Opinião

Duas ideias insensatas ou talvez não

João Melo*

Jornalista e Escritor

Sei que corro o risco de parecer mais um desses “especialistas” sobre pandemias que, no último ano, têm proliferado em todos os países e meios, debitando “bocas” sobre o novo coronavírus, os meios para enfrentá-la, as relações entre ciência e política, a maneira como os governos devem ou não lidar com este problema que continua a manter a humanidade virtualmente paralisada e outros tópicos correlatos.

27/01/2021  Última atualização 08H09
Arrisco-me, contudo, a expor duas ideias, que me atrevi a formular na sequência da minha observação da problemática em questão. Faço-o com base exclusivamente no senso comum, o qual, parafraseando de memória um autor que li algures, pode ser definido como "o elo que nos liga à terra”.

A primeira ideia tem a ver com um tópico fulcral, que foi discutido logo desde o surgimento da pandemia da Covid-19 e continua a sê-lo até hoje: é preciso decretar o estado de emergência para fazer face a crises sanitárias como aquela que vivemos presentemente?
Muitos governos, se não todos, recorreram a esse procedimento, alguns em vários momentos. Mas a decisão continua longe de ser unânime. São milhões os cidadãos, em todos os países, que se opõem ou colocam restrições ao uso do Estado de Emergência para enfrentar a Actual pandemia.

A maioria das reservas dos cidadãos são razoáveis. Mas também há, em vários países, numerosos casos em que as mesmas se transformam em manifestações de negacionismo ignorante, populista e criminoso. Tais manifestações vão até ao ponto da afronta directa às medidas para proteger a saúde pública, da recusa em usar máscara nos locais onde isso é obrigatório à organização de festas ilegais, com centenas e milhares de pessoas. Tem de ser dito: os que se assim procedem são potenciais assassinos. Como o afirmou o filósofo camaronês Achille Mbembe, a pandemia deu ao nosso corpo o poder de matar. Basta sairmos à rua para podermos fazê-lo, mesmo inadvertidamente, ao infectar terceiras pessoas.

O bizarro e condenável é que isso é feito em nome da liberdade. A liberdade dos que assim agem e apenas a sua, única e exclusivamente. Acontece que, quando se vive em comunidade, essa é uma falsa liberdade. Não pode ser confundida com as liberdades que realmente são fundamentais para o funcionamento da democracia. O problema, quanto a mim, é que as constituições democráticas prevêem uma única figura de Estado de Emergência, que, como se sabe, prevê a suspensão das liberdades dos cidadãos, juntando dentro do mesmo conceito aquelas que são politicamente essenciais e sagradas e outras que talvez não o sejam (por exemplo, liberdade de circulação ou liberdade de exercício de actividades económicas). A pergunta que faço é a seguinte: que tal pensar num "estado de emergência sanitária”? Sendo previsível que a humanidade terá de enfrentar outras pandemias no futuro, não parece estulto avisar que os políticos e os juristas talvez precisem de pensar em algo do género.

A segunda ideia tem a ver com o actual processo de vacinação, que já está em curso em alguns países. Depois de um ano de confinamento, o adequado será mesmo vacinar primeiro aqueles que têm mais possibilidades de permanecer em casa ou em lares, protegidos, em detrimento da população activa? Será que não precisamos de repensar isso? Contra mim mesmo falo, que tenho 65 anos e estou reformado (embora activo, a partir de casa). Dois exemplos parecem ir no sentido do que acabei de dizer. A Argentina e Israel estão a priorizar a vacinação de professores e alunos, para que as aulas possam ser retomadas em segurança.
Quero crer, portanto, que estas duas ideias talvez não sejam tão insensatas como podem parecer.

*Jornalista e escritor

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