Reportagem

Centenas de camiões cruzam todos os dias a fronteira carregados de diversas mercadorias

Jaquelino Figueiredo | Fronteira do Luvo

Jornalista

Porta de entrada e saída entre Angola e a República Democrática do Congo (RDC), o Posto Fronteiriço do Luvo, localizado na comuna com mesmo nome, a 60 quilómetros da cidade de Mbanza Kongo, na província do Zaire, é considerado o ponto de convergência sócio-económico e cultural de milhares de cidadãos da Comunidade de Desenvolvimento dos Países da África Austral (SADC), no quadro do comércio transfronteiriço.

19/08/2023  Última atualização 11H40
Garcia Mayatoko | Edições Novembro | Luvo © Fotografia por: Edições NovembRo

O fluxo das trocas comerciais entre os dois países, leva, diariamente, centenas de camiões carregados com mercadoria diversa a cruzarem  a fronteira.

Na fronteira do Luvo encontra-se, também, um grande mercado a céu aberto que junta, todos os fins-de-semana, vendedores, compradores e cidadãos em trânsito de muitos países da SADC para as trocas comerciais.

O camionista António Santiago, 68 anos, considera a fronteira do Luvo como sendo dos mais importantes que se encontra na parte litoral norte, tendo em conta a facilidade que apresenta para quem, faça sol ou faça chuva, rasga o tapete asfáltico para dinamizar a economia nacional.

"Venho da fronteira de Santa Clara, no Sul de Angola e vou para a RDC, concretamente para Kinshasa. Estou a levar feijão carregado neste atrelado de 40 pés. Este feijão vem da Tanzânia. Os homens da Zâmbia trazem para Santa Clara e nós recebemos e levamos para Kinshasa”, avançou.

No entender de António Santiago, para a dinamização das trocas comerciais entre os países do continente, os governos devem trabalhar em dois aspectos fundamentais: melhorar as estradas e a questão do reabastecimento dos camiões, no sentido de evitar demoras nas viagens.

"O tempo de viagem depende muito da condição do carro, porque nem sempre as coisas andam conforme queremos ou planificamos. Portanto, se não houver nada de avarias, em três dias saímos de Santa Clara para Luanda e, de Luanda para Mbanza Kongo em apenas um dia”, referiu.

Aponta o reabastecimento das viaturas como um dos principais impasses que encontram em Mbanza Kongo. "Há momentos em que não tem havido gasóleo em Mbanza Kongo. Assim demoramos mais um bocadinho. Por exemplo chegámos antes de ontem e apenas ontem é que conseguimos reabastecer e no fim do dia chegamos à fronteira. Neste momento, estamos na Administração Geral Tributária (AGT) do Luvo. Para o outro lado da fronteira, concretamente no Lufu (RDC), ainda hoje estaremos lá para, na segunda-feira, 14, partirmos para Kinshasa, por causa das alfândegas de lá, demora-se muito”, acrescentou.

Quanto à mercadoria, António Santiago não soube dizer à reportagem do Jornal de Angola os custos inerentes à transportação do produto, por ser uma responsabilidade dos despachantes oficiais.

"Eu não sei se é caro ou não, os que devem informar melhor sobre esse aspecto são os despachantes. Eu só sei o que pago aqui na imigração, onde cada pessoa paga três mil Kwanzas. O resto não consigo informar. Depois de pagarmos os três mil kwanzas, no lado da fronteira da RDC, já não pagamos mais nada, tudo fica entregue aos despachantes”, contou.

Negócio lucrativo

António Santiago, que há três anos transporta mercadoria diversa do Sul do país para a fronteira do Luvo, diz que o negócio é lucrativo. "Quanto ao trabalho que realizo, devo dizer que tem sido lucrativo. Daí permanecer há três anos a transportar diversas mercadorias provenientes de diversos países da SADC e vão para outros do centro e norte de África, passando pela RDC”, acrescentou.

Nelson António, 41 anos, 20 dos quais queimados na estrada, é outro camionista que cruza frequentemente o posto fronteiriço do Luvo. A nossa reportagem encontrou Nelson António junto a um camião atrelado de 40 pés carregado com toneladas de fuba de milho proveniente de Luanda.

"Venho de Luanda e o meu destino é mesmo aqui no Luvo, onde vou descarregar essa fuba de milho. Só sei que vai para a RDC, não sei em que região da RDC, apenas o despachante é que sabe. Eu daqui regresso para uma nova empreitada”, frisou.

 Nelson António considera o trabalho que faz como sendo de muito sacrifício, apesar de estar orgulhoso, por contribuir na dinamização das trocas comerciais entre os dois países. "O trabalho é de muito sacrifício. A "gente” continua nesse trabalho por não haver mais outro emprego. Mesmo assim, sinto-me orgulhoso em contribuir para o comércio transfronteiriço e dinamizar as trocas comerciais entre Angola e a RDC”, contou.

Infra-estruturas precisam de ser melhoradas

A falta de infra-estruturas aduaneiras à dimensão da importância do Posto Fronteiriço do Luvo tem sido bastante criticada por parte de cidadãos que cruzam a fronteira em direcção à RDC e vice-versa.

O empresário Manuel Quiosa considera o Posto fronteiriço do Luvo estratégico para o país, tendo em conta o seu posicionamento e as vantagens que traz para Angola, mas defende a construção de infra-estruturas adequadas à dimensão da sua importância.

"O mercado do Luvo traz vantagens pelo seu posicionamento, uma vez que liga Angola à RDC. Por cá passam centenas de camiões transportando mercadorias para abastecer a RDC, país muito populoso que, hoje, representa um grande centro de consumo”, frisou.

Apesar de Angola não dispor de infra-estruturas  aduaneiras ou interpostos, segundo aquele empresário, no capítulo organizacional, o país encontra-se melhor se comparado com a RDC, que construiu equipamentos necessários para as trocas comerciais entre os dois países.

"Quanto às infra-estruturas, do lado de Angola, deveriam ser melhores. Poderíamos ter no Luvo um Interposto aduaneiro ou logístico melhor. Olha para o lado da RDC, a nível de infra-estruturas, no momento está melhor do que do lado angolano. Mas, a nível organizacional, Angola ainda funciona melhor do que a RDC. Estou a falar, propriamente, das Alfândegas, ou da AGT. Do lado de Angola, o Governo deve, urgentemente, melhorar as condições das infra-estruturas. O Posto aduaneiro com infra-estruturas e equipamentos de fiscalização, Angola sairia muito a ganhar, até porque cidadãos da Namíbia, da África do Sul, do Botswana e outros países, para irem à RDC, passam por Angola, pelas nossas estradas e, atravessam as nossas fronteiras”, lembrou.

Má condução e o mau estado das estradas tornam a viagem sofrível

António Santiago considera o troço Luvo-Kinshasa como o que mais sofrimento causa aos camionistas angolanos, pelo facto dos congoleses não cumprirem as regras de trânsito. Diz que os congoleses conduzem mal e fazem ultrapassagens em zonas proibidas.

"O sofrimento maior é do Luvo para Kinshasa, porque aí nós saímos das alfândegas, por vezes às 17h00 ou 18h00, então temos de andar um bocadinho de noite, até atingirmos uns 100 quilómetros até chegar numa área chamada Lukala, onde se pode passar a noite. E no dia seguinte continuamos com a viagem. É um sofrimento, também, porque os irmãos da RDC têm uma condução um tanto quanto complicada. Conduzem um bocadinho mal, em qualquer sítio ou local, fazem ultrapassagem”, acrescentou.

O camionista Nelson António, que saiu de Luanda para a fronteira do Luvo, considerou a viagem de péssima, por causa do mau estado de alguns troços da Estrada Nacional 210, que liga o município do Nzeto ao Luvo, numa extensão de cerca de 300 quilómetros, passando pela cidade de Mbanza Kongo.

"A viagem foi muito péssima, a estrada está cheia de buracos. Há sítios com muitos buracos e há outros, também, mais ou menos, é mesmo um trajecto muito difícil. O troço que está muito mal é de Mbanza Kongo ao Luvo. Agora, de Mbanza Kongo ao Nzeto está razoável, há buracos, mas também zonas em que andamos bem. Só que é difícil andar mais de 10 quilómetros sem buracos”, lamentou.

Entende que o Governo devia criar uma empresa para velar pela manutenção das estradas nacionais, porque têm um papel fundamental para o crescimento e diversificação da economia do país.

"A minha mensagem ao Estado angolano consiste na melhoria das vias. Melhorem as estradas para que continuemos com o nosso trabalho, porque conforme estão, não dá. Partem os carros e, junto dos postos policiais, os agentes querem interpelar os carros, porque estão em mau estado técnico, enquanto que a estrada é que está péssima. Mas, apesar disso, não podemos parar”, disse.

De acordo com Nelson António, o mau estado das estradas nacionais tem sido aproveitado por pessoas de má fé para assaltarem os camiões carregados que circulam pelo país adentro, uma vez que o motorista não tem como acelerar, muito menos parar, porque pode ser vítima dos assaltantes.

"Acho que o Governo tinha que melhorar as estradas que estão em mau estado de conservação. Os buracos ao longo das estradas têm sido aproveitados por assaltantes. Andamos devagar e eles aproveitam saquear o que puderem. Isto acontece nas vias e nós apenas continuamos a marcha, porque se parar e descer, eles podem te matar. É isto que passamos no dia-a-dia nas estradas do país. O dono da mercadoria vai te mandar pagar, porque não tens como confirmar a situação vivida ao longo da viagem”, concluiu.

O papel do despachante oficial

Makibi Luemba é despachante oficial junto à fronteira do Luvo, instalado num contentor de 20 pés, onde todos os dias desempenha o papel de facilitador das trocas comerciais entre Angola e a República Democrática do Congo.

"Nós representamos a nossa empresa aqui no Luvo. O nosso trabalho decorre bem, apesar da dificuldade, resultante do mau estado das vias. O despachante pretende que o camião chegue no prazo de um ou dois dias, para que a mercadoria seja tramitada, uma vez que, o cliente está a espera noutro lado da fronteira. Mas, infelizmente, até três dias o carro não chega, porque a via não está boa”, lamentou.

Na sua óptica, o troço rodoviário que mais dor de cabeça provoca aos despachantes é o que sai do município do Nzeto ao Luvo, passando pela cidade de Mbanza Kongo, pelo que necessita de uma intervenção urgente.

"Está mesmo péssimo, como consequência, há vezes que leva-nos dois dias ou mais para termos a mercadoria junto a fronteira e despacharmos. Com a estrada em condições, o carro se sair de Luanda de manhã, até 16h00 chega à fronteira do Luvo”, frisou.

Lamenta que os despachantes têm sido alvos de penalizações, sempre que, no prazo de cinco dias, não conseguem movimentar os contentores do Porto de Luanda para a fronteira do Luvo e vice-versa.

"Nós somos multados quando o contentor sai do Porto de Luanda. A lei dá-nos um prazo de cinco dias para transportar a mercadoria até Luvo e, seguidamente, levar de volta os contentores para o Porto de Luanda. Mas quando neste prazo de cinco dias não conseguirmos fazê-lo, somos multados em 50 dólares/dia por contentor pelo Porto. Agora, imagine se tiveres 20 ou 50 contentores. É um prejuízo para os despachantes oficiais. Por isso pedimos ao Estado para fazer manutenção deste troço”, apelou.

Quanto à relação com a AGT, Makibi Luemba considera-a excelente, pelo facto de não existir complicação. No outro lado da fronteira, também não têm tido problemas, porque procuram actuar sempre nos marcos da lei.

"A nossa relação com as autoridades da RDC é excelente. Conseguimos interagir e as nossas mercadorias saem ou entram sem complicações. O mais importante para as autoridades congolesas é a documentação que deve estar em conformidade com as normas”, frisou Makibi Luemba.

A questão da energia eléctrica na fronteira do Luvo, segundo Makibi Luemba, tem sido, também, um problema para o normal funcionamento das instituições que concorrem no processo das trocas comerciais.

"Entre as dificuldades que afectam o nosso trabalho, destaco a falta de energia eléctrica da rede que tarda em chegar na fronteira, porque vezes há que, durante o trabalho, a energia é desligada, o que complica o nosso trabalho e contribuir para as multas aplicadas, quando atrasarmos na devolução dos contentores ao Porto de Luanda. Mas a colocação dos postes de transporte que já chegaram até a fronteira, representa um bom sinal”, referiu Makibi Luemba.

  Produção nacional chega a Kinshasa

Bubo Malato Josefina, 39 anos, comerciante, considera o Posto fronteiriço do Luvo, como uma das portas abertas entre Angola e a RDC com um potencial muito grande para dinamizar as trocas comerciais entre os dois países.

"Eu venho de Luanda, mas o tomate veio de Benguela. Neste momento estou aqui na fronteira do Luvo em direcção a Kinshasa. De Luanda para Kinshasa fazemos três dias, ou seja, esta carrinha trouxe o produto de Luanda até Luvo. Aqui descarregamos e atravessamos para o outro lado da fronteira. No lado da RDC, onde vamos desalfandegar e carregar num outro carro e seguirmos viagem até Kinshasa”, avançou.

Diz que apesar das autoridades aduaneiras da RDC não facilitarem as trocas comerciais, considera o Posto fronteiriço do Luvo, como importantíssimo para o desenvolvimento das economias dos dois países, devido à sua localização geográfica.

"Desalfandegar aqui em Angola não é caro, mas do lado da RDC é muito caro e burocrático. Então, com as taxas acessíveis aplicadas pela Administração Geral Tributária (AGT) no Luvo (Angola), compensa, daí continuarmos a movimentar as mercadorias entre os dois países”, sublinhou.

Bubo Josefina acrescentou que, apesar do tomate ser uma mercadoria perecível, diz não constituir problema, na medida em que, junto da AGT não se demora, a única complicação tem sido do lado das autoridades alfandegárias da RDC, porque têm tantos departamentos por onde somos obrigados a passar.

"Trazer tomate não constitui problema. A única dificuldade reside do lado da RDC, onde se demora mais tempo para desalfandegar a mercadoria. Ao passo que, aqui em Angola as coisas são fáceis, por exemplo, se chegas às 9h00 e dá entrada a papelada junto da AGT, até às 10h00 estás despachado. Mas, do lado do Congo, você atravessa a fronteira às 12h00, é despachada, apenas, por volta das 17h00, situação que leva-nos a passar noite, com esta situação o produto pode deteriorar-se”, frisou.

A comerciante Bubo Malata Josefina informou que, depois de comercializar o tomate na cidade de Kinshasa, regressa com as caixas vazias, no sentido de ganhar tempo para buscar outro carregamento.

"De lá eu não trago nada, apesar de haver negócio. Isto depende de cada um. Eu regresso com as minhas caixas vazias. Os outros trazem negócio diverso da RDC para Angola, porque as autoridades da RDC são muito complicadas. Em Angola está bom para o negócio, contrariamente do lado da RDC, a Alfândega de lá complica muito”, queixou-se.

Entende que as autoridades aduaneiras da RDC deviam ter em consideração a natureza de cada mercadoria, evitando que os comerciantes e empresários tenham prejuízos.

"Por exemplo, um produto como o tomate não demora para se deteriorar. Então, eles deveriam, também, facilitar. Se do lado de Angola fazemos uma hora para ser despachada, lá também, as autoridades da RDC deveriam agilizar e não fazermos cinco ou mais horas. Vezes há que até dormimos. É complicado. Uma amiga trouxe beringela, passou na AGT, mas lá no lado da RDC prenderam a mercadoria e estragou-se”, acrescentou.

Conta ainda que as complicações  do lado das autoridades congolesas consiste num conjunto de serviços cobrados durante o processo de desalfandegamento de mercadorias. "Ela pagou. O problema é que lá há muitos serviços. Há um conjunto de departamentos onde o comerciante ou empresário é obrigado a entrar. A minha amiga pagou apenas alguns serviços, os outros não, então, a mercadoria (beringela) de mais de dois milhões de Kwanzas ficou retida durante duas semanas e deteriorou-se”, lamentou.

  Angola pode atingir outros mercados da região a partir da RDC

O especialista em geopolítica internacional Ramos Toco Lona afirma que Angola deve procurar tirar vantagem da densidade populacional que a RDC tem, estimada em mais de 95 milhões de pessoas, para dinamizar as trocas comerciais entre os dois países. "Economicamente, é um mercado extremamente importante para os produtos que são produzidos em Angola e na região da SADC”, disse.

Ramos Toco Lona, também professor de Economia, acredita que Angola, ao entrar para o mercado congolês, tiraria vantagem económica, porque para além do grande consumo que a RDC representa, serviria, igualmente, para atingir outros países do norte do continente.

"Entrando para esse grande mercado é uma vantagem económica, não só para os produtos que são consumidos na RDC, mas estes podem, também, continuar a circular ou chegar até a países como Rwanda, Burundi, Uganda e outros que fazem fronteira com o Congo Kinshasa. Então seria, também, uma oportunidade para os demais países da SADC receberem os produtos produzidos na RDC. Então, a fronteira vai facilitar e servir como uma porta de entrada e dinamizar as economias dos países da SADC”, sublinhou.

Para Ramos Toco Lona, o Luvo tem uma grande importância enquanto Posto fronteiriço, na medida em que, em termos de controlo de imigração, desempenha um papel preponderante no processo de entrada e saída de pessoas. Por isso, sendo uma passagem oficial, o Governo angolano poderia utilizá-la para melhor controlar o fluxo migratório que ali acontece.

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