Reportagem

A história da antiga Nova Lisboa

Sérgio V. Dias | Huambo

Jornalista

A proposta de construção de um centro urbanístico no Planalto foi incluída num contexto maior. Vislumbrava a criação de uma urbe sede de uma entidade administrativa para uma zona ainda muito instável e de clima hostil ao elemento colonizador. Foi daí que em 21 de Setembro de 1912, Huambo ascende à categoria de capital distrital (que depois tornou-se província), durante a cerimónia de inauguração da estação ferroviária

21/09/2023  Última atualização 11H11
Huambo “cidade vida” © Fotografia por: Arquivo

 

Huambo, a capital da província que atende pelo mesmo nome, assinala hoje 111 anos de existência. Com uma superfície territorial de 2.609 km 2, ostenta o estatuto de município mais populoso desta região do Planalto Central, aparecendo, por conseguinte, em sétimo no universo dos demais existentes no país.

No passado tinha a designação de "Nova Lisboa”, chegando, no período entre 1928 e 1975, a rivalizar com Luanda, devido a sua predominância económica regional, tendo sido inclusive considerada a capital de jure (mas não de facto) angolana, entre 1928 e 1950.

No entanto, depois de ter grande parte das suas infra-estruturas destruídas pela guerra, pode recuperar-se economicamente após a conquista da paz em 2002.

A história da circunscrição está relacionada ao epílogo de um dos grandes reinos ovimbundos, o do Huambo, que foi derrotado por Portugal em 1903, durante a Segunda Guerra Luso-Ovimbundo.

Relatos apontam que as antigas capitais do Reino do Huambo, as cidades de Caála e Lépi, ou foram destruídas pela guerra ou abandonadas.

Além da sua sede, o município do Huambo é constituído ainda pelas comunas de Chipipa e Calima. A cidade capital do Planalto Central agrega ainda os importantes distritos urbanos de Quissala, Dango de Baixo, Chuva Bomba e Cruzeiro.

Por conseguinte forma com os municípios da Caála e de Ecunha a considerada virtual Região Metropolitana do Huambo, sendo por isso o centro demográfico e económico.

Vale salientar que a sede provincial do Huambo é limitada a Norte pelo município do Bailundo, a Leste pelo Chicala-Choloanga, a Sul pelo Chipindo (este circunscrito à província da Huíla). Já no ponto Oeste é limitado pelos municípios de Caála e Ecunha.

Cabral Moncada

Lépi, até então chamada ou de Huambo ou de vila Cabral Moncada, a segunda e última capital do reino com o mesmo nome, havia sido parcialmente destruída durante o final da Segunda Guerra Luso-Ovimbundo e, além disso, fora abandonada a partir de 1904.

Anos mais tarde, as obras do Caminho-de-Ferro de Benguela (CFB) aproximaram-se das ruínas de Caála e Lépi. Esta ferrovia era concebida para drenar os minérios da rica região do Catanga para a costa do Oceano Atlântico.

Contudo, em 1912 surgiu um acampamento operário sob a liderança da empresa de engenharia Pauling & Co, estabelecendo-se nas proximidades do quilómetro 370, bem ao lado das ruínas de Lépi. No meio deste cenário começou a ser aí recebida as correspondências, vindas do Reino Unido, endereçadas a uma localidade denominada "Pauling Town – Angola”.

Contudo, os registos com o nome Wambo/Huambo haviam sido apagados e não se tinha mais conhecimento do nome original do local. Por seu turno, o general José Norton de Matos, ao chegar a Luanda para ocupar o cargo de governador-geral da então colónia de Angola, teve conhecimento dessa ocorrência e procurou saber o antigo nome daquela povoação do Centro do país.

Para o efeito, encontrou a referência ao Forte do Huambo-Cabral Moncada, criado pela portaria nº 431, de 20 de Setembro de 1903, por Cabral Moncada, para marcar o domínio português logo após a derrota do Reino.

Há ainda relatos que apontam ao facto de que o mesmo forte estava abandonado e situava-se próximo do quilómetro 365, do lado esquerdo da linha, a cerca de dois quilómetros desta, nas proximidades onde actualmente encontra-se a vila de Lépi (que teve o seu nome alterado para vila Cabral Moncada, nos momentos finais do Reino do Huambo).

Sabe-se que por ordem do Governo Colonial a cidade-forte foi transferida do quilómetro 365 da linha férrea para um ponto mais destacado no quilómetro 423. Assim, o forte Huambo-Cabral Moncada foi reconstruído a 8 quilómetros da Estação Ferroviária, recebendo o nome de Forte da Quissala.

A retomada e transferência do Forte, no início de 1912, bem como a própria estação ferroviária, serviram como posição geográfica para o futuro centro político do Planalto Central, a que deu o nome de Huambo, no quilómetro 423 do Caminho-de-Ferro de Benguela (CFB), através do diploma legislativo de 8 de Agosto de 1912.

Logo a seguir à recriação da vila do Huambo, a portaria provincial nº 1086 de 21 de Agosto de 1912, proibiu nela a construção de casas de adobe, pau-a-pique ou outros materiais semelhantes. Foi encomendado ao engenheiro Roma Machado a elaboração da primeira planta urbanística da localidade, separando as funções políticoadministrativas na parte alta, e as económicas na zona da única estação.

A proposta de construção de um centro urbanístico no Planalto foi incluída num contexto maior, e não somente como parada ferroviária e base militar. Vislumbrava, antes de tudo, a criação de uma urbe sede de uma entidade administrativa para uma zona ainda muito instável e de clima hostil ao elemento colonizador. Foi daí que em 21 de Setembro de 1912, Huambo ascende à categoria de capital distrital (que depois tornou-se província), durante a cerimónia de inauguração da estação ferroviária.

Em 1921 o Huambo deixa a categoria de vila e passa a ser considerada cidade, o estatuto jurídico-administrativo mais adequado para capitais de distrito. Aponta-se ainda o facto de que no ano seguinte (1922), a cidade já possuía uma escola primária, que só atendia crianças brancas e mestiças, sem possibilidade de atendimento às de cor negra.

Reza a história que, no mesmo ano, um pequeno aeródromo tinha sido construído nesta parcela do território nacional, sendo utilizado como Centro de Aviação Militar de Angola, que se tornaria uma característica marcante da cidade. O aeródromo foi "substituído”, em 1947, pelo actual Aeroporto Albano Machado.

A 1 de Setembro de 1928, o então governador Vicente Ferreira mudou-lhe o nome para "Nova Lisboa” e fez publicar, para o efeito, em boletim oficial a designação da cidade como nova capital de Angola. Mesmo que nunca tenha se tornado capital de facto, permaneceu como capital de jure de toda colónia até 1950.

Mesmo já como capital distrital e de jure da colónia, a Câmara Municipal só foi formalmente instalada em 1933, em substituição da comissão urbana provisória que a administrava desde Agosto de 1912, e o foral só foi-lhe dado em 1948. Este período coincide com a instalação da rede eléctrica (1936), da água canalizada, da Associação Comercial e do Banco de Angola (durante a década de 1940).

Consta ainda da história que, em 1942, ocorreu a primeira emissão de radiodifusão na cidade, tornando-se a quinta cidade angolana a alcançar tal feito. No ano seguinte, mais concretamente a 27 de Janeiro, era inaugurada a Rádio Clube de Nova Lisboa, a mais notável das emissoras de Angola da época.

A mesma emissora logrou o feito de lançar a era televisiva no país, em 1962, numa transmissão ao público, na Feira de Nova Lisboa. A Tv Nova Lisboa teve curta duração, porém, reforçava a visão de um período áureo da cidade.

Já a 19 de Outubro de 1946 foi aberto o Hospital de Nova Lisboa, actualmente denominado Hospital Geral do Huambo. Apesar disso, o mesmo só viria a ganhar edifício próprio em 1952. Até o final da década de 1960 ainda era um dos dois hospitais centrais-regionais da colónia (o outro era o Hospital Dona Maria Pia de Luanda).

Já no ano de 1949 o Huambo passa a dispor da sua primeira instituição de ensino secundário-técnico, a Escola Industrial e Comercial Sarmento Rodrigues (actual Instituto Superior Politécnico do Huambo), seguida do Liceu Nacional Norton de Matos, no dia 1 de Agosto de 1956. Esta é actualmente denominada Escola Secundária "Comandante Bula Matadi”.

Nova urbanização

Com efeito, no final da década de 1940 a cidade ganharia um novo plano de urbanização extremamente arrojado, com logradouros amplos e grandes jardins, que permitiu o surgimento, na década seguinte, de hotéis, livrarias, cinema, lojas e novos edifícios públicos. Diz-se ainda que nessa fase inicia-se efectivamente o processo de industrialização local, com a montagem das oficinas do caminho-de-ferro.

A narrativa do facto desta parcela do Planalto Central do país dá ainda conta que, a partir de 1966, entra em funcionamento o primeiro Campus/Polo Universitário público. Já a partir de 1974, esta transforma-se em Universidade de Nova Lisboa (precursora da Universidade José Eduardo dos Santos, recriada em 2009).

Vale destacar, a esse respeito, que a primeira instituição de Ensino Superior local foi o Seminário Maior Inter-diocesano de Cristo Rei, fundado em 18 de Setembro de 1947.

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