Opinião

Ainda vão ter de nos aturar!

Este mês foi de loucos. Mexeram na nossa conta-ordenado, deram-nos uma tremenda palmada, que nos fez parar no tempo: obras paralisadas, gerador sem combustível, galinhas sem ração, pintaínhos a morrer à fome, arcas e geleiras a “sorrir”; a certa altura, nem dinheiro para os cigarros tínhamos. Valeu-nos o velho hábito de ter lataria na dispensa. Ainda assim, nos últimos dias, tivemos de nos socorrer de uma qualquer costela italiana, até então desconhecida, para tragarmos esparguete com molho de tomate, de modo a driblar a fome. Emagrecemos nós e o nosso cão também, coitado.

28/08/2019  Última atualização 07H14

Feitos investigadores, chegámos à origem do problema: um jovem a quem sempre tratámos com respeito e consideração, emprestávamos livros, dissertávamos sobre palavras aparentemente difíceis, recebíamos em nossa casa e até oferecíamos lanche. Dele, até acatamos conselhos, como o de caminharmos todos os dias para dar força às pernas, atrofiadas pelo AVC. No rapaz, vimos alguém com algum potencial, confiámos ao ponto de entregarmos o cartão multicaixa para ir ao armazém da esquina comprar um volume de cigarros. Mas, era tudo conversa para boi dormir e caímos no conto do vigário e agora, se o arrependimento matasse, já tínhamos batido as botas.
A depressão, doença do século, tomou conta de nós. Tal foi o tamanho da defraudação, que passámos a ver sombras em tudo, nem ao casamento do nosso filho fomos, com receio, talvez, de parecer uma mosca num floco de neve. Mas, a falta de vergonha tomou conta das pessoas, ao ponto de manterem a mentira mesmo que, quando desvendada toda a verdade, tentássemos cobrir a cabeça, desnudando os pés.
Mais grave foi termos descoberto que algo mais que o dinheiro esteve em jogo. Pelo que nos foi dito, todas as tentativas de aproximação, incluindo os pedidos de livros emprestados, não passaram de camuflagem, de manobras para ver o que havia e quem e quando estava em casa, para nos poderem “agir”, daí esperando-se todo e qualquer desfecho.
O caso está já entregue às autoridades, de quem se espera todo o empenho no sentido de que seja apurada a verdade. Doa a quem doer. Por SMS, tal elemento, que prometeu retribuir o dinheiro furtado, rogou-nos que não queria ir para a cadeia porque não desejava ser o responsável pelo falecimento dos pais, ambos hipertensos. Perguntámos: e nós, a quem um AVC quase levou, que estamos sujeitos a uma nova recaída que nos mate de vez ou nos deixe arrumados para sempre, a vegetar pelos cantos?!
Agora, neste país, vai-se ao bolso de outrem e, devolvendo os valores furtados, passasse uma borracha por cima e fica tudo bem? A “marimbondagem” chegou às ruas a ponto de também os progenitores serem doentes? “Não posso ir preso porque não quero ser o reponsável pela morte dos meus pais”?! E os outros não são filhos, pais, netos ou avós de alguém?
Em algum momento, as pessoas pensaram que, agindo dessa forma, estariam a levantar suspeitas sobre todos os jovens, incluindo aqueles que, de facto, estão interessados em aprender? A criminalidade cresce, o engenho delituoso aumenta o apetite e apura o modus operandi. As armas de fogo estão nas ruas e a bandidagem dispara a torto e a direito. A pergunta que não quer calar é sobre quem fornece as munições.
Trabalhamos desde os 16 anos de idade, nós, os filhos da peixeira, aqueles que aprenderam a ver na lambula o caminho para a vida, que respondemos a quem nos faz mal com a mesma vontade e determinação: ainda vão ter de nos aturar!