Reportagem

Um roteiro de onde e o que comer na cidade de Cabinda

Pedro Vicente | Cabinda

Jornalista

A província de Cabinda não é só conhecida pelo seu potencial diversificado e riquíssimo de recursos naturais mas, também, pela rica gastronomia, que faz com que, quem a visita, pela primeira vez, tenha o privilégio de apreciar uma diversidade de “pratos típicos saborosos”.

30/09/2023  Última atualização 09H15
Cabindenses e a sua gastronomia © Fotografia por: Edições Novembro
A cidade de Cabinda, sobretudo, tem muito a dar relativamente a sua gastronomia. A localidade acolhe muita gente com o domínio de culinária, a arte de confecionar alimentos, destacando-se entre vários pratos locais "a famosa galinha fiote”.

Muitos já ouviram falar do sabor da "galinha fiote” e nunca tiveram a oportunidade de a saborear.

A este propósito, existe uma polémica, segundo a qual, o condimento utilizado na preparação da "galinha fiote” não é típico de Cabinda, mas sim da região sul da República Democrática do Congo (RDC). Os cabindenses defendem a ferro e fogo que esse património gastronómico é pertença deles, os congolenses, fazem resistência para não deixar, supostamente os seus créditos em mãos alheias. Não há ainda consenso quanto a isso. Os investigadores um dia vão dar a resposta.

Porém, segundo apurou o Jornal de Angola sobre o sabor da "galinha fiote”, não há contradição. As opiniões são unânimes: "a galinha fiote de facto cuia”. Até aqueles que nunca a comeram, só de ouvir falar, já sentem o paladar da tão prolada galinha.

Os segredos da "galinha fiote”

Mas afinal, o que está por detrás do preparo da galinha fiote que a torna tão procurada e solicitada por todos?

A equipa deste matutino deslocou-se ao bairro Resistência, bem por detrás da sede do Governo Provincial de Cabinda, ao encontro da senhora Sofia Bitebe, uma cozinheira de peso e respeitada na zona.

Sofia Bitebe usa parte do seu quintal para o negócio de preparação de alimentos. Conta que começou a cozinhar muito cedo, ainda menina, quando estava no município de Buco Zau, sua terra natal, a 120 quilómetros a Norte da cidade de Cabinda. Em casa, tinha sempre a obrigação de ficar na cozinha e, sem saber, começou a dar os primeiros passos.

Quando chegou à cidade, já com 17 anos, passou a trabalhar com a tia, que tinha uma barraca no mercado do São Pedro, Sul da cidade de Cabinda, que  é o maior mercado informal da província. Ali, com o passar do tempo, Sofia Bitebe ganhou mais experiência na culinária. Começou, então, a ser contratada para cozinhar em festas de casamentos, aniversários, pedidos, alembamentos, eventos políticos e até em óbitos.

Lembra que quando começou com o negócio, há cerca de cinco anos, foi acusada pelas concorrentes de possuir alguma coisa oculta para atrair clientes, mas, justificou, o tempo acabou por dar resposta a essas calúnias.

 "Os meus clientes seguem a qualidade da comida, nunca tive nada para além de saber cozinhar bem”, disse.    

E sobre o sabor da "galinha fiote”, diz que o segredo consiste no seguinte: depois de depenar a galinha, coloca-se sob uma temperatura leve em brasa de carvão. A seguir, explicou a cozinheira, abre-se a barriga da ave e retira-se a tripa. Praticamente o processo normal de prepara a galinha.

O passo a seguir, conta, é cortar a galinha em pedaços ou em forma de churrasco, dependendo do objectivo de cada um. Depois de lavada com água quente e vinagre, coloca-se na panela com cebola, tomate, alho, pimenta, limão, gengibre e azeite doce. Deixa-se em fogo brando. A seguir, tira-se os pedaços e leva-se à grelha.

Com o tempero feito, disse, faz-se um refogado e coloca-se numa terrina e depois mergulha-se os pedaços, assim que estiverem prontos. "É aí onde está o puro segredo da galinha fiote”, sublinhou.

Sofia Bitebe, de tanta experiência, consegue falar com os repórteres e ao mesmo tempo prestar atenção aos seus clientes, sem se perder.

"Podes acompanhar com chicuanga, mayaca ou mandioca fervida, com uma cervejinha bem fresca, deixa estar (risos) ”, sugeriu. Segundo relatos, a fama da "galinha fiote” já chegou a Zâmbia, Namíbia, África Sul, Camarões e até na França e Bélgica.

Saca-madezo

A gastronomia local inclui, ainda, pratos como o saca-madezo, ou seja, quisaca misturada com feijão, saca fu, quisaca misturada com peixe, muamba de peixe seco grosso, acompanhada de arroz, feijão, chicuanga ou mayaca. Destaca-se, também, a saca bitoto (mistura de quisaca com banana verde), um prato muito comum e bastante apreciado na zona Norte da província (alto Maiombe).

Lugares para comer

Lugares para comer são os que não faltam. Pode-se começar pelo canto da dona Barbarita, ao Largo do Ambiente, bem ao centro da cidade de Cabinda. É um espaço arrojado, sem aquele apetrecho rigoroso, mas, com 2 mil kwanzas come-se uma boa carne de porco grelhada acompanhada de arroz, feijão de óleo vegetal e uns pedaços de chiguanga ou mandioca fervida. Ou se quiser, avança-se uma muamba de pato acompanhada de chicuanga ou mayaca.

Se o lugar ou preço não for do seu agrado, não se preocupe, passa do outro lado do largo, vai encontrar o Espaço Bom Beco, da tia Maria onde, com 900 kwanzas, come-se um bom arroz branco com feijão, acompanhado de uma posta de peixe grelhado e como "esquebra”, uns pedaços de chicuanga de pau, maiaca ou em troca um pratinho com saca bitoto.

Ou seja, toda comida em Cabinda é acompanhada de chicuanga, nem que seja um pequeno pedaço. Há clientes que, se não encontrarem a chicuanga no estabelecimento, são capazes de se aborrecerem e irem-se embora.

Ainda no perímetro do Largo do Ambiente, encontramos aí perto as Organizações Pacheco, onde se pode saborear algo mais simples, como, por exemplo, um franguité ou um cabrité, com gindungo fiote (gindungo pequeno). Sempre acompanhado da tradicional chicuanga.

Império das Carnes, um lugar  para relaxar

Caso não esteja satisfeito com os locais anteriores, ainda tem, não muito longe, o Império das Carnes, no bairro Tafe, arredores da cidade de Cabinda, um lugar simples, mas cômodo. Mesas e cadeiras de madeira bem trabalhadas, paredes brancas com desenhos de copos com cerveja e carne na grelha que até já provoca água na boca.

Nesse estabelecimento, quando se entra pela primeira vez, a primeira cerveja é grátis e tem-se, ainda, o direito de provar um pequeno naco de carne de porco ou vaca.

Há um aviso na parede, escrito com letras pretas que diz o seguinte: "se é para esquecer, pague antes de consumir”. E num outro ângulo do recinto pode-se ler: "podefaltar tudo, mas tempero na carne é que não”.

Rita Barros, responsável pelo negócio, disse ao Jornal de Angola que decidiu fazer a diferença, colocar à disposição dos clientes apenas uma espécie de comida, para fugir das muambas e os kuassas de pato, para além de não querer se dar ao trabalho de lavar panelas e muita loiça. "Aqui é um lugar para relaxar, não é para comer até encher a barriga”.

No Império das Carnes encontra-se de tudo: carne de vaca, de porco, galinha, javali, pacaça, bem como cordonizes, acompanhado com batatas fritas e, como sempre, a chicuanga não pode faltar. E mais. O cliente é atendido por duas donzelas que ostentam uma beleza sem aditivos: usam os próprios cabelos e nada de perucas nem unhas plásticas, com excepção de um tonzinho de baton nos lábios.

Restaurante Apolónia

Se preferir sair um pouco da comida tradicional, é simples, chega ao Restaurante Apolónia, na Rua do Terminal Marítimo de Passageiros, ao casco urbano da cidade. Um lugar de elite que, para além do requinte da sala, tem um espaço com vista ao mar e opções para comida ocidental é que não faltam. Mas, se não encontrar o que lhe apetece comer, tem a possibilidade de encomendar na hora. O Apolónia é o expoente mais alto a nível da restauração em Cabinda e o seu menu é vasto.

Fomos recebidos pela chefe de cozinha, Lídia Álvaro, considerada pelos colegas e clientes "Rainha dos Temperos”. Foi ela quem se responsabilizou em explicar o funcionamento do restaurante, pois que, sendo a líder de um dos mais importantes departamentos do estabelecimento, o segredo para fidelizar os clientes está nas suas mãos.

"A saúde da Humanidade está nas mãos daqueles que cozinham para nós”. Foi com essas palavras  que começou a conversa.

Lídia Álvaro, 33 anos, disse que a cozinha sempre foi a sua paixão, mas como chefe de cozinha, as coisas não aconteceram do dia para a noite.

Há seis anos, quando começou, encarregava-se de lavar a loiça, um tempo depois, foi transferida para a área de preparação das saladas, frutas, batata, mandioca e as sobremesas.

Como era empenhada e apaixonada pelo que fazia, contou, subiu como responsável de turno, controlava os colegas, a hora de chegada e saída, orientava os trabalhos e nessa altura, sublinhou, já auxiliava na cozinha.

A ex-chefe de cozinha, prosseguiu, uma cidadã portuguesa de referência internacional nessa profissão, conferiu-a competências e dotes na culinária, e passou a instruí-la sobre a confecção dos variados pratos para depois, aquando da sua saída da empresa, atribuiu à Lídia a chefia da cozinha.

Foi assim que a jovem cabindense conseguiu assumir o lugar mais importante do empreendimento. E não parou por aí. Durante o tempo que está no controlo da cozinha, tem vindo a projectar-se com formação na sua área.

Quem vai ao Restaurante Apolónia tem que estar capacitado financeiramente, pois os preços da refeição variam entre 8 mil e 20 mil kwanzas.

Restaurante Catchupa

Se achar que o preço está acima das capacidades, vá ao restaurante Catchupa, a escassos metros da Apolónia, ou seja, na Avenida Duque de Chiaze, bem ao lado do Pavilhão Multiuso do Tafe. Aí já pode saborear alguns manjares: Com 4 mil kwanzas, podes "abater” uma boa cachupa ou um bitoque, ou então, se quiser, avança uma caldeirada de peixe grosso.

O espaço Catchupa tem um chamariz artístico à entrada. Ao chegar, o cliente é brindado com imagens ampliadas dos cantores Paulo Flores, Bonga, Euclides da Lomba e tantos outros. Quem lhe recebe à porta é uma figura de artesanato vestido de garçon, com um gesto a desejar as boas vindas e bom apetite.

A cidade é pequena e tudo gira à volta: na rua do Macau, próximo à Rádio Mais, encontra o São Diogo, restaurante que, com 1000 kwanzas, tem um prato de arroz de cenoura, feijão preto, peixe frito e salada. E como é tradição, sempre com uma chicuanga, banana fervida ou maiaca.

  Como os cabindenses recebem os visitantes

Raquel Manuel, dona de casa, explicou que os cabindenses, quando recebem visitas provenientes de outros pontos do país ou de qualquer outra latitude, dos pratos que não podem faltar à mesa é "galinha fiote”, saca folha (quisaka) de muamba ou de peixe, feijão macunde e saca bitoto.

Contou que, quando os familiares chegam a Cabinda, já trazem uma ideia sobre aquilo que vão querer comer. Então, para fazer jus ao desejo dos visitantes, esses são os principais alimentos que não podem ficar fora do cardápio. O resto, disse, serve para acompanhar, como por exemplo a batata macóco, que considera ser um dos tubérculos com mais vitaminas do mundo. Raquel Manuel assegurou que foram os especialistas em nutrição que chegaram a essa conclusão.

Raquel Manuel disse ainda que o povo de Cabinda tem uma maneira de receber os visitantes, que se destaca das outras regiões do país, acrescentando que a mesa tem que estar bem recheada de variedades de comida para confortar aqueles que estão na nossa casa de passagem.

"Nós sempre optamos pela comida típica. É por isso que os cabindenses, mesmo acima dos 90 anos de idade, continuam com aquele que vigor de dar inveja”, disse.

Raquel Manuel tem em carteira um projecto para a abertura de uma cozinha comunitária, cujo menu vai incluir somente comidas da terra.

O objectivo, avançou, é de valorizar e conservar a gastronomia local. "Porque a nossa comida ainda é aquela que sai do campo directo para as nossas mesas. Se perdermos isso, os problemas de saúde vão começar a tomar conta das famílias”, finalizou.      

  Hora de dançar

Depois que chega a noite, o estômago já bem abastecido, há um momento que se reserva para dançar. O Bar 8, na cidade de Cabinda, é um dos lugares mais apontados para descontrair, pois, garante comodidade e segurança.

O Bar 8 tem um rigor no pessoal que frequenta e os preços dos produtos não combinam com o bolso de qualquer um.

Se desejar um ambiente mais rústico, com aquela azáfama de pessoas e música que rebenta os tímpanos, afaste-se um pouco do asfalto. Na preferia a batida é outra. A Casa Califórnia, no bairro 1º de Maio, proporciona-lhe esse ambiente.

Ali, o espaço é maior e é onde todos se encontram. Dá para sentir de perto a vibração do pessoal das várias zonas periféricas da cidade de Cabinda. É basicamente comparado com a antiga Mamã Monique, no Mártires do Quifangondo, em Luanda.

Há uma fumaça à volta, derivada do grelhado dos pinchos, cabrités, chouriços, pele de porco e batatas fritas. No Califórnia, há muitos motivos para dançar. E, ao amanhecer, o sítio para tomar sopa é na dona Ana, no Largo Pedro Benge, perto da Igreja Rainha do Mundo, na Sé Catedral.

É lá, segundo apurou o Jornal de Angola, a preferência dos citadinos. Porquê? "Epá, essa mãe sabe preparar a sopa, além disso, aqui atendem muito bem e começam muito cedo”, responde um cliente.

Sobre comida e lugares de diversão em Cabinda não é tudo. Em próximas edições, o caro leitor tomará conhecimento de outros cenários que dão vida e vigor à cidade capital da província mais a norte do país.

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