professor Rodolfo foi o seguinte. Durante cinco anos,  ele desfilou, de cima para baixo, em companhia da docente Belina e nunca assumiu a relação que existia entre eles. Estavam sempre juntos, mas nada transpirava.

A curiosidade dos estudantes do curso era saber se havia namoro ou era apenas amizade. Que tipo de amizade? A fraternal ou uma "amizade colorida”? Estavam sempre juntos por quê se a diferença de idade entre ambos era gritante? Ela com 32 e ele com 75 anos de idade! Eram 43 anos de diferença! E a prof ª Belina era tão linda que podia casar-se com quem quisesse. Pretendentes não faltavam. Era muito elogiada pelos colegas de trabalho e pelos estudantes, que lançavam piropos do tipo: esta mulher caiu do céu ou foi criada pelos anjos? Essa foi esculpida pelo maior e melhor artista do mundo! Da cabeça aos pés era perfeita. Uma mulher licenciada, com três mestrados e proprietária de duas boutiques com uma veia para o empreendedorismo que lhe garantia estabilidade financeira. Eram com certeza namorados! - Concluíram os estudantes.

- Se não era a dama do kota, então andavam agarrados porquê? - Questionavam os estudantes.

Entretanto eram mesmo só suspeições: ninguém tinha certeza se havia ou não namoro.

No entanto, entre os estudantes havia um que trabalhava na secretaria da Faculdade e levava todos os "azimutes” ou coordenadas sobre o casal. Até que certo dia disse:

- Há namoro! Sim, eles namoram mesmo!

- Coitada, provavelmente a falta de influência masculina na vida faz com que se prenda ao senhor juiz - concluíram os formandos.

Para estranheza de todos, tempos depois, o casal deixou de andar juntinho e a professora chorava pelos cantos da instituição. O informante levou a novidade: 

- Parece que ela está grávida e o mais velho não quer mais saber dela.

Os sentimentos dos colegas variaram da surpresa à indignação. Os estudantes continuavam a questionar-se sobre o motivo que leva uma mulher com 32 anos de idade a namorar  um homem muito mais velho. Seria carência afectiva?  Não era uma relação por motivos financeiros, porque neste aspecto a professora estava "muito bem, obrigada”.

"Os no que tange e no que concerne” levantaram todas as hipóteses possíveis e imagináveis sobre a atracção das jovens por homens mais velhos.

O "plano lógico”, elaborado por eles, fazia referência à psicologia segundo a qual a atracção por gente idosa pode ser resultado de uma série de factores, como a busca por segurança, estabilidade emocional, experiência de vida e maturidade, assim como pode estar relacionada à questão do complexo de Édipo,em que a pessoa procura um relacionamento com uma figura paterna.

Talvez estivessem diante de um caso de Gerontofilia – os estudantes também abriram esta hipótese – já que claramente a professora sentia atracção sexual pelo idoso.

Os juristas especularam sobre o facto de algumas mulheres jovens, geralmente adolescentes, apaixonarem-se facilmente por homens mais velhos, e sem interesse financeiro algum.

Os dias passaram-se e o juiz zangado recusava-se a "assumir a gravidez” e com arrogância dizia que tem a mulher e os filhos em Paris.

- Sou pai e avô, sem a pretensão de constituir uma nova família! - Defendia-se cheio de si.

A jovem andava triste e continuava a choramingar pelos cantos. Quando nasceu a criança, o juiz jubilado continuou firme na sua decisão: recusava-se a registar a criança.Os colegas de trabalho condenaram a atitude dele, mas o idoso estava irredutível. Dizia cheio de altivez: eu nunca lhe prometi nada, então ela não pode me exigir nada.

As mulheres do quinto ano solidarizaram-se com a professora: não seria a primeira nem a última mulher no mundo a enfrentar um caso de fuga à paternidade e, aliás, quanto mais instruídos pior eram os homens neste quesito, pensavam elas. Ele que fosse pastar em outra freguesia!

Os colegas achavam que a professora era uma criança assanhada que devia conhecer as desvantagens de namorar com um homem mais velho, já que para além da diferença de idade havia outras como a disparidade dos gostos, de música e de ambientes, que não seriam compatíveis. 

Ela devia saber que os homens mais velhos podem ser mais reservados em relação a demonstrações públicas de afecto, que uns detestam mostrar contacto físico, como abraços, beijos ou segurar as mãos em público, mesmo quando estão interessados em alguém.

A professora, que até era muito inteligente, deveria saber que casais com idades similares têm maior probabilidade de ter um relacionamento mais duradouro já que tendem a atravessar etapas e desafios da vida em épocas próximas e, portanto, podem encontrar coisas em comum. O caso dela era uma grande excepção. 

A criança nasceu e quando estava com nove meses a professora voltou a engravidar, para desespero do juiz.  Os estudantes reafirmaram a ideia da assanhadice da professora e diziam: "Das duas uma, ou ela quer ter os filhos de um só pai e está a preparar alguma coisa contra o kota ou então é mesmo só maluquinha, coitada”.  "Se Rodolfo não havia aceitado registar uma filha ‘cum fará’ duas crianças!”

O homenzinho permaneceu intransigente:

- Não reconheço estas crianças!

A professora intentou um processo contra o juiz por fuga à paternidade e venceu a causa.

Dois meses depois de o juiz ter registado as crianças, a professora procurou-o para informar que com o reconhecimento legal das meninas não precisava preocupar-se, pois tudo entre eles havia terminado definitivamente.

 – Impossível – o professor Rodolfo retorquiu cheio de si.  – Estaremos sempre ligados um ao outro. As meninas devem crescer junto do pai para que tenham estabilidade emocional, carácter, afecto e personalidade firme.

O que o juiz jubilado não sabia é que a sua ex-parceira, mãe das filhas, era assediada há anos por um antigo estudante. Ex-estudante esse que era gerente-geral de um hotel de renome no Dubai e passava esporadicamente por Angola. Quando ele retornou a Luanda, Belina não pensou duas vezes e aceitou o pedido de casamento. Um mês depois estava casada e zarpava para o Dubai, deixando o professor totalmente estarrecido.

Como homem mais maduro, já tinha vivido muitas coisas e enfrentado inúmeros desafios, quer na carreira, enquanto homem da Lei e docente universitário, quer na vida pessoal, como esposo, pai e avô, mas lidar com a traição de Belina era demais - remoía ele a situação.  

Desde o início do namoro, há oito anos, teve muita paciência com Belina, compreensão e comunicação aberta para que o relacionamento fosse algo forte e feliz. Como é que ela teve o desplante de casar-se com um ex-estudante e levar as suas filhas para serem cuidadas por um completo estranho? – O idoso andava, sem direcção, a remoer os pensamentos pela instituição de Ensino Superior.

Rodolfo estava indignado e matutava: "Com mais de 70 anos de idade, tinha uma vida estável e podia proporcionar um relacionamento mais seguro e tranquilo para a Belina e a ingrata decide comprometer-se com alguém que nem sequer conhecia tão bem”.  

"É verdade que tinha falhado por manter a relação tanto tempo em segredo” – pensava enquanto se dirigia novamente à sala do quinto ano - "mas o facto de estar legalmente casado também não ajudou”.

Belina devia entender que ele era um homem mais velho que não acha correcto as demonstrações de afecto em público, mas que sempre a amou e ela devia saber disso - pensou antes de entrar na sala de aula errada. Sentia-se muito traído!

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