Sociedade

Cultura de poupar vai além das épocas de vacas magras

A poupança, infelizmente, é encarada pela maioria das pessoas como algo ligado ao surreal e até ao místico ou, se quisermos exotérico, devido às dificuldades em possuir o básico para a satisfação das necessidades mais elementares, como comer, beber e vestir-se.

04/11/2018  Última atualização 10H11
Edições Novembro © Fotografia por: Poupança necessária e positiva deve ser vista como um investimento para actos imprevistos

Esse é um assunto muito usado pelos autores de livros de auto-ajuda, baseados, sobretudo, em histórias de superação financeira dos próprios, em que procuram justificar de alguma forma uma notória avareza com as situações de miséria enfrentadas no passado.
É bem verdade que, ao falarem de poupança, muitos apontam para o outro lado, ou seja, para a necessidade dela ser vista como um investimento, mas existem situações em que os “conselhos” dados soam a práticas ilegais, como a especulação e o agiotismo.
A necessidade de poupar é apresentada como uma conduta de puro individualismo, enquanto à partilha e à solidariedade se fazem opor uma suposta e sempre presente ganância alheia.
Para muitos desses autores, não importa serem chamados vendilhões, até porque hoje em dia a exploração financeira faz-se em toda a parte e não apenas nos templos.
Por isso, não é com muita estranheza que vemos o 31 de Outubro, Dia Mundial da Poupança, surgido em 1924, durante o primeiro Congresso Internacional de Economia em Milão (Itália), com o intuito de alertar os consumidores para a necessidade de disciplinar gastos e de amealhar alguma liquidez, de forma a evitar situações de sobre endividamento, ser assinalado na mesma data que o Dia da Formação Financeira, uma iniciativa do Conselho Nacional de Supervisores Financeiros e dos parceiros do Plano Nacional de Formação Financeira, que se realiza em Portugal desde 2012.
A poupança, necessária e positiva, que deve ser vista como um investimento ou, pelo menos, como asseguramento para se enfrentar situações adversas imprevistas e, em última instância, para permitir-nos desfrutar mais tarde na idade do que fomos ganhando ao longo da vida fruto do nosso trabalho, é muitas vezes confundida com avareza.
Todo aquele que se predispõe a ajudar o próximo acaba por ser visto como um “mãos largas”, logo, à mercê dos aproveitadores.
É necessário ver-se que ao ser criada  a data, o Mundo, e a Europa, em particular, encontra-se no rescaldo da I Guerra Mundial, em que muitas famílias haviam perdido tudo o que tinham e era preciso restaurar a confiança nas instituições financeiras.
Além de serem uma forma de assegurar uma vida e um futuro melhor em termos individuais, os depósitos bancários trazem benefícios em termos de  desenvolvimento e crescimento da economia global. O dinheiro guardado no garrafão ou debaixo do colchão é apenas uma massa monetária parada, sujeita a ser perdida em virtude de algum acidente doméstico ou de alguma quebra nas finanças do país e do mundo, e não um capital que, investido de forma correcta, pode trazer de volta benefícios para quem o possui.
Em Angola, por causa da instabilidade reinante ao longo de muitos anos, a população trabalhadora perdeu quase por completo o hábito de poupar, facto que não está alheio à cultura de esbanjamento e ostentação seguida por alguns privilegiados.
Como nos disse alguém numa conversa a propósito deste tema, não é apenas o pobre que não poupa porque não consegue fazê-lo; também o mais abastado gasta pelo simples gosto de gastar, por sentir necessidade de se vangloriar dos recursos financeiros de que dispõe, muitas vezes resultado de práticas lesivas ao património da colectividade. Por outro lado, poupar é visto simplesmente como o acto de não gastar dinheiro, esquecendo-nos que a poupança deve ser vista de forma mais alargada.
Ao falarmos de poupança devemos incluir outras formas de combater o esbanjamento, todas elas prejudiciais à sociedade, como a necessidade de poupar água, electricidade, de se poupar na cozinha, no supermercado, nos combustíveis e até nos telemóveis.
Poupar deve deixar de ser visto apenas como um acto ou comportamento individual, pode rapidamente tornar-se em algo prejudicial aos interesses de terceiros ou de nós mesmos, quando se trata de bens públicos.
Até agora, as poucas iniciativas levadas a cabo no sentido de se incentivar a poupança têm como denominador comum a palavra crise, como se as pessoas devessem controlar os gastos apenas quando vêem limitados os seus recursos financeiros. Poupar é muito mais do que simplesmente apertar o cinto. A cultura da poupança vai além das épocas de vacas magras.