Opinião

África, vacinas e a Primavera

Adebayo Vunge

Jornalista

A semana fica marcada por uma notícia bastante animadora, embora pouco mediatizada vinda da sede da União Africana, em Adis-Abeba e de Joanesburgo uma vez que a organização anunciou a aquisição de 270 milhões de doses de vacinas contra a Covid-19, adquiridas junto dos grandes laboratórios – Pfizer, Johnson & Johnson e AstraZeneca.

18/01/2021  Última atualização 07H45
Segundo o Presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, que é também o presidente rotativo da organização, cerca de 50 milhões de doses serão já disponibilizadas a partir de Abril próximo. Esta iniciativa da organização multilateral panaficana conta com o financiamento do Banco Africano de Importações e Exportações, Afreximbank.

Esta notícia enche os nossos olhos pelo seu simbolismo. Por um lado, valoriza o trabalho da União Africana enquanto organização que deve trabalhar em prol da melhoria do bem-estar real dos africanos. Por outro lado, destaca o sentido de cooperação e de colaboração que deve existir entre os países africanos, tornando a organização uma verdadeira união cujos objectivos são trabalhados e verdadeiramente partilhados pelos seus membros.

Para além da iniciativa da Zona de Livre comércio, considero esta uma das frentes sobre a qual o papel da União pode passar a ser sentido e valorizado pelos próprios africanos, longe daquele sentido com que era então visto em largos sectores para os quais a organização não passava de um cartel em defesa do interesse dos Chefes de Estado.
Estamos já numa nova fase. Goste-se ou não, contribui de forma significativa para este novo olhar também o fenómeno político que ficou conhecido como Primavera Árabe e que sacudiu as lideranças africanas e despertou os próprios povos no sentido de valorizarem de forma mais efectiva o sentido de liberdade.

Como tenho dito, a democracia é um projecto em constante construção. Não é, não será uma obra acabada. E os recentes acontecimentos protagonizados pelos apoiantes de Trump é disso mesmo uma prova.
Mas se a liberdade é um bem fundamental, ela não pode ser o pretexto para a desestruturação como vimos suceder na Líbia pós-Kaddafi.

É claro que quando olhamos de forma retrospectiva sobre o que se passou há cerca de dez anos no Magreb e os efeitos sobre a geopolítica africana e mundial notamos que a sua fraca gestão fez precipitar os fenómenos de terrorismo em alguns países africanos sobretudo na região do Sahel, África ocidental e até no corno de África, sendo evidente para todos que o regime líbio funcionava como uma espécie de tampão a entrada de alguns destes grupos na sub-região e no continente de uma maneira geral.

Também as ondas de emigração tendo como ponto de destino a entrada para a Europa pelo mediterrâneo torna evidente que a sua gestão nem por isso foi bem conseguida – a visão de panafricanistas como Carlos Lopes e Achille Mbembe têm vindo a contrariar esta visão europeísta que dramatiza a vaga migratória africana no Mediterrâneo, discurso muito explorado pelos partidos de Direita e Extrema Direita advertindo para os números: África tem actualmente 33 milhões de africanos fora das suas fronteiras; desse número, cerca de três quartos encontram-se nos próprios países africanos e apenas um quarto está na Europa, Estados Unidos da América e até novas vagas na Ásia. Chamo, entretanto, atenção para que não se confunda os emigrantes com a diáspora africana; aqueles são uma ínfima parte desta.

Poderíamos ainda assinalar o recrudescimento, em associação as ondas de emigração, de fenómenos preocupantes de escravatura e trafego de seres humanos a partir especialmente da Líbia, fenómeno denunciado por muitas organizações não governamentais.
Mas também o que se passou, por exemplo em países como a Tunísia denota uma perspectiva diferente quanto aos resultados fazendo-nos perceber que pode ser possível a coabitação da democracia com todas as formas de manifestação cultural da região. O importante é que os Povos tenham a capacidade de encontrar um modelo de democracia que se coadune com a sua própria realidade histórica, política e cultural. Abraçar um sentido republicano, com um constitucionalismo que não dê espaços nem encapote a liberdade e o sentido de participação cívica dos cidadãos.

No fundo, os africanos precisam de fazer África acontecer. Precisam de melhorar a sua situação interna, mas acima de tudo incentivar a cooperação inter-regional abolindo todas as barreiras ao livre comércio e a livre circulação de pessoas, para que a nossa produção seja ela própria mais competitiva, mediante infra-estruturas básicas como estradas, pontes áreas, portos e até comboios de alta-velocidade. Este é um compromisso que deve absorver todos e onde a União Africana é chamada a desempenhar o papel de motor, deixando assim de ter um papel amorfo, como vínhamos assistindo.

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