Reportagem

A longa trajectória histórica dos comboios

Ferraz Neto

Jornalista

No seu trajecto inicial, circulava pela Cidade Alta, Governo Provincial de Luanda (GPL), Hospital Militar Principal, Feira Popular de Luanda, Feira Internacional de Luanda (FILDA), Viana e Calumbo. Havia também a linha que se estendia do M'Bungo (Baixa de Luanda) até à Funda (Cacuaco).

18/10/2023  Última atualização 09H58
© Fotografia por: DR

A história dos comboios em Luanda começou a escrever-se a 31 de Outubro de 1888, com o então Caminho-de-Ferro de Ambaca, antecessor do Caminho-de-Ferro de Luanda. O primeiro troço de linha férrea foi de 50 quilómetros e ligava a estação de Luanda à estação da Funda. Dava-se, assim, no longínquo ano de 1888, o início da circulação ferroviária em Angola.

No século XIX, Luanda era uma pacata cidade com cerca de 15 mil habitantes, dos quais três mil eram europeus. Corria o ano de 1885 e o jornal "Futuro de Angola”, publicado simultaneamente em português e na língua nacional kimbundu, estampava na capa, em letras garrafais, o início da construção da linha férrea em Luanda.

Três anos mais tarde, isto é, em 1888, inaugurou-se o primeiro troço do Caminho-de-Ferro de Ambaca, cujo itinerário saía de Luanda até à povoação da Funda, actualmente município de Cacuaco, numa extensão de 45 quilómetros. A rede ferroviária expandiu-se depressa nos anos seguintes.

 A Estação Central do Caminho de Ferro de Ambaca foi instalada no M'Bungo, onde ainda hoje se encontra a sede do CFL. Na construção da linha férrea do M'Bungo à estação da Funda, reza a história, foi erguida uma ponte baptizada como Mãe Isabel, que actualmente separa a estação principal do M'Bungo ao Bairro da Boavista.

Do M'Bungo, o comboio seguia para a Estação da Maianga, cujo objectivo era servir os funcionários e moradores localizados na Cidade Alta. No percurso, em direcção à Estação da Maianga, as locomotivas atravessavam uma ponte próxima da barroca, onde foi erguido, anos mais tarde, o Colégio de São José do Cluny.


Director-geral e falso engenheiro

Alves dos Reis, então director do Caminho-de-Ferro de Ambaca, protagonizou um dos espectáculos memoráveis da história da companhia. Detentor de um "diploma falsificado”, que o habilitou como engenheiro de máquinas, conseguiu ser admitido para o cargo de director do Caminho-de-Ferro de Ambaca.

O notabilizado empreendedor, à época, decidiu realizar profundas reformas no Caminho-de-Ferro de Ambaca, cuja finalidade era a modernização, ampliação e substituição das locomotivas existentes por outras, de última geração, de modelo americano.

As mudanças operadas pelo "falso engenheiro" provocaram fortes contestações por parte dos funcionários ferroviários. Alguns entendidos na matéria discordavam da intenção do comboio fazer a travessia sobre a ponte, por esta estrutura não suportar o peso das locomotivas, sugestão prontamente rejeitada por Alves dos Reis.

No dia agendado para a inauguração, em jeito de protesto, os maquinistas da Companhia Ferroviária de Ambaca recusaram-se a trabalhar. Sustentando as reformas, o então director desafiou os funcionários e pós em prática os seus conhecimentos técnicos, assumindo a tarefa de maquinista.

Ao comando da locomotiva, em companhia da mulher e da filha, Alves dos Reis acelerou fundo e, em alta velocidade, atravessou a ponte sob olhar perplexo de centenas de subordinados e da população que se juntou ao acto inaugural.  O "falso engenheiro", surpreendentemente, deitou por terra as opiniões contrárias dos mais cépticos.

O cintilar dos trilhos dos comboios ganhou vida. Desde aquela data, os comboios ganharam dinâmica e novas perspectivas. Por volta de 1885 e 1886, são construídas as oficinas, localizadas em frente à Estação Central de Luanda, que serviram até 1918, fim da Primeira Guerra Mundial e mais tarde, em 1975, o Caminho-de-Ferro de Luanda.


Projecto da marinha e do ultramar

A história do nascimento do Caminho-de-Ferro de Luanda remonta a 5 de Agosto de 1873, quando o ministro português da Marinha e do Ultramar, João de Andrade, determinou que o Governo-Geral de Angola produzisse um projecto de viação pública para a colónia (província de Angola).

Em 1873, a 9 de Dezembro, foi publicado um Decreto que aprovava um contrato entre o governo colonial e o grupo de sócios que constituía a empresa e que iria dar andamento à "construção e exploração de uma linha férrea entre Luanda e Ambaca - Dondo”.

A 16 de Julho de 1885, decorridos 12 anos, foi publicada uma lei que autorizava o Governo a adjudicar a obra, procedendo à abertura do concurso, construção e exploração do Caminho-de-Ferro. Em Setembro de 1885, foi lavrado o contrato com Alexandre Peres, que foi obrigado a constituir uma sociedade.

Foi por via deste contrato que surgiu a Companhia Real do Caminho-de-Ferro de África, cujos estatutos foram lavrados a partir da cidade do Porto, Portugal. O local escolhido para o lançamento da pedra de construção foi o largo adjacente à Igreja Nossa Senhora da Nazaré, na zona da Mutamba.

A lápida ou placa, deste acto memorável do Caminho de Ferro de Luanda, pode ser vista na parte frontal do edifício sede da Estação do M'Bungo ou Bungo, como actualmente é chamado.  

Num acto que surpreendeu tudo e todos, o Diário do Governo divulgava, a 13 de Julho de 1918, o Decreto número 4600, que orientava a passagem do Caminho-de-Ferro de Ambaca para a gestão das autoridades coloniais portuguesas. Assim, nascia o Caminho-de-Ferro de Luanda.

A exploração de 504 quilómetros incluía Malanje e mais 31 km, do ramal do Golungo Alto (Cuanza-Norte), sendo o percurso entre o Km 5 e Catete, feito pelo Vale do Bengo. A rede ferroviária de Luanda expandiu-se, muito depressa nos anos posteriores. Criou-se a variante de 52 km, entre Zenza do Itombe e Luinha, em 1931.

No dia 28 de Maio de 1944, fez-se o corte da fita entre a vila do Dondo e a localidade de Cassoalala. Em 1900, o comboio chega à região do Lucala, província do CuanzaNorte, e, no ano de 1908, à cidade de Malanje.


Oficinas Gerais: o Coração

As Oficinas Gerais são consideradas, pelos funcionários do CFL, como o "coração” da empresa, por se tratar do centro e gestão dos equipamentos que integram os comboios. As velhas oficinas, que datavam do período da sua construção, em 1886-1888, situadas no perímetro da Estação Central de Luanda (M 'Bungo), foram desactivadas em 1957.

Por orientação do Ministério do Ultramar, celebrou-se um contrato com o inspector superior de Obras Públicas, engenheiro Vasco Ramalho, para a elaboração do Plano Oficial do Caminhos de Ferro do Estado, na província de Angola. Nascia assim, no dia 28 de Maio de 1957, as novas oficinas gerais, na Estação dos Musseques (Tunga Ngó).

É de lá que, todos os dias, as locomotivas do CFL são vistoriadas antes das actividades. As Oficinas Gerais do CFL estão compostas por 7 naves, divididas pelas sessões de carpintaria, fundição, central eléctrica e pequena mecânica. Compõem o parque técnico, os armazéns, telheiro de rodas, serviços técnicos e administrativos, vestiários, balneários, refeitórios e sanitários.


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