Opinião

O suplício milenar da mulher

Podemos usar a metáfora do parto de uma mulher como simbologia da origem da vida e daquilo que nela é mais sublime nos seus mais diversos significados: o amor, o orgasmo simultâneo do ser humano com a natureza.

10/10/2019  Última atualização 08H58

Houve deusas e heroínas. Houve religiões com vários deuses, isto é, politeístas. No entanto, logo que surgiram as duas grandes religiões monoteístas, o cristianismo e o islamismo, Deus passou a ser masculino e a mulher foi tornada escrava de si própria. Os dois livros sagrados, a Bíblia e o Corão, tratam cada um à sua maneira a mulher como escrava não apenas do homem mas da humanidade, um absurdo cultural que nunca incomodou até começar a ser incomodado.
Na Bíblia, o pecado original foi sistematizado no séc. IV por Santo Agostinho, cimentando o pecado à líbido e ao desejo sexual. Afinal não era Adão o pecador mas a mulher que seduz o homem e leva-o a pecar. Daí o fundamento das diversas formas de repressão sexual sobre a mulher e a negação do seu direito ao prazer, sendo certo existirem passagens bíblicas que apontam para a dupla satisfação sexual no matrimónio (Cantares 2; Co 7,3, por exemplo).
Em Génesis 3,16 a mulher acaba sendo castigada a ter o seu desejo submetido ao seu marido. Aqui, acrescenta-se à opressão a submissão para se resignar ao dever da procriação.
Esta postura (opressão, submissão e procriação), gerou ao longo dos tempos surtos femininos de revolta, de inteligência que se desenvolveu desde as artes, política ou desporto.
Sendo que esta crónica, pelos seus limites, se atém ao cotejo da mulher no catolicismo e islamismo, não podemos de salvaguardar que em Angola (antes do outro e lá onde ainda se mantém) tudo isso começaria inaceitável pela existência de cerimoniais iniciáticos para rapazes e raparigas.
Voltando à negação da sexualidade da mulher, de que muitas não desfrutaram e outras até não entenderam sua líbido e como seus corpos funcionam, possuidoras, muitas sem saber, de um órgão, o clitóris que a natureza apenas destinou ao prazer.
O islão tem variantes de interpretação consoante a legislação de cada país. Dos lenços de odalisca à burca, a mulher islâmica ainda é estigmatizada de forma cruel. O Corão prega que homens e mulheres são iguais perante Deus, em sua criação e no além na vida; mas não equivalentes. Porém, todos sabemos das práticas contra a mulher podendo a adúltera poder ser morta à pedrada, ou aquele caso da mulher que para ir ao futebol se vestiu de homem e depois de descoberta foi mandada matar…o certo é que por isso hoje, nesse país, as mulheres já vão ao futebol… em bancadas diferentes da dos homens.
Em todo o mundo a mulher nunca deixou de lutar pela sua liberdade, pela sua líbido e sexualidade. Mulheres chegaram a presidentes de repúblicas, diferente das rainhas de poder hereditário. Mulheres ocupam e desempenham funções de alta qualidade. E depois dos combates LGBT, pode-se afirmar que numa boa parte do Universo a mulher vem cerceando a sua descriminação havendo até políticas de paridade para os parlamentos equilibrando o número de homens e de mulheres.
Mas, paradoxalmente, agora que a própria Igreja Católica tem um Vaticano mais límpido e nos países islâmicos as mulheres vão, a pouco e pouco, reduzindo o seu aprisionamento, aparece um novo fenómeno: o feminicídio.
Quando a mulher era dona de casa, o marido saía para trabalhar e ela cuidava da casa e dos filhos não se verificava, com tanta frequência como hoje, este fenómeno de maridos assassinarem as companheiras, namoradas ou esposas. Mas, agora que a mulher tem o seu emprego, pode ter o seu carro, em suma, pode ser autónoma, banalizaram-se quase os feminicídios, primeiro com disparos de armas de fogo mas agora entraram em acção as facas. Onde ir buscar a base sociocultural que explica isto? Redes sociais, televisões com toneladas de canais com violência, telemóveis, drogas, álcool e o tratamento noticiarista das televisões quase transformando os casos em telenovelas (como uma televisão portuguesa que só trata de crime e futebol)? Questão para os estudiosos de ciências sociais. É até tolerante chamar-se a isto “violência doméstica”… quem sabe que são as alterações climáticas…porque as pessoas se passam do clima!”
E por falar em violência os vinte países do mundo mais perigosos para a mulher são: El Salvador, Colômbia, Guatemala, Rússia, Brasil, México, Moldávia, Suriname, Letónia, Porto Rico, Ucrânia, Bielorrússia, Estónia, Cuba, Ilhas Maurícias, Panamá, Lituânia, África do Sul, Estados Unidos e Uruguai. Repare-se que nos primeiros cinco, quatro são da América latina.
No que toca a violência sexual, o nosso vizinho Congo Democrático tem uma das taxas mais altas do mundo com 48 mulheres a serem estupradas a cada hora. Em outra pesquisa sobre os países mais violentos para a mulher aparece a Índia à cabeça, seguida pelo Afeganistão, Síria, Somália, Arábia Saudita, Paquistão, Rep. Dem. do Congo, Iémen, Nigéria e Estados Unidos.
Dei voltas e voltas e o nome de Angola não aparece o que me dá vontade de cantar e dançar aquela música: meu amor é do conjunto!