Entrevista

Entrevista

“A LAC reinventou a forma de fazer rádio em Angola”

Leonel Kassana

Jornalista

Trinta e um anos depois de ser lançada no mercado, o director de Informação da Luanda Antena Comercial (LAC), José Rodrigues, disse, em entrevista ao Jornal de Angola, que a mais antiga rádio privada cumpriu com o seu papel na sociedade angolana, em geral e luandense, em particular. “O facto de termos sido a primeira rádio privada no período pós-Independência, transferiu-nos responsabilidades acrescidas”, sublinha, indicando que a estação teve que se reinventar, recriar conceitos e nova forma de fazer rádio.

25/09/2023  Última atualização 08H15
“Há algumas boas propostas nas rádios concorrentes, sobretudo as que prestam um serviço público directo e impactante” © Fotografia por: Paulo Mulaza | Edições Novembro

Qual é o balanço que se impõe desde o surgimento da primeira estação de rádio privada em Angola, depois da Independência?

Geralmente, os balanços representam sempre um olhar crítico que se faz a um trabalho realizado. Ora, vendo as coisas com humildade, não precisamos de fazer nenhum esforço para dizer que ao longo destes trinta e um anos, a LAC cumpriu com o seu papel na sociedade angolana, em geral e luandense, em particular.

O facto de termos sido a primeira rádio privada no período pós-Independência, transferiu-nos responsabilidades acrescidas.

A LAC teve que reinventar, recriar conceitos, reinventar a forma de fazer rádio em Angola. E, isto só foi possível com recurso a quadros de elevada capacidade, muitos deles provenientes da RNA. Tivemos momentos áureos, enfrentámos muitos desafios e hoje podemos dizer que "sobrevivemos” ou, para sermos mais realistas, vamos sobrevivendo.

Quer ser mais específico, para descrever o grau de dificuldades que a LAC teve e tem para se impor no mercado?

Na verdade, não foi e nunca será fácil fazer rádio em Angola. Às vezes, há a ilusão de que uma vez resolvidas e consolidadas as questões técnicas, tudo o resto torna-se fácil. Esse é, de facto, um grande equívoco. É preciso apostar numa série de factores, como o empenho e dedicação na construção de conteúdos que possam atrair audiências.

Em paralelo, é absolutamente fundamental o investimento no capital humano, sobretudo em bons jornalistas de rádio, pois não basta uma frequência e um microfone. É preciso envolver as pessoas.

 O que se lhe oferece dizer sobre o surgimento de novos projectos radiofónicos em Angola?

Penso não estar ainda num patamar que me permita enviar recados aos criadores de projectos para a criação de novas emissoras, mas acredito haver muito boa vontade nesse sentido e proporcionar conteúdos interessantes.

A minha observação vai no sentido de que é preciso respeitar certos parâmetros, como uma séria aposta na qualidade dos fazedores de rádio, atender ao facto de que, como outras profissões, esse segmento é, indiscutivelmente, ciência pura, que precisa de ser estudada.

Saber fazer rádio não é apenas ter um microfone diante de nós. É preciso saber dialogar com o microfone, para que este consiga dialogar com os ouvintes.

A sua resposta leva-nos a questionar sobre se as rádios (muitas), estão em linha com esses padrões?

Pergunta interessante, esta. Não quero julgar, mas considero que cada caso é um caso. Nem todos os cogumelos são comestíveis. Estamos a viver um momento extremamente importante, que emana da liberdade de expressão. E, essa liberdade também se efectiva na medida em que as pessoas possam criar plataformas por onde consigam expor suas ideias e seus conceitos sobre a vida e o país.

O surgimento das rádios se enquadra nessa lógica, apesar de nem sempre haver clareza e definição de alguns objectivos. Nem do ponto de vista editorial, nem comercial. O surgimento de mais rádios ainda não deu algumas respostas. Ainda não está a fazer a verdadeira diferença.

Em Luanda, no meio de várias, apenas algumas (poucas), curiosamente as mais antigas, continuam a liderar o mercado. Muitas ainda estão no período de definição dos seus públicos. Há notoriamente alguma dispersão...

Negócios das rádios privadas e os apoios (necessários) do Estado

Uma pergunta que é colocada aos proprietários de rádios é sobre a sua rentabilidade. Fazer rádio dá dinheiro?

Isso depende e, muito, da perspectiva que se tem quando se cria uma rádio. Há projectos de rádio que nascem conectados, "sponsorizados”, por grupos de interesse. Têm empresas ou homens de negócios. Há outros que são criados com uma perspectiva comercial bem elaborada e se auto-sustentam pelos serviços comerciais prestados.

Outras vivem de trespasses. E, há aquelas que nascem no escuro: as rádios da frequência e do microfone, sem estratégias comerciais sólidas e os alinhamentos que suportem a sua actividade.

Penso que para as rádios terem dinheiro, elas precisam de ser muito criativas, com foco no mercado, através da produção de bons conteúdos. As rádios precisam de ter áreas comerciais especializadas na relação com o mercado. Áreas que consigam vender esse produto popular.

O Estado pode atenuar alguns impactos. Sobretudo se puder valorizar o serviço público que estas emissoras (antigas e emergentes), prestam à sociedade, cada uma à sua maneira.

E, qual é a situação da Luanda Antena Comercial? É rentável?

(Risos) paga salários. Estes trinta e um anos não foram uma pêra doce. Repito, não tem sido uma pêra doce, exigindo esforços extraordinários para chegar ao final do mês e garantir o pão de dezenas de famílias.

A comunicação social privada vive um período crítico, com graves reflexos na qualidade do serviço que presta à sociedade, na capacidade de contribuir para a formação do sentido crítico e robustez da instituição chamada de democracia e cidadania.

Quanto à LAC, que é a pergunta que faz, ela está neste momento a viver uma espécie de período de reinvenção e interiorização da ideia de que fazer rádio é também um negócio. Não é qualquer negócio, evidentemente, mas que abre algumas possibilidades reais de se ganhar dinheiro. Os eventos, a produção de eventos radiofónicos e culturais são possibilidades que estão a ser equacionadas e experimentadas.

Fazer acontecer factos que atraiam marcas, produtos e serviços. Um exercício sensível nas nossas sociedades, onde muitas agendas (até de pessoas singulares) se cruzam e interferem nas políticas editoriais.

Projecto "Andar o país” despertou interesse público

O projecto "Andar o País” é dos mais significativos, nessa lógica de reinvenção da LAC?

Não necessariamente, mas também. Uma reportagem como o "Andar o País”, até pelo interesse público que suscitou, criou, na verdade, enorme visibilidade. E, é isto que as empresas gostam, pois apostam na visibilidade das suas marcas, dos seus negócios e serviços e, sobretudo, no interesse social.

Embora na génese do "Andar o País” não estivesse a vertente comercial, sem dúvidas foi um trabalho realizado e que produziu alguns efeitos práticos, em termos de cobertura dos custos de produção.

Nós temos produções culturais, como o Festival da Canção de Luanda, que tem de ser enquadrado nessa perspectiva, para não ser, digamos, uma entidade gastadora e ser transformada, também, numa fonte de rendimento.

Para quando a institucionalização do "Prémio Agrícola”, na esteira do projecto "Andar o País”?

Ainda é prematuro, para podermos falar desse prémio. Há outros factores envolventes, outros elementos que precisamos agregar a esta iniciativa. O que posso adiantar é que se trata de um subproduto do grande projecto "Andar o País pelos Caminhos da Agricultura e do Desenvolvimento”, que visa dar visibilidade a casos de sucesso, através de uma modalidade de reconhecimento que a LAC está neste momento a estudar com diferentes potenciais parceiros.

Já foi realizador de programas na RNA, com muitos prémios. Pergunto: sente que há realização nas rádios angolanas, sobretudo em Luanda?

Depende dos conceitos. Acredito que houve evolução nos próprios conceitos de realização. Claramente que as possibilidades técnicas de hoje influenciam muito no modo de se fazer rádio. Mas, apesar dessa dinâmica tecnológica, há determinados procedimentos, até de ordem estética, de arrumação de programas, que deviam ser mantidos ou respeitados.

Há muita confusão, se me permitem a expressão. Há muitos ruídos e muita falta de critérios. Durante o período em que estive na RNA, havia um cuidado na arrumação da grelha com programas que atendiam às mais variadas sensibilidades. A rádio trabalhava muito pelo lado emocional. Alinhava os programas em função dos horários do dia, julgando pela predisposição das pessoas.

A música era seleccionada tendo como critério o tempo da sua transmissão. A que tocava de manhã, de tarde, de noite e de madrugada. Havia diferenciação. Nessa altura, tive a responsabilidade de realizar grandes programas, que tinham públicos definidos.

Os programas tinham uma história. Um começo, uma apresentação, um meio (desenvolvimento) e fim. A música estava sempre em harmonia com os temas. Momentos claramente definidos.

O locutor tinha tempo para falar e calar. Não podia sobrepor a sua voz à do cantor. Tinha tempo para falar o que quisesse sem necessidade de falar por cima da música.

A rádio tinha uma mística, a caixinha era enigmática. Falava para uma pessoa e toda Angola ouvia.

Hoje, parece, salvo algumas excepções, está tudo igual. Vinte e quatro sobre vinte e quatro, as mesmas músicas, as mesmas gritarias, imitações mal conseguidas, palavras atropeladas. Em resumo: ausência da figura do realizador.

É claro que os tempos mudaram e com ele alguns critérios entraram em desuso. Mas, há elementos básicos que caracterizam a rádio, que lhe conferem esse nome de rádio que devem ser mantidos e respeitados.

 Como é que divide o seu tempo ouvindo a rádio, incluindo a concorrência?

(Risos) naturalmente, é importante que um homem de rádio ouça as rádios possíveis. Há sempre qualquer coisa que se aprende. Mas, há determinados momentos em que eu desligo, até mesmo a minha rádio. Sou cardíaco e há coisas que às vezes metem medo. Precisamos afinar os critérios de fazer rádio. Para o bem de todos nós, incluindo os detentores desses meios. Ouço rádio porque a rádio aguça a imaginação. Há algumas boas propostas nas rádios concorrentes. Sobretudo aquelas que prestam um serviço público directo e impactante. Num paro e noutras passo.

Quais são, digamos, as ameaças abertas e latentes à comunicação social? 

O universo da comunicação é hoje muito complexo. Precisa permanentemente de ser estudado. E, isto não se faz com distracção. O mundo da comunicação está em permanente evolução. As ameaças são desafios. A resiliência é a arma para lidar com esse fenómeno. A reinvenção permanente para não sermos atropelados. Há alguns "torpedos” para os quais é preciso estarmos permanentemente preparados.

As redes sociais são hoje um desafio ao jornalismo, sobretudo a rádio. Como é que encara esse fenómeno contemporâneo?

Esse é um daqueles "torpedões” que considero ser um dos maiores desafios do nosso tempo. Apesar disso, entendo que é um fenómeno que veio ampliar o campo da comunicação e devemos encará-lo na complementaridade. Como uma extensão. Posso estar a romantizar, mas acho que é importante encarar essa ameaça como desafio.

Quando surge algo novo, com forte impacto na sociedade, é necessário que nos adaptemos a ele. Considero as redes sociais aliadas da rádio e de outros veículos tradicionais. Temos que fazer com que eles actuem em nosso benefício na promoção de marcas, interacção com os ouvintes e na publicitação dos nossos conteúdos. Por isso, para mim, não é problema, apesar dos meus "conflitos” com as novas tecnologias (risos).

Como avalia o debate nas redes sociais? Preocupa-o, enquanto jornalista?

Precisamos crescer e saber usar este potente instrumento. Sinto que muito do que acontece nas redes sociais resulta da nossa formação. Má ou boa, não me compete julgar. A todos os níveis temos dificuldades em lidar com as redes sociais. Eu até diria que as redes sociais têm dificuldades em lidar connosco. Temos que aprender muito em lidar com o diverso.

 Numa anterior entrevista, aqui mesmo no Jornal de Angola, havia dito que precisamos não apenas de defender a democracia, mas de ter verdadeiros democratas. Há um déficit de democracia em Angola e isto está reflectido na qualidade do debate nas redes sociais.

Também há o elemento civilizacional que se chama educação. Precisamos de ser educados em todos os meios e circunstâncias. Vejo pouco isso nas redes sociais.

Nós precisamos de dialogar, ouvir e compreender mais e sermos mais tolerantes. Há muitas carências na nossa sociedade. Carências até afectivas que nos transformam em seres irreconhecíveis. E, isso não é bom, não é saudável.

 A Luanda Antena Comercial pode ser considerada, já, uma rádio suficientemente plural?

A LAC não precisa de ser "suficientemente "plural. Ou é ou não é. Gostaria de remeter a resposta aos ouvintes. Sei de alguns julgamentos que confirmam a nossa pluralidade.

Outros, naturalmente que têm outras visões. E, é exactamente com essa forma de olhar para a LAC, sob ângulos diferentes, que se faz a tal diferença que é preciso respeitar.

Eu repito sempre isso: a neutralidade está na Química. Os homens têm afectos, simpatias, amores e desamores, sentimentos, enfim... O importante é que cada um de nós faça bem o seu papel. Cumpra bem as suas responsabilidades. Os jornalistas, políticos, artistas, médicos, professores, enfim, todos cumpram bem os seus papéis.

Consistência das conversas no "Café da Manhã”

O seu "Café da Manhã” é um espaço de entrevista, talvez o mais antigo da rádio em Angola. Para quando um "Café da Manhã”com o Presidente da República?

Não sei para quando. Lembro-me que numa das primeiras viagens do Presidente João Lourenço à Alemanha, encontramo-nos na sala onde ele dava uma entrevista à rádio Deutsche Welle. Depois da entrevista, o Presidente virou-se para mim e disse: "José Rodrigues, não penses que te estou a fugir. Vou dar-te uma entrevista. Depois trate disso com a minha assessoria...”.

Estou à espera. Quem sabe um dia possa conversar com o nosso Presidente? E, nessa altura talvez volte a fazer a pergunta do meu amigo João de Almeida: "Senhor está a gostar de ser Presidente...? (risos).

Que avaliação faz sobre o jornalismo que se faz hoje em Angola?

Esta é daquelas perguntas me levam a manifestar a minha estranheza quando vejo jornalistas a julgarem jornalistas. Quem sou eu para avaliar o trabalho dos meus colegas? E, eu às vezes vejo, com alguma tristeza e desencanto, a forma como acontece o diálogo entre jornalistas nas redes sociais. Acho que é preciso desapaixonar o debate. É preciso acabar com esse desconforto nas nossas relações. Entre nós e com os outros.

Enquanto jornalistas, a nossa agenda deve ser uma. A de servir o interesse público. E, penso que todos estamos alinhados nesse sentimento de que o mais importante é fazermos o nosso papel. E, bem feito. Os espaços vazios entre nós podem ser ocupados.

Comentários

Seja o primeiro a comentar esta notícia!

Comente

Faça login para introduzir o seu comentário.

Login

Entrevista