Entrevista

“Queremos que se valorize mais o que produzimos internamente”

Luanda acolhe, entre quinta-feira e domingo, em simultâneo, o 1º Congresso Internacional sobre Hotelaria e Turismo e uma exposição de materiais que suportem as unidades hoteleiras.

21/09/2019  Última atualização 15H57
Maria Augusta | Edições Novembro

O que é que a Associação de Hotéis e Resorts de Angola (AHRA) pretende com o congresso e a exposição que vai realizar entre os dias 26 e 29 deste mês?

Como sabe, o Executivo, ciente da importância da indústria hoteleira e turística para o desenvolvimento e diversificação da economia do país, aprovou as grandes linhas que estabelecem metas concretas que devem ser alcançadas no curto e médio prazos, para captar receitas, aumentando a contribuição do sector no Produto Interno Bruto (PIB); formação de quadros na área de hotelaria e turismo, dotar os profissionais do sector de valências técnicas indispensáveis ao bom desempenho na prestação de serviços de qualidade aos turistas; massificar o turismo interno, desenvolvendo campanhas promocionais, que despertem o interesse de os angolanos disfrutarem dos recursos e belezas naturais que o país oferece. Além disso, estão também previstas acções de marketing, promoção além-fronteiras, através da exibição das potencialidades e recursos turísticos de Angola, garantindo a participação dos “players” nacionais nas feiras anuais organizadas por outros países.

Mas como é que surge esta ideia e oportunidade de realizar estas duas actividades?

Enquanto parceira do Estado e do Ministério do Turismo em particular, a Associação de Hotéis e Resorts de Angola, inseriu no seu plano de trabalho, acções concretas que vão permitir aos associados terem ganhos acrescidos na sua actividade empresarial. É neste sentido que foi elaborado e assinado um Memorando de Entendimento entre o Ministério do Turismo e a AHRA, que estabelece claramente as responsabilidades das partes no âmbito da materialização do Programa de Desenvolvimento do Turismo em Angola. Na cláusula nº 6 deste Memorando enuncia-se, expressamente no seu ponto 1, “que no âmbito da promoção do turismo, a Associação de Hotéis e Resorts de Angola, concederá apoio institucional às iniciativas da AHRA, que propõe organizar um Congresso a nível nacional e a Expohotel com carácter internacional, em simultâneo”.

Qual é o propósito que a AHRA pretende atingir com estes dois eventos?

Queremos partilhar com os empresários do sector experiências de outros países, particularmente os referenciados em África, como tendo alcançado conquistas assinaláveis na área da hotelaria e turismo, mesmo sem possuírem suficientes recursos económicos e potencialidades naturais. Queremos obter experiências dos países participantes sobre os avanços por eles atingidos no domínio da formação e capacitação de quadros do sector, como factor catalisador de serviços de qualidade no domínio hoteleiro. Além disso, vamos realizar um debate transversal, que inclua a demonstração de experiências de outros países, de forma a levar Angola a desenvolver uma indústria hoteleira forte e capaz de suportar as exigências do turismo.

E a exposição? O que pretendem mostrar?

Queremos identificar, através da Expohotel, o potencial industrial existente no país em relação à produção de materiais que suportem as unidades hoteleiras, em todas as suas dimensões e necessidades. Além disso, a nossa perspectiva é desencadear um amplo debate sobre a problemática de preços praticados nas unidades hoteleiras em Angola, focalizando também a experiência de outros países participantes. Vamos juntos identificar os constrangimentos que as unidades hoteleiras enfrentam na sua estrutura de custos, fortemente influenciada por factores alheios aos empresários, avaliar a necessidade da criação de infra-estruturas nos polos turísticos demarcados em Angola, com realce ao Polo de Cabo Ledo, no âmbito do investimento e parceria público-privada, por considerar prioridade e adoptar instrumentos concretos para que os associados da AHRA cumpram rigorosamente as normas de Higiene e Segurança Alimentar, através da implementação do sistema internacional de HACCP (Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controlo). Queremos também incentivar os “players” do sector a investirem muito mais na construção de infra-estruturas hoteleiras e turísticas, com particular realce ao surgimento de novas unidades hoteleiras em províncias consideradas estratégicas para o crescimento do turismo em Angola.

Quem são os participantes aos debates e à Expohotel?

No caso do Congresso, participarão proprietários e gestores de hotéis e estabelecimentos similares de alojamento, membros do Executivo, instituições do Estado e todos aqueles que, directa ou indirectamente, participam no esforço do desenvolvimento da hotelaria e turismo em Angola. Posso assegurar que teremos um debate franco e aberto, em que a classe hoteleira incluindo os restaurantes, farão um diagnóstico profundo do nível de qualidade dos serviços e dos preços que oferecem aos seus clientes. A ideia é prepararmos a rede hoteleira nacional a corresponder ao momento actual com as exigências que o turismo de massas nos impõe.
Na Expohotel participarão, a nosso convite todas as indústrias nacionais, empresas de prestação de serviços e todas aquelas interessadas que, de uma maneira ou de outra, produzem bens e serviços que são indispensáveis aos hotéis, resorts e restaurantes deAngola. Refiro-me particularmente àquelas que no país fabricam pratos, talheres, copos, lençóis, toalhas, hortícolas, programas informáticos, artesãos e artistas plásticos etc. Será uma oportunidade soberana para que todas as empresas interessadas possam aproveitar o momento para estabelecerem contratos de fornecimento e parcerias, de modo a que no futuro se valorize mais o que produzimos internamente e deixemos de olhar para aquilo que vem de fora. Até porque, o país, no momento actual, não dispõe de divisas suficientes para que as pessoas se dêem ao luxo de importar produtos que podem ser produzidos a nível nacional.

Angola acolheu em Maio o Fórum Mundial do Turismo. Como é que eventos como estes podem ajudar o país e os operadores neste momento económico do país?

O Fórum Mundial discutiu as linhas gerais que já estão traçadas em vários programas do Executivo. O Congresso e a Expohotel farão o trabalho de casa para que de facto sejam os suportes de uma indústria hoteleira forte. No entendimento da Associação de Hotéis e Resorts de Angola, exactamente neste momento em que o país, o Executivo e o alto magistrado da Nação, o Presidente da República, nos vão dando exemplos positivos da necessidade de diversificarmos a nossa economia, achamos, enquanto congregador de investidores privados do sector, que é o momento certo para correspondermos aos desafios actuais.

Como caracteriza o sector hoje?

Como sabe a rede hoteleira angolana teve o seu crescimento máximo em 2010, por ocasião do Campeonato Africano de Futebol (CAN). Muitos dos operadores, ao investirem na indústria, tinham perfeita consciência de que estavam a fazer o bem, pois os estudos de viabilidade económica e financeira da época apontavam para resultados adequados tendo em conta as elevadas taxas de ocupação que existiam. O quadro hoje é diferente, os operadores hoteleiros, muitos deles que contraíram dívidas com a banca comercial, enfrentam grandes problemas financeiros de exploração e gestão, viram os seus técnicos expatriados a irem-se embora por falta de divisas, para não falar daqueles que operam nos níveis assustadores de prejuízos.
As taxas de ocupação rondam hoje entre os 10 a 20 por cento, sobretudo nas unidades situadas no interior do país, o que é dramático. Alguns deixaram de cumprir os compromissos que assumiram com a Banca e nós, AHRA, estamos a identificar formas de diálogo com os credores para que não considerem estes heróicos investidores de pessoas de má vontade ou “caloteiros” e que não sejam marginalizados.

Uma queixa frequente hoje tem a ver com os altos preços cobrados nos hotéis e resorts e a baixa qualidade de serviço que prestam, comparado até mesmo à região. Como ultrapassar esta realidade e até que ponto a AHRA pode ajudar, no sentido de conquistar a confiança dos clientes?

Esta é uma falsa questão e muito problemática, porque divide muitos angolanos, até mesmo alguns operadores do sector. Se olhar para os preços praticados nos hotéis, resorts e outros similares, dará conta facilmente que eles não são caros. Dou-lhe exemplo nos hotéis da Huíla e Benguela, onde o preço máximo por quarto é de 20 mil kwanzas, o que corresponde a menos de 60 dólares. Ora, tendo em conta a estrutura de custos que os hotéis suportam, olhando para o caso de outros países, não podemos afirmar taxativamente que pagar menos de 100 dólares por um quarto de hotel de 4 estrelas é caro. O que acontece é que as pessoas não têm poder de compra. Se calhar ganham pouco, ou os rendimentos que auferem mesmo exercendo profissões liberais são insuficientes. Agora, os hotéis de cinco estrelas são caros em qualquer parte do mundo e só quem tem poder económico é que se dá ao luxo de alojar-se neles.

Até que ponto a informalidade neste sector prejudica a competitividade?

É evidente que a informalidade prejudica sobremaneira os que investiram no sector e afecta em grande medida os que cumprem a Lei. Mas este é um problema transversal. É um dos desafios que o país tem de enfrentar rapidamente. Porque, os que estão nesta situação de informalidade operam sem pagar impostos ao Estado e, por vezes, praticam preços desalinhados com o mercado. Isto para não dizer injustos.

Qual é o contributo deste sector na produção da riqueza nacional?

Ainda é incipiente. Ronda apenas, segundo as estatísticas, os 0,4 por cento, em 2017. Há quem não concorde com esta cifra e recomende que se faça melhor as contas. Mas, realmente ainda é insignificante. Temos de lutar de mãos dadas para que a banca trabalhe com esta importante indústria que pode dar um grande contributo à economia nacional e ajude a tão desejada diversificação de fontes de receitas para o Estado.

O que é que os operadores pretendem mostrar durante os quatro dias de exposição e que sugestões pensam levar para o debate?

Queremos somente criar uma oportunidade para os que produzem e vendem coisas que interessam à rede hoteleira, os próprios operadores, que são os compradores, tenham o momento de negociarem bons preços. O problema é de desconhecermos o que realmente o país produz para satisfação das necessidades do sector. Como não sabemos, passamos a vida a pressionar as poucas divisas que o país tem, para importar. No espírito do PRODESI, devemos aumentar o que produzimos internamente, para que deixemos de comprar fora, porque a situação actual é insustentável para a economia do país. Isto para não dizer que andamos a fortalecer as economias de outros países, quando mandamos vir coisas de fora.

Por que é importante para o operador estar filiado à AHRA?

A sua pergunta é pertinente e aproveito a ocasião para explicar à classe que a AHRA é uma organização privada de âmbito nacional que foi criada para defender os nossos interesses e transmitir as nossas preocupações ao poder público, como propósito de solucionarmos as nossas dificuldades. Esta pretensão já ocorre neste momento. Será fastidioso enumerar aqui o que a AHRA fez desde a sua criação. O que é verdade é que a Associação, em três anos, já conseguiu um espaço evidente de diálogo com os órgãos do Executivo e tem aproveitado este espaço para fazer chegar as preocupações do sector. É bom que os hoteleiros olhem para a AHRA como uma plataforma para a solução dos seus problemas porque internamente temos um lema “ Unidos venceremos”e somos a “ Aposta certa no futuro”.

Porque não se realizou o congresso numa região culturalmente rica, até para mostrar aos turistas a beleza que o país tem e mudar esta ideia de que Angola é apenas Luanda?

A AHRA já decidiu que o Congresso será realizado a cada dois anos. O que se pretende é transformá-lo num palco de diálogo da classe, para que as suas contribuições ajudem o poder público a conceber políticas e implementá-las. Portanto, nos próximos tempos não será posta de parte a possibilidade deste evento poder realizar-se fora de Luanda. Mas é escusado dizer que Luanda é hoje a praça mais forte da indústria hoteleira angolana, porque concentra um número significativo de unidades. E o Congresso Nacional de Hotelaria e Turismo é uma plataforma que a AHRA encontrou para reunir a classe e discutir um conjunto de assuntos que neste momento são pertinentes, como a qualidade de serviços que se oferecem aos clientes e os preços que praticam. Não podemos permitir que enquanto classe, haja colegas que não cumprem a Lei e não percebem que a sua acção não ajuda o país a crescer. Temos que chamar a atenção destes colegas, que são agentes económicos activos, que o país conta com eles e contribuintes relevantes do Produto Nacional Bruto.

Onde o Estado deve intervir para tornar o sector mais competitivo e com que medidas?

Temos de melhorar, em primeiro lugar, a competição interna e qualidade dos produtos que produzimos, obrigando os operadores a cumprirem os preceitos legais. Desta forma, aos poucos vamos tornando a nossa indústria forte e competitiva. Estamos a caminhar nesse sentido. O que queremos rapidamente é que o Estado retire alguns obstáculos de estrangulamento aos investidores do sector e que se crie um bom ambiente de negócios. O Programa de Acções Para o Crescimento da Hotelaria em Angola, que a AHRA concebeu, tem linhas e acções prioritárias. A formação é um dos vectores estratégicos de desenvolvimento, na medida em que a qualidade dos recursos humanos que prestam serviços na hotelaria é fundamental.

Como pensa superar a falta de qualificação da mão-de-obra nacional?

A breve trecho, pretendemos criar uma Academia ou Centro de Treinamento Intensivo, com o propósito de dotar de conhecimentos técnicos os trabalhadores e quadros que estão empregados na indústria mas que não têm qualificação. A ideia é evitar o despedimento dos mesmos, face ao surgimento de um número considerável dos novos quadros que saem dos Institutos e Universidades. Esta formação é somente a reciclagem de todos aqueles que aprenderam o ABC da hotelaria na actividade prática sem passar pelos estabelecimentos de ensino.

Este vosso protagonismo como Associação não ofusca a acção do Ministério da Hotelaria e Turismo?

A pergunta é tendenciosa e pode levar os menos atentos a pensarem desta forma. A acção da AHRA visa, principalmente, cumprir os desígnios dos seus associados. Foram eles que elegeram a actual direcção. Os que integram o Conselho de Direcção são quadros dinâmicos, cuja acção é desinteressada. São todos empresários com projectos em funcionamento, têm o seu ganha-pão e não auferem qualquer rendimento na AHRA. Ninguém está aqui para ganhar protagonismo, mas para cumprir o dever cívico que lhes foi acometido na Assembleia Geral da associação quando foram eleitos. Saiba que na AHRA, apreciámos de forma positiva o trabalho que a actual ministra vem fazendo em prol do crescimento do sector e desejamos-lhe muito sucesso na ingente tarefa que desempenha, no sentido de definir políticas e criar um quadro normativo que impulsione a hotelaria. Portanto, não nos move qualquer outra intenção que não seja o de cumprirmos o mandato dos sócios que nos elegeram. Para ter noção do nosso papel enquanto Associação gostaria de informá-lo que somos parceiros inseparáveis do Ministério e que durante este processo de preparação do Congresso e Expohotel estamos a receber o apoio e o carinho pessoal da Sra. ministra, que reúne connosco quase todas as semanas. Até indicou quadros seniores do sector para acompanhar as nossas actividades. Os Ministérios do Turismo, Indústria e Comércio são, portanto, nossos parceiros na organização do Congresso Nacional da Hotelaria e da Expohotel Angola. Portanto estamos de mãos dadas com o Ministério.
Digo-lhe mais que tão logo realizemos o Congresso e a Expohotel iniciará o processo interno de renovação de mandatos, preservando os princípios democráticos da Associação, porque ninguém está aqui para perpetuar-se no cargo que exerce na AHRA

Enquanto reclamam da falta de apoio para organizarem os dois eventos, recentemente o Ministério ofereceu, em público, 15 milhões de kwanzas a uma Orquestra Musical. Como se explica isso?

A Associação de Hotéis e Resorts de Angola tem, de facto, necessidade de recursos para fazer face aos custos destas duas actividades, mas em relação ao que o Ministério faz ou deixa de fazer não comentamos. Agora apoiar esta orquestra musical é de louvar a visão da ministra, pois estes bravos jovens bem merecem, porque levam o turismo ao mais alto nível.

“Não são os empresários que criaram a crise no país”

Mas estes atrasos na resolução de certas dívidas também têm a ver, em alguns casos, com a forma como foram contraídas. Pode não ser o seu caso, mas….

Eu compreendo que haja muito cuidado em olhar-se para as dívidas. É verdade que no passado recente alguns colegas empresários e até mesmo governantes enriqueceram-se a custa de dívidas falsas. Sou daqueles que peço ao Ministério das Finanças que esteja vigilante e quando se depara com um caso de fraude coloque em acção as autoridades policiais, de acordo com a Lei. Agora, não aceitamos humilhação. Além de empresários, somos chefes de família. Eu até estava a espera caso o Sr. ministro comprovasse que a minha dívida é falsa que me mandasse para a cadeia. Nesta era em que o Presidente da República nos vem transmitindo, incansavelmente, novos valores de humildade, nós, os empresários, não aceitamos continuar a ser tratados desta forma. No que compete à AHRA, não haverá problemas nenhuns em denunciarmos este tipo de comportamento, que põe em causa a imagem do mais alto magistrado da Nação, que, acredito, os terá nomeado, além de olhar para os aspectos de competência, tendo também em conta os valores de integridade e sinceridade dos mesmos. Não queremos gestores públicos que pensam que, pelo facto de estarem no poder, os demais não servem.

Qual é o impacto da dívida pública das empresas junto da banca?

Está na moda falar-se do crédito mal parado das empresas que contraíram dívidas a banca comercial, em que, infelizmente, alguns dos empresários do sector hoteleiro estão incluídos. O problema é a falta de coragem ou oportunidade de colocarmos este assunto na mesa, para identificarmos as causas desta situação. Não são os empresários que criaram a crise no país, mas a conjuntura internacional e a má gestão dos bens públicos, que afectaram a nossa economia. É importante dialogarmos e encontrarmos com a banca credora as saídas para se resolver esta situação em que só o país vai ganhar. O que não concordamos é que nos misturem no mesmo saco e sermos considerados autênticos caloteiros, que não cumpre a palavra dada. Os que decidiram colocar os empresários nesta situação, numa lista negra chamada CIRC, não se apercebem que estão a marginalizar os empresários no contributo que devem dar ao desenvolvimento económico do país. Numa fase tão crítica como esta, eles não podem refinanciar as suas empresas para as tornar viáveis e se calhar pagarem o que devem. O CIRC, na verdade, é um mecanismo de exclusão e não de diálogo.

Mas por que diz isso?

Por que é que não se encontra também responsabilidades no Banco Nacional de Angola, enquanto entidade reguladora do mercado financeiro do país que ao longo de muitos anos permitiu, sob olhar silencioso, que os bancos comerciais enveredassem essencialmente numa política sufocante de atribuir financiamentos ou créditos aos empresários em condições penalizantes, de curto prazo e com juros altos? Os bancos adoptaram um sistema de crédito de toma lá da cá. Quando se apercebiam que o empresário estava desejoso e ansioso de receber um financiamento, apareciam a impor condições de 2 a 3 anos, sem sequer atenderem a maturação do projecto financiado. E foi moda dos bancos, pois ninguém se apercebia que, desta forma, estavam a matar as empresas. Estamos a pedir, pelo menos, para os empresários do sector, que dialoguemos para o bem de todos e deixemos de sufocar as empresas através do tal CIRC.

Que passos é que já foram dados neste sentido?

A AHRA pretende dar o seu modesto contributo para resolver este problema e aguardamos uma solução global e esperamos ansiosamente que o Governador nos chame para levarmos a cabo o diálogo prometido. Posso revelar que, recentemente, num encontro que tive, a título pessoal, com o governador do BNA abordámos esta questão e foi com agrado que recebi a informação que já tinham sido criados mecanismos para a solução deste problema que preocupa os hoteleiros do país.

Qual é o impacto no sector da hotelaria e qual é a posição da AHRA?

Este é um problema geral que os empresários angolanos enfrentam quase em todos os sectores e já vem de há muitos anos. Fala-se muito da dívida que o Estado tem com os empresários, mas há muitos casos de colegas que faliram e, por causa disso, viram-se impossibilitados de continuarem a manter as suas empresas, colocaram para rua centenas de pessoas desempregadas.
O problema não está na falta de orientação política da parte das estruturas superiores do poder por exemplo, o Presidente da República, mas de um vício antigo e de um comportamento que alguns detentores do poder público têm. Preferem pagar aos estrangeiros, aos quais devem milhões de dólares, do que os angolanos, cujas dívidas que o Estado tem para com eles, muitas vezes são insignificantes.

Pode dar um exemplo?

Não tenho problema nenhum e não me move absolutamente nada dar-lhe um exemplo que aconteceu comigo: Recentemente o país decidiu acolher o Campeonato do Mundo de Hóquei em Patins. Como era um acontecimento de elevada responsabilidade para o prestígio de Angola, a minha empresa foi chamada a mandar para o Namibe uma equipa multiforme e logística para servir as equipas que estiveram lá sedeadas. Além de servir, a empresa foi chamada a equipar algumas zonas sensíveis do hotel que é do Estado. Até hoje nunca pagaram nenhum tostão.

Mas já cobrou?

Recentemente, numa reunião de trabalho, no intervalo, aproveitei para colocar o caso ao Dr. Archer Mangueira, ministro das Finanças. Senti dele muita compreensão para o meu problema e prontamente mandou-me remeter para o seu gabinete, cópias de documentos que sustentam a dívida. Inclusive indicou uma das suas secretárias para agilizar o caso. Depois de enviados os documentos solicitados, telefonei para o Sr. ministro e para a secretária e, confesso-lhe, nunca fui atendido. Passei pelo Ministério das Finanças várias vezes, além de não ter sido atendido, recebi um autêntico baile até desisti do caso. O mais triste, que constrange os empresários angolanos, é a forma como alguns governantes nos tratam e humilham. Nota-se uma falta de integridade e seriedade de algumas dessas pessoas e digo-lhe mais, além de não retornarem as chamadas, que até é uma questão de educação, colocam-nos numa situação de pedintes, sem respeito algum a dignidade da pessoa. Até parece que as secretárias estão treinadas para dar este baile e devidamente ensaiadas para mentiras.

 “Estámos a preparar os associados para a concorrência”

Até que ponto os operadores nacionais estão preparados para a abertura à concorrência imposta pela lei e ao comércio livre da SADC?

A concorrência, como dizem, é sinónimo de crescimento. Nós, empresários, não temos medo do que poderá acontecer brevemente com o comércio livre da SADC, até porque o sector da hotelaria é que vai ganhar com isso, uma vez que, acreditamos, haverá certamente uma circulação mais fluída de pessoas e bens.
No Congresso e a Expohotel vamos abordar esta questão e a nível da AHRA começamos a dirigir a nossa acção para preparar os nossos associados no sentido de estarem preparados a aceitarem esta concorrência. É evidente que não ignoramos o eventual apoio do sector público, nesta difícil tarefa de enfrentarmos economias mais organizadas e experientes que a nossa.

Como explica que mesmo em tempos de paz as reservas e belezas naturais sejam pouco exploradas?

Na AHRA defendemos que o facto de o país ter muitos recursos naturais não é suficiente. Temos de transformar estes recursos em dinheiro, em benefícios para a economia nacional. O mais importante, tal como o Executivo planeou, é construirmos infra-estruturas rodoviárias, energia, água nos principais pólos turísticos de Angola, para que o investidor, desejoso de aplicar o seu capital no sector, o faça sem problema.

Qual é a expectativa dos operadores com as privatizações?

Devemos felicitar a sábia decisão do Executivo em privatizar um conjunto de activos do Estado, para que, em benefício dos privados, o rentabilizem a favor da economia nacional. Mas devemos evitar o que aconteceu há uns anos em que muitas pessoas compraram empresas e que até hoje não funcionam. Relativamente ao sector hoteleiro é evidente que nós, operadores, estamos a espera que sejamos consultados e encontremos soluções conjuntas para que este processo beneficie em primeiro lugar os angolanos. Hoje, no país, já temos bastante hoteleiros que investiram muito dinheiro no sector e que devem continuar. Esta é uma prova de fogo que o Executivo tem nas mãos, para evitar o que se fazia nos tempos da velha senhora, em que, as privatizações eram mais direccionadas para os estrangeiros em detrimento dos nacionais. É bom que se recomende aos angolanos para que criem grupos empresariais fortes e que assumam desafios que a nação lhes colocar no âmbito do desenvolvimento.
É o momento de evitar que as empresas sejam privatizadas e que os supostos donos tenham como sócios maioritariamente filhos ou parentes dos governantes até para dar uma imagem de seriedade ao processo com alguma independência. Estamos atentos e na expectativa de que o processo aconteça a contento dos angolanos e, desta forma, acreditar que de facto vivemos novos tempos.

As reformas até agora feitas são suficientes para relançar o sector?

As reformas deste segmento da nossa economia estão em curso. Esperemos que tudo que está planeado seja concretizado. O problema está na falta de recursos e no facto de nós, os privados do sector, há muito constatarmos que o Ministério da hotelaria e Turismo, encarregado desta grande responsabilidade, é um parente pobre do OGE. Porque as verbas a si consignadas são insuficientes. Devemos perceber rapidamente que para fazermos o turismo e diversificarmos a nossa economia temos de assumir um compromisso claro e nacional.

Qual é o impacto da Lei do Investimento Privado no sector?

Não basta ter ideias bonitas no papel, se as mesmas não forem traduzidas em factos concretos. É evidente que a Lei do Investimento Privado é muito inovadora, comparada às outras, sobretudo dos países da região em que estamos inseridos. Mas não vale ter uma lei bonita se na vida quotidiana das pessoas não sentem os benefícios concretos da mesma.

Hoje os angolanos saem cada vez mais para férias no exterior. Como mudar esta realidade?

Num outro órgão de comunicação colocaram-me esta questão. Estamos hoje a suportar uma herança de falta de educação patriótica nas escolas. Nós, angolanos, desde a independência e no momento que começou a haver escassez de bens e serviços, fomos sendo estimulados, involuntariamente, a olharmos mais para fora do que para dentro. Já há no país indústrias e até mesmo boutiques que apresentam produtos de qualidade. É urgente que deixemos a ideia que uma blusa só é bonita quando é comprada fora do país. Temos de educar os nossos filhos a conhecer melhor o seu país. O Presidente da República tem feito um grande trabalho para que a nação mude esta forma de pensar e que nós, os angolanos, deixemos de ser exibicionistas e, em alguns casos, arrogantes, porque passa pelas nossas cabeças a ideia de que somos muito ricos e capazes de tudo. Temos de ser mais modestos. É certo, é um processo lento, mas que devemos levá-lo a sério, para o bem do país.

Que medidas concretas e urgentes devem ser introduzidas?

O turismo é uma indústria transversal, que só se efectiva se houver a intervenção de quase a maioria dos sectores do país: construção, água e energia, saúde, educação, ambiente, etc. O que o sector precisa, em nossa opinião como privados, é de uma maior convergência de pensamentos e de acção entre os vários órgãos do nosso Executivo, para dotar a nação de valências capazes de sossegar os que nos visitam, sejam turistas nacionais ou estrangeiros. Não pode ser apenas o Ministério da Hotelaria e Turismo por si só a realçar que o turismo é uma indústria importante para a economia nacional e que com ela podemos ganhar dinheiro.