Reportagem

Um lugar adorável de espiritualidade

Miguel Ângelo

Paisagens vivazes de embondeiros enormes e esplêndidos, alguns totalmente 'carecas' e outros com galhos pequenos de mukua, semelhantes à 'cabeça de carapinha dura', acompanhavam-nos à medida que o motorista Gabriel pisava no acelerador e avançava, cautelosamente, pela estrada asfaltada que ia dar até ao Santuário da Nossa Senhora da Conceição da Muxima.

21/08/2023  Última atualização 07H00
© Fotografia por: Armando Costa | Edições Novembro

"O nosso país é lindo", lança a editora Edna Cauxeiro, encantada com o ambiente tipicamente rural que os seus olhos contemplavam, quando passávamos pelo tabuleiro do rio Kwanza. Claramente fascinada com o que via, desvelou ser a primeira vez que cruzava o desvio da Estrada Nacional 230, em Catete, rumo à vila sede da Quiçama.

Mas o esplendor da natureza não fez com que deixasse de prestar atenção no 'malabarismo' do motorista, que tentava a todo custo escapar dos buracos na estrada. Agarrada ao espírito protector, própria das mães, apelava ao motorista para os cuidados redobrados que se impunham.

Em jeito de brincadeira, para desanuviar o clima, ia dizendo: "Cuidado com os meus seios e o útero. Posso ainda querer ter mais filhos." Risada completa na viatura. Por alguns instantes, parou-se de falar da religião, para trazer à baila conversas sobre a geração outras vidas.

Mas a caminhada de uma jovem-mãe, em companhia da filha, com baldes de tomates à cabeça, despertou a nossa a atenção e o motorista obrigado a parar. O Armando Costa, o fotógrafo, pretendia registar esse momento. Batido o 'flash', a Toyota Land Cruiser segue a marcha e uma das repórteres lança: "Não é justo fazer filho para sofrer assim…", numa referência à menina, de aparentemente 11 anos, que auxiliava a mãe.

A cada quilómetro conquistado, dos 65, desde o desvio, em Catete, foi possível observar sinais de actividade agrícola, com extensões hectares a serem cultivados, com incidência para o plantio de tomate.

À beira da estrada, sacos de carvão, mukua e tomate, estão expostos à espera de compradores. O balde de tomate, sem "kabetula”, era comercializado ao preço de mil kwanzas.

Já nos arredores da vila da Quiçama, no desvio para a estrada de terra batida, rua Dr. António Agostinho Neto, uma manada de 58 bois, sob os cuidados de Joaquim Matoca Júnior, ex-militar desmobilizado, em 1987, impressiona e obriga-nos a uma nova paragem.

 Boa tarde! Quanto custa um boi? O pastor, de bonés e uma vara curta na mão, diz: "Não estão à venda. É uma reserva familiar para a reprodução. Venda, só mesmo em caso de grande necessidade".

Em véspera de peregrinação, com enorme movimento de viaturas e pessoas, Joaquim Júnior, de 53 anos, natural de Quilengues, sabe o que terá de fazer para que os bois não corram perigo: "nos próximos três dias vão ficar fechados", como mandam as regras.

Os últimos cinco quilómetros, até atingir o Santuário, foi só descair, um percurso que não exige aceleração. É só manter o controlo do volante que a viatura descai facilitado pelo declive acentuado do troço.

Quando eram 15h25, no pátio do Santuário, desligou-se o motor da viatura. Estávamos, finalmente, num lugar adorável de devoção da fé católica, o regaço da Nossa Senhora da Conceição da Muxima.    

Ensaio e obras

António Micanda, fielmente tratado por "Ti Jesus", coordenador do grupo coral juvenil, diz que os ensaios decorrem "a bom ritmo" e, durante a peregrinação, espera ter os acólitos em sintonia na liturgia e canto.

Já há sinais do processo de requalificação urbana da vila da Muxima. Os estaleiros da empresa Omatapalo, a construtora encarregue da empreitada, estão montados. No terreno, homens movimentam as máquinas, com o desbravamento da mata, para se começar a edificação das infra-estruturas da Basílica. 

Protecção à família

É a primeira vez que Manuela da Silva, de 38 anos, proveniente da província de Malanje, vem ao Santuário da Muxima. Encontramo-la sentada sozinha no passeio lateral da igreja, segurando um terço e com semblante de reflexão. Sentámo-nos, também, e explicámos ao que vínhamos realizar.

A professora do ensino primário, sem hesitação, anuiu explicar as razões que a levaram a sair de Malanje até ao Santuário, para, "num lugar calmo e de fé", avaliar como caminhar na vida diante de imensas dificuldades. "Vim pedir protecção, saúde e bênção para a minha família", disse.

Manuela da Silva, que garantiu ser "solteira e boa rapariga", lamenta "a muito pouca fé das pessoas" com alguns problemas, como a falta de emprego. "Apostam mais em causas obscuras. Não acreditam em Deus. Vêm para um lugar de meditação, como a Muxima, com o espírito inumano, pedir maldade contra os outros", revelou.

O facto de ser "solteira e boa rapariga", aos 38 anos, despertou-nos a curiosidade. Perguntámos: há uma razão para, com esta idade, estar solteira? O sorriso, de olhos arregalados, toma conta do rosto e "muxima" - coração - da jovem professora, há 15 anos, no ensino primário: "Os homens, actualmente, só querem enganar. Não estou mais para brincadeiras. Observam a beleza da pessoa, entram, brincam e vão-se embora. Não quero homem que brinque mais com os meus sentimentos", declarou.

No Santuário há três dias, "espero ficar uma semana aqui", diz que, por razões de trabalho, não vai estar na peregrinação à Muxima.

"As aulas arrancam em Setembro. As próximas semanas serão de seminários. Por isso vim agora. É uma pena, gostaria muito de assistir este momento", suspirou, para, em seguida, despedir-nos de maneira a assistir, às 18 horas, o culto de oração.

O belo coração do Rio Kwanza

Cercado pelas águas do majestoso rio que deu nome ao dinheiro dos angolanos, o Kwanza, e de florestas, conjunto que oferece uma paisagem de tirar o fôlego, o lugar tem o poder de transmitir aos visitantes uma sensação de paz, esperança e alegria, tal é a beleza e tranquilidade que de si emana.

 À entrada da igreja, sentadas no passeio, duas crianças brincam. Pancha, a mais velha, diz ter cinco anos, mas aparenta ter mais. O seu mano não responde à questão alguma. Apenas observa, desconfiado, a visitante. "Com quem vocês vieram? Onde está a vossa mamã?” Pergunta a repórter.

"A mamã foi ‘na’ praça. Nós moramos ali”, diz a Pancha, apontando para o bairro humilde a poucos metros do santuário. O seu mano mantém-se calado.

À porta da igreja, junta-se um grupo de crentes acabados de chegar ao santuário, com trouxas contendo alguns pertences. "Estou a ir rezar, yá! Não vou demorar, porque tenho de ir à lavra”, diz uma senhora, dirigindo-se ao acompanhante, um homem já de idade avançada, aparentemente embriagado.

"Tia Maria, não tens só 50 Kwanzas para eu comprar cigarro?”, pediu o homem. "Não tenho”, respondeu Maria, que fez o sinal da cruz em direcção ao altar onde é exibida a imagem de Nossa Senhora da Muxima e entrou, em seguida, para a capela.

Na parte traseira da igreja estava Lucinda Alberto, 48 anos e mãe solteira. Contou-nos que deixou os três filhos, de 13, 19 e 23 anos com a irmã, no bairro Golf 1, onde vive.

"Estou aqui desde ontem de manhã. Dormi mesmo aqui, vim pedir protecção para a minha família e outras coisas que não posso falar. Mas o que eu pedi, a Mamã Muxima sabe e já ouviu. Tenho fé que vai realizar”, disse. Vendedora de água e refrigerantes no mercado dos Correios, Lucinda reza na Paróquia de São João Calabra, no Golf1. Perguntei-lhe como são os lucros das vendas. "Minha irmã, é só Deus na minha vida. Só Deus! Desculpa lá não terminarmos a conversa. Assim vou já”, disse, enquanto se afastava, apressada e triste.À porta da entrada da paróquia, para onde regressei, estava um par de chinelos gastos e pequenos. À direita, sentada no primeiro banco, uma senhora olha fixamente para o altar e levanta os braços. Em seguida faz gestos e aponta o dedo indicador direito para uma oração, num papel com a imagem de São Miguel Arcanjo, o poderoso vencedor das batalhas espirituais. Tem um lenço amarelo amarrado à cabeça, traja pano africano e blusa às riscas.

Mais à frente, noutro banco, uma gestante chora. É possível ouvir-lhe fungar, enquanto lágrimas escorrem-lhe pelo rosto. Ela murmura palavras dirigindo-se ao altar, onde está a imagem de Nossa Senhora da Muxima.

Silêncio! Apenas se ouvem rumores. Ninguém se atreve a rezar em voz alta. Nem eu.

"O Meu marido viuvou-me com a nova mulher”

Rita Matamba, uma senhora de corpo pequeno, mãe de sete filhos, residente na cidade de Ndalatando, na província de Cuanza-Norte, tinha a expressão de tristeza no rosto. Chorou ao contar a sua história de vida. Estava há oito dias na Quiçama, acomodada na casa de hóspedes do Santuário, com o propósito de alcançar a cura contra todos os males que atravessa.

"O que me trouxe aqui foram os problemas familiares que enfrentei com o meu marido. Me viuvou com a nova mulher com quem vive, actualmente, sem ter chegado ainda a minha a morte. Não sei o que se passa na vida dele e na minha. Por isso, vim ao Santuário entregar tudo nas mãos da Mamã Muxima. É a solução que encontrei para não andar em casas obscuras", contou.

 A crente diz que o seu corpo aquece muito. Tem febres altas, ao ponto de lhe sair, entre as pernas, vapor, motivo que a leva, todas as noites, a chorar de tanta dor. Já fez várias consultas, gastou muito dinheiro, mas o resultado das análises sempre foi negativo.

"A minha casa está destruída, o meu marido abandonou-nos há cinco anos. A vida dos filhos não vai para a frente, são muitas doenças e impedimentos. Estou a sofrer porque sou mãe e pai e não tenho emprego, só dependo do trabalho do campo".

Rita Matamba explicou que mal chegou ao Santuário começou a sentir-se melhor. O corpo deixou de aquecer e o fumo entre as pernas desapareceu. Já consegue dormir e comer, coisas que já não fazia. "Queriam me matar, mas não conseguiram, porque eu busco um Deus vivo", disse.

Sempre que pode, Fernanda da Costa vai à Muxima rezar e agradecer pelas graças e bênçãos que tem recebido. "Cresci na religião católica, por influência dos meus pais. Vim visitar e fazer novena, com propósitos para a Santa. A minha família toda reza aqui no Santuário. Isso nos faz bem, temos de nos entregar a Deus cada vez mais".

Emerciana Micanda, de 20 anos, realiza serviço de protocolo do Santuário da Mamã Muxima, é estudante e reside no liceu do Instituto da Muxima.

A história que mais lhe tocou, ao longo desses anos, é de Márcia Alberto, de raiz católica, casada há mais de 30 anos, que era chamada de estéril pela família do marido.

Na época, contou, Márcia Alberto tinha 47 anos, já havia feito tudo para engravidar, mas sem sucesso. Fez várias consultas, nas quais os médicos diziam estar tudo bem. Não tinha nada que a impedia de engravidar.

Mas um dia, a tia convidou-a a frequentar o Santuário e entregar-se a Deus. Começou a frequentar, fez propósitos, novenas, participou das orações de libertação e se entregou a Deus.

Passados quase dois anos, foi-lhe concedida a graça de engravidar do primeiro filho, uma bênção que tanto almejou na vida. Tinha então com 49 anos. A gravidez correu bem e deu à luz um menino, de parto normal.

Sempre que vai ao Santuário, partilha a sua história e agradece pela bênção que Deus lhe concedeu. "Hoje o filho dela já tem um ano”, contou Emerciana Micanda.

O Santuário Mamã Muxima é um espaço de reflexão e refúgio para quem busca paz. Um lugar lindo e calmo, cheio de plantas e árvores ao redor, e o rio Kwanza a contornar a igreja, proporcionando paz a quem lá chega.

Por trás da igreja, o cenário é deslumbrante, com bancos, que permitem às pessoas descansar. Crianças corriam de um lado para o outro, aumentando a beleza do ambiente.

Nos jangos, encontrava-se um grupo de petizes acólitos. Recebiam formação de um padre, enquanto o coro da igreja, composto por jovens e adultos, ensaiava.

No pátio da igreja, fiéis de todas as idades, oriundos de várias províncias, meditam, rezam e contemplam a linda paisagem.

Carregam trouxas às cabeças, esteiras e tendas nas mãos, para acampar, na expectativa de serem ouvidos pelo padre e receber orientações do propósito a seguir.

Crianças terão culto na peregrinação à Muxima

Um culto de acção de graças dedicado às crianças será realizado durante a peregrinação ao santuário da Nossa Senhora da Muxima, cujos trabalhos de preparação decorrem a bom ritmo

É pretensão do Bispo Dom Emílio Sombelelo reunir várias crianças, entre oito e 14 anos, no dia 22, para participar na peregrinação da catequese e santa missa, para manifestar a devoção à Mamã Muxima.

O padre Lourenço Fernandes recebeu-nos de jeito meigo e cheio de alegria, numa saudação calorosa, e partilhou connosco o programa das festividades da Mamã Muxima.

Os grupos corais da igreja, que também aguardam, ansiosamente, para a peregrinação, entoavam cânticos que serão apresentados nos dias das festividades.

A imagem da Santa passará, a partir de 24 de Agosto, em quatro dioceses, nomeadamente de Caxito, Luanda, Viana e Santa Teresinha, na comuna da Cabala.

Lourenço Fernandes, da arquidiocese de Luanda e Fidei Donum de Viana, a trabalhar no Santuário Nossa Senhora da Conceição (Mamã Muxima), explicou que no dia 1 de Setembro a imagem estará, precisamente, no centro Pastoral de Santa Teresinha e depois terá um momento fluvial.

O momento fluvial é a peregrinação dos polícias. A imagem passará pelo rio da Cabala até ao Santuário, acompanhada por agentes da Polícia Nacional e padres. A imagem da Santa sairá da Cabala às 15 horas e com chegada à Muxima prevista às 18h00.

"Quando a imagem da Santa chegar ao santuário, serão lançados fogos de artifícios e depois a banda da Polícia Nacional vai, com todos os seus instrumentos, entoar cânticos marianos. Teremos, a seguir, a missa de abertura, que será presidida por Sua Excelência Reverendíssimo Bispo Emérito Dom Joaquim Ferreira Lopes."

 O padre disse que a peregrinação terá fiéis dos quatro cantos do país e do estrangeiro.

"O Santuário da Muxima agora é nacional e tem a honra de unir, durante a peregrinação, os fiéis de todos os cantos do mundo".

 Está prevista a vinda, também, de uma equipa de reportagem da Canção Nova, de quatro elementos, sendo dois da Obra de Maria, para acompanhar de perto a peregrinação. "No dia 28, a equipa estará já no nosso território e, no dia 30, passarão a efectuar as reportagens, onde vão gravar todos os momentos da peregrinação".

 Frisou ser incontável o número de fiéis que vai participar na peregrinação, mas prevê que sejam aos milhares, como tem sido habitual. Os bispos de todos os pontos do país e, possivelmente, o Cardeal Dom Alexandre do Nascimento, estarão presentes.

 "É nosso desejo trazer Sua Eminência Alexandre Cardeal do Nascimento para participar nesta peregrinação. É uma probabilidade, ainda não é uma certeza, mas ele tem participado."

Preparativos em marcha

O santuário da Muxima, segundo o padre, está preparado para receber os fiéis, que esperam ansiosamente por esta grande peregrinação, pelo que, esta preparação, em parceria com o Governo Provincial de Luanda (GPL), tem a criação das condições para garantir as acomodações e segurança.

 "Felizmente, a questão da acomodação e da segurança está a ser acautelada. Estamos a 80 por cento já avançados e temos a ajuda do GPL. Falta concretizarem-se algumas coisas. Contamos com a presença dos Bombeiros, da Polícia Nacional, Médicos e da equipa do INEMA, para cobrir este evento religioso".

 A abertura da peregrinação será feita pelo bispo emérito português Dom Joaquim Ferreira Lopes, que ficou algum tempo na Diocese de Viana e, actualmente, está em Portugal, avançou o padre Lourenço Fernandes, acrescentando que o encerramento estará a cargo do Bispo Dom José Manuel Imbamba.

 O Santuário conta, neste momento, com cinco bispos e um cardeal, que estarão presentes na peregrinação, e um número contado de padres que actuarão. Serão realizadas catequeses e missas orientadas pelos sacerdotes, explicou.

A fé da menina do vestido azul

Diante do altar, uma mulher e uma menina clamam. Em seguida, a menina, que mais tarde revelou chamar-se Nazaré Ginga, vira costas ao altar e caminha até à porta de entrada. Lá ajoelha-se e regressa, de joelhos ao altar, num vai e vem impressionante que, contas feitas, foram seis idas ao altar e vindas à porta, junto à qual eu me encontrava. De cabelo curto, natural, a menina, trajava vestido azul-escuro e casaco rosa-choque. Revelou-me, minutos depois, que tem 13 anos e frequenta o santuário, desde a infância, com a mãe e a irmã mais velha, Mayamba, 24 anos, com quem chegou ao lugar de oração uma semana antes da nossa conversa.

Moradora do bairro Cassequel do Lourenço, Nazaré contou que fez o sacrifício de ir e voltar do altar à porta de entrada da igreja para obter a cura e libertação, porque acredita estar a ser perseguida por demónios.

"Sinto muitas febres e ouço vozes de pessoas a falarem comigo. Já fiz medicação, passou, mas depois voltou. Quando venho na Mamã Muxima com a minha mãe isso passa e fico boa. Mas, se não vier, volto a sentir-me mal. E a minha mãe também tem o costume de, quando está a passar por alguma dificuldade, vir na Mamã Muxima. Eu nem sou assim, sou gorda. Mas com aquelas febres que tive, emagreci muito”, disse a pequena, que comemorou o 13º aniversário no dia 08, com jejuns e orações no poderoso santuário. Estudante da 6ª classe na escola 219, no Cassequel do Lourenço, Nazaré afirma ter certeza que Mamã Muxima já ouviu as suas orações.

Uma carta dirigida à padroeira

Dentro da igreja, no quarto banco à direita, depois do altar, estava uma mulher com folhas A4, terço e uma esferográfica nas mãos. Uma rápida olhada para as folhas é suficiente para ler a primeira frase. Trata-se de uma carta dirigida à Mamã Muxima. A autora dos escritos parece desesperada. Minutos depois, à saída da igreja, pela lateral direita, abordei-a.

Desconfiada, exigiu-me a identificação antes mesmo de responder à pergunta que fiz. Não revelou o seu nome, nem outras informações que a pudessem comprometer, mas disse ser funcionária pública no sector da Saúde e estar a enfrentar inúmeros problemas no local de trabalho.

"Passei a noite aqui. Vim pedir protecção para a minha vida e para o meu emprego. Estou a viver muitas situações no serviço”, disse.

Revelou ter 47 anos e três filhos de 20, 16 e 2 anos, e ser membro da igreja Centro de São Mateus Apóstolo, no Grafanil, onde vive.

"Sempre que tenho situações difíceis venho cá. Mas devia vir mesmo quando não tenho. Infelizmente só arranjamos tempo para fazermos algumas coisas, quando enfrentamos problemas. E não devemos ter pressa de ver a solução. Tudo o que pedimos, com fé, um dia receberemos. Hoje vou passar novamente a noite aqui. Tenho a certeza que a Mamã Muxima já ouviu o meu clamor”, disse a enfermeira, visivelmente triste.   

Abraço-a por uns segundos. Ela desfaz-se em lágrimas, que me molham o ombro. Nesse momento o fotógrafo Armando Costa tenta apanhar um bom ângulo para foto, faço-lhe um sinal para não fotografá-la. "Muito obrigada”, agradeceu-me a enfermeira, que ficou com o meu contacto e prometeu ligar. Despedi-me dela desejando que os seus desejos sejam atendidos. Ela acenou e regressou aos bancos para continuar a clamar, diante do altar.

Lá fora, o por do sol, as águas e os cânticos ofereciam aos visitantes uma sensação paz e espiritualidade poucas vezes sentida aos longo dos meus 42 anos de vida.

"Agnus Dei/ Qui Tollis peccata mundi/ miserere nobis Agnus Dei/ Qui Tollis peccata mundi/ miserere nonis…”, ouvia-se o coro da igreja entoar, no pátio, o cântico católico em latim Agnus Dei (Cordeiro de Deus).

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