Entrevista

Cinco milhões de dólares é o valor necessário para competir no Girabola

Cinco milhões de dólares por época é o valor necessário para o Atlético Petróleos do Namibe voltar a competir no campeonato nacional da primeira divisão, vulgo Girabola. Despromovido em 2018, o clube, que já ganhou a Taça de Angola em futebol, vive uma crise financeira, por falta de patrocínios. Nesta entrevista exclusiva ao Jornal de Angola, o presidente de direcção, Gervásio Capenda, lamenta o facto de até agora a Agência Nacional de Petróleo e Gás(ANPG) não ter cumprido a orientação do ministro do sector para que seja retomado o patrocínio aos clubes que eram apoiados pela Sonangol. Não obstante a crise, Gervásio Capenda garante aos adeptos que “o Atlético do Namibe não está morto”.

23/04/2023  Última atualização 07H25
Presidente de direcção do Atlético do Namibe © Fotografia por: Edições Novembro

Qual é a situação actual do Atlético Petróleos do Namibe?

Este Clube está com problemas sérios de finanças. Desde 2019 que o patrocínio que nos era dado pela operadora Chevron deixou de existir. Diante deste quadro em que o patrocínio deixou de existir, um clube como o Atlético, composto por infra-estruturas, elementos administrativos, meios rolantes, fica difícil a sua gestão. Vamos fazendo aquilo que podemos de acordo com as nossas possibilidades para que não tenhamos as portas fechadas e sempre a apelar aos amantes do desporto que conhecem a vida do Atlético local nos batam à porta, nos contactem. E nós estamos de braços abertos para dialogar e vermos quais os caminhos a trilhar, para ver se conseguimos minimizar as dificuldades que o clube vive. Em linhas gerais, são estas as dificuldades que o Atlético enfrenta. Vive problemas financeiros.

 

Quantas modalidades se encontram no activo?

Temos o andebol, hóquei, futebol até aos juniores. No nosso caso, estamos a disputar o futebol no escalão sub-17. São essas modalidades que estão no activo. As outras modalidades como requerem um maior investimento, como é o caso do voleibol, descartamos. Ainda assim, gostaria de dizer que as modalidades que estão no activo vão praticando algumas actividades por amor à camisola. Não têm tido aquele suporte financeiro, aquele salário que atribuíamos aos atletas, equipa técnica, enfim. Tem sido esse o nosso dia-a-dia.

 

E como o clube suporta as despesas dessas modalidades?

Temos suportado com o apoio das associações provinciais. São as associações provinciais que programam as actividades. Mas nem tudo é suportado pelas associações  provinciais. Outras actividades são suportadas por nós, os dirigentes. Temos o nosso salão que nos ajuda com algumas festas e com a arrecadação de algumas receitas. Parte deste valor temos alocado também para esse efeito.

 

Qual é a posição do Governo da província a este respeito?      

Nunca o contactámos, porque também tem as suas dificuldades. O pedido que fazemos ao Governo é que apoie o desporto a nível da província. O apoio do Governo local ao desporto, de uma forma geral, seria repartir um pouco o fundo social para todos os clubes. Mas sabemos que este fundo social não tem sido atribuído ao desporto, daí que pouco ou nada temos a dizer sobre o apoio (financeiro) do Governo. Temos tido o apoio moral. O Governo, nesse aspecto, tem nos apoiado, como por exemplo, em termos de utilização do Arena ou Pavilhão Multiuso Welwitschia Mirabilis, ou ainda em relação à deslocação de alguns atletas para Luanda para algumas competições, também temos tido esse apoio. Mais do que isso, seria pedir aquilo que sabemos que o Governo também não tem.

 

Ainda existe o pensamento do renascimento do Atlético do Namibe na vertente do futebol sénior?

Bom, essa ideia do renascimento do futebol sénior do Atlético Petróleos do Namibe depende muito dos apoios. Tivemos um encontro, em Luanda, em 2022, dia 24 de Novembro, com o ministro dos Recursos Minerais, Petróleo e Gás, que orientou a Agência Nacional de Petróleos e Gás (ANPG) a convocar as operadoras que no passado patrocinavam os clubes como o Atlético Petróleos do Namibe, Petro do Huambo, Académica do Soyo, Benfica do Lubango, Sporting de Cabinda e talvez um outro clube de que já não me lembro. Foi orientado que a Agência contactasse as operadoras a fim de  retomarem o patrocínio. Foi orientado que a Agência criasse as condições para que esse patrocínio fosse dado e houvesse garantias de uma boa prestação de contas.Infelizmente, desde Novembro até ao momento, não temos qualquer resposta da ANPG quanto ao cumprimento da orientação do ministro. Isso nos preocupa bastante.

 

Ainda assim mantêm a esperança?

Se nos derem o patrocínio, os valores não serão tão elevados assim, conforme as pessoas podem pensar. Os valores serão exíguos. Os últimos patrocínios que recebíamos da Chevron rondavam em um milhão de dólares por época. Com um milhão de dólares por época não se pode aventurar em colocar uma equipa de futebol na primeira divisão, seria um risco, um sacrifício, porque um milhão de dólares não suporta as despesas com o Girabola.

Se vos fosse dado esse montante (um milhão de dólares), o que fariam?

Se nos dessem o patrocínio até a este valor, iriamos rever as nossas prioridades e trabalharíamos na massificação. Pegar na juventude, na garotada e fazermos aquilo que nos é exigido: que essas crianças não sigam a delinquência, mas estejam ocupadas com actividades sociais e o desporto. Este é o pensamento.

 

E qual é o montante necessário para a reactivação do futebol sénior?

O valor suficiente para participarmos do campeonato sénior masculino de futebol seria, em média, cinco milhões de dólares por cada época. Além desse valor, teríamos que ter condições para a prática desportiva, nomeadamente um estádio de futebol em condições, com campo, ainda que não seja relvado, mas um bom pelado, o que não temos aqui no Namibe. Portanto, estamos diante de um condicionalismo bastante importante que se chama campo de futebol. Sem este campo de futebol com relva, com bancadas, com segurança(vedação), não teremos o futebol sénior. Teríamos que transferir os nossos jogos para a Huíla, o que não é o mais desejável para a província do Namibe.

 

E quanto ao Estádio Joaquim Morais?

Em relação ao Joaquim Morais, pouco temos a dizer, porque é um estádio que não pertence a nenhum dos clubes da província. É um estádio que está sob tutela do município sede de Moçâmedes. Num passado recente, foram criadas comissões, com o objectivo de recuperá-lo, mas, nada disso surtiu efeito. Por que razão, só a administração municipal poderá responder, na qualidade de responsável do referido campo de futebol.

 

 Qual o actual corpo directivo do Clube e quantos funcionários tem?

O corpo directivo é aquele resultante das eleições de 2019, onde temos a assembleia-geral, os membros de direcção e depois o conselho fiscal e o conselho de disciplina. O corpo de direcção, que são aqueles que executam, é composto pelo presidente, três vice-presidentes sendo um para a administração e finanças, um para o futebol e outro para outras modalidades, e um director-geral. Não temos funcionários, porque depois que cessou o patrocínio, tivemos que cancelar os contratos com todos. Os que vão aparecendo são aqueles funcionários que trabalham em "partime” ou na condição de eventual e recebem algum subsídio. Não há nenhum vínculo contratual com esses funcionários.  

 

Além das modalidades existentes quais as outras prioritárias? Existe alguma ideia para a inscrição de novos atletas?

Neste momento de crise, para não termos as portas fechadas, vamos praticando aquelas que dão alguma visibilidade. No caso, estamos a praticar o andebol, o futebol(sub-17) e o hóquei assim como o atletismo. Só para realçar, o Clube completou, a 25 de Fevereiro, 43 anos de existência. Desta vez não realizámos qualquer actividade em alusão à data, por falta de verba. Num ambiente como este, nos sentimos mal. Mas para um clube que está com falta de recursos, aguardamos sempre por dias melhores. Se este ano não comemoramos, talvez o próximo comemoremos de outra maneira. Este é o nosso desejo, por isso estamos a lutar para termos a retoma do patrocínio.

 

Não está nos planos inscreverem atletas seniores?

A camada sénior é mais exigente, requer contratos e mais condições, porque eles já são profissionais. Não vamos nos arriscar em fazer o pronunciamento do número de inscrições ou o limite. Não, não faremos isso. Vai depender da estratégia e de um plano de prioridades. Quando nos derem os valores, aí vamos saber se vamos inscrever seniores para o futebol, para o andebol, voleibol, hóquei em patins, atletismo, etc. Os seniores abrangem todas essas modalidades e não somente o futebol. Teremos que definir quais os escalões que teremos até mais ou menos os juniores, porque queremos apostar na massificação. Se as condições melhorarem, vamos ver se eliminamos algumas modalidades e ficarmos com aquelas que dão mais visibilidade, como o futebol. Aí sim, podemos alocar o dinheiro que seria para a modalidade extinta, para o futebol. Quando chegar essa ocasião, há normas de inscrição. Para uma equipa sénior de futebol, no mínimo, teria por aí trinta atletas. Mais do que isso, já iria requerer muitas despesas.

 

Quer dizer que o ressurgimento da equipa principal de futebol não é para já?  

Não. Não é para agora. Mesmo que nos derem o dinheiro, o surgimento de uma equipa sénior passa primeiro pela formação. É da formação onde vamos fazer o crescimento para apurarmos aqueles que, pela sua idade e habilidade, estiverem em condições de partir para o escalão sénior. No entanto, não será assim repentino tão logo que nos derem o dinheiro e colocar uma equipa sénior, porque a província não dispõe de equipas seniores de futebol. A província dispõe de juniores. Quando fazemos os nossos campeonatos ou seja, quando participamos nos campeonatos programados pela associação provincial, chamam-se campeonatos unificados, onde temos os sub-15, sub-17, enfim.

 

Falou também da falta de um estádio em condições…

Sim. Referi que há um "handcup” que é o estádio. Temos estado a jogar num campo pelado, o que não é aconselhável. Não é aconselhável estarmos no Girabola e mandar vir, por exemplo, o Petro de Luanda e jogar no pelado. Iam logo nos penalizar. As equipas não viriam para cá e teríamos de transferir os nossos jogos para a Huíla. E assim, não estaríamos a fazer nada, seria mais despesas com a equipa, a estadia, a transportação... Isso iria sobrecarregar o pouco valor que nos fosse atribuído. 

 

Como tem sido a mobilidade dos técnicos e atletas, pois falou em falta de meios de transporte?

Para minimizar a mobilidade, uma vez não dispormos de meios de transporte, o pessoal técnico tem às vezes sido apoiado por viaturas particulares dos vice-presidentes, já que estão comprometidos com a função e nenhum deles quer ficar mal na fita. Portanto, quando possível, usam os seus meios. E quando não, os atletas são sacrificados a andarem a pé. Como temos todos os campos no centro da cidade, isso facilita. Sempre aparece um conhecido a dar-lhes algum apoio. Tem sido esse o nosso dia-a-dia.

 

O que tem dizer em particular aos adeptos e à comunidade namibense?

O Atlético do Namibe não está morto. Está a passar por uma crise. A esperança do renascimento do futebol sénior masculino ou do fim dessa crise passa pelo apoio, não só da operadora que a Agência vier a indicar, mas também por apoios do Governo local no que tange aos meios para a prática desportiva. Passará também por apoios, caso haja patrocínios de empresas que operam no Namibe. Isto é que fará com que o Atlético do Namibe volte. Temos esperança que isto um dia há-de acontecer. Queremos na província aquele clube que sempre soube dignificar o desporto. Reconhecemos que sem meios e sem recursos não é possível alavancar actividade desportiva. Como há uma luz no "fundo do túnel”, fruto da orientação do ministro (dos Recursos Minerais, Petróleo e Gás), fruto dos contactos que temos vindo a fazer – o último feito no dia 2 deste mês com os deputados pelo círculo provincial do Namibe – se tudo correr bem, pensamos que embora não fazendo um desporto à escala do passado, mas, estaremos aqui para massificarmos. Essa é a esperança que queremos transmitir aos amantes da modalidade.

 

O que é que os deputados disseram quanto aos apoios?

Os senhores deputados receberam-nos muito bem e a garantia que nos deixaram é de que iriam fazer o seu papel de apelar tanto ao Ministério dos Recursos Minerais, Petróleo e Gás como junto do Governo local, a possibilidade de apoiar os clubes da província sem excepção, com particular realce para o Atlético do Namibe.

 

 Alguma vez fizeram um apelo à classe empresarial para patrocínios?  

A classe empresarial local vive dificuldades. Qualquer patrocínio que eles queiram dar, tem que haver uma contrapartida, que passa pela publicidade. Foi criada a Lei do Mecenato, que não está em prática. Faltam alguns esclarecimentos à classe empresarial, para ver como é que eles podem beneficiar-se do retorno dos valores que podem dar aos clubes. Daí que os clubes e as empresas locais não consigam dar passos, tem que haver uma explicação mais ampla por parte das Finanças em relação à Lei do Mecenato. Só depois dessa explicação e um bom entendimento, aí sim, teremos uma reacção dos empresários. Fora disso, é quase impossível nos apoiarem.

 

Qual é a sua última mensagem?

É para esclarecer que ainda não temos patrocínio, como se vem falando nas redes sociais. Há sim uma orientação do ministro dos Recursos Minerais, Petróleo e Gás à Agência Nacional de Petróleos e Gás para contactar as operadoras e estas por sua vez retomarem os patrocínios. Enquanto isso não acontece, não se pode estar a dizer que os clubes já estão a ser patrocinados. Ainda não. Há uma correria de cidadãos a especular que o clube já está a ter patrocínio e que agora o mesmo vai participar do escalão mais alto do futebol, como se estivesse tudo consumado. A actual direcção do Atlético está a trabalhar em coordenação com as demais agremiações desportivas que outrora eram patrocinadas pela Sonangol, no sentido de a orientação do ministro ser cumprida. Este é o apelo que faço, para que não haja especulações de que já há dinheiro.

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