Opinião

Até os engraxadores

Luciano Rocha

Jornalista

Os engraxadores, os de sapatos, alerta-se, para evitar confusões, também se queixam, nestes tempos de dificuldades crescentes, dos dias seguidos que passam de bolsos vazios, recorrendo à mão estendida para enganar a fome.

10/05/2021  Última atualização 08H28
Em tempos não muito distantes, em qualquer época do ano, uns mais, outros menos, ganhavam sempre, pelo menos, para a sandes, nem que fosse de "molho” e levavam, ainda, algum para casa. Ao contrário de agora, apesar das poeiras tantas, que provenientes das areias a cobrir o que resta do asfalto das ruas... "alcatroadas”, bem como dos montes e montinhos feitos de lama, que secam, voltam à primeira forma e assim sucessivamente enquanto esperam que lhes dêem outro destino. Todas estas e outras anomalias visíveis, a olho nu, na província, onde se situa a capital do país, têm de continuar a ser lembradas para... não caírem  no esquecimento. E não se peça paciência, que morreu cansada. O tempo permanece interdito ao paleio, em contrapartida aberto à acção, trabalho, competência. 

A situação dos engraxadores de sapatos, dizem eles, não se deve apenas aos salários  encolhidos da maioria dos clientes, alguns, até "de pagar no fim do mês”, nem a aumentos dos preços de tudo, inclusive do pão, mas à própria nojice do espaço público luandense, bastante antes das chuvas.
As tais poeiras tantas, os amontoados de terra trazida de barrocas, mais tudo o que as enxurradas arrastam, os ventos levantam e a incapacidade permite, faz com que os habituais clientes dos engraxadores de sapatos diminuam. Os que insistem em limpá-los correm o risco de não fazer mais nada.

As crises, sejam de que índole forem, são pagas, antes de ninguém, pelos que não as provocam. Os meninos que engraxam sapatos para poderem fintar a fome em vez de estar na escola são alguns deles. Tal como as meninas zungueiras e as que fingem ser mulheres para  sobreviverem.
Assim se criam hábitos que podem levar à ociosidade, ao desânimo, desinteresse e a tudo o que se dispensa numa vida humana.

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