Entrevista

Entrevista

“É urgente a aplicação da Lei das Acessibilidades e a existência de uma língua gestual oficializada”

Alberto Quiluta

Jornalista

Celebra-se hoje, 23 de Setembro, o Dia Internacional da Língua de Sinais. Por ocasião da data, o presidente da Associação Nacional dos Intérpretes de Língua Gestual Angolana (ANILGA), Bismarque Luciano António, defende a necessidade da aplicação da Lei das Acessibilidades, o reconhecimento da figura do intérprete pelo Ministério da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social (MAPTESS),como uma profissão

23/09/2023  Última atualização 10H45
Bismarque Luciano António © Fotografia por: Santos Pedro| Edições Novembro

A Assembleia-Geral das Nações Unidas declarou 23 de Setembro como o Dia Internacional da Língua de Sinais. Por que apenas em 2018 foi comemorada pela primeira vez?

Este Dia Internacional reconhece a importância da linguagem gestual para alcançar os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável e a sua promessa fundamental de não deixar ninguém para trás. Por quê apenas em 2018 foi comemorada pela primeira vez, quanto a esta questão, não tenho argumentos

Que importância tem para si, esta data alusiva à criação da Federação Mundial dos Surdos?

Este dia oferece-nos a oportunidade de apoiar e proteger a identidade linguística e a diversidade cultural de todos aqueles que utilizam a língua gestual, com a adoção, da estratégia de inclusão da Organização das Nações Unidas (ONU) e de pessoas com deficiência, as Nações Unidas estabeleceram uma base para mudanças sustentáveis e transformadoras no que diz respeito à inclusão destas pessoas, a criação da Federação Mundial dos Surdos é uma organização que une e representa as associações dos surdos a nível mundial.

Angola é parte desta Federação Mundial de Surdos, instituição presente em mais de 100 países ou ainda não?

Sim, é parte e  representada pela Associação Nacional dos Surdos de Angola (ANSA).

Diz-se que existem mais de 200 línguas de sinais no mundo e cada uma como qualquer língua, tem as suas próprias regras linguísticas. Como estamos em Angola?

Olha que no país existe sim a Língua Gestual Angolana (LGA) uma língua própria da comunidade surda, formada com base na cultura angolana, com um empréstimo linguístico e sobre a influência linguística de Portugal e Brasil.

Onde se pode aprender a língua de sinais, aqui em Angola?

Infelizmente, não temos uma escola de formação de língua gestual e de intérpretes em Angola, tendo em atenção ao número elevado de pessoas que demonstram vontade de aprender a língua de  sinais, a Associação Nacional de Intérpretes de Língua Gestual Angolana (ANILGA), está a levar a cabo um projecto inclusivo para a formação de língua gestual angolana e de intérpretes certificados pelo Instituto Nacional de Emprego e Formação Profissional (INEFOP). Este projecto visa formar toda a pessoa interessada em aprender a língua gestual, sobretudo pais e encarregados de educação que têm nos seus agregados pessoas com deficiência auditiva, com objectivo de melhorar a comunicação no seio da família entre os mesmos. O programa também poderá beneficiar professores que tiverem interesse em aprender a língua gestual angolana para facilitar o processo de ensino e aprendizagem, isto olhando para um dos eixos dos Objectivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), eixo Nº 4, Educação Inclusiva. Bem como também formarmos intérpretes, certificá-los e habilitá-los com carteira profissional.

 Parece recente a introdução da língua de sinais nos audiovisuais em Angola, mas, ainda assim, uma grande parte da população não entende nada. Que opinião tem?

Existe em Angola um número elevado de surdos não letrados, e este é um dos elementos que torna difícil para alguns dominarem os signos da Língua Gestual Angolana (LGA), pois que a LGA é uma língua gramatical, ou seja, a pessoa com deficiência auditiva vai para a escola para dominar a componente gramatical da língua gestual, o que dá a ela habilidade e competências para desenvolver as suas competências linguísticas. Se o surdo não tiver um domínio da língua gestual, terá dificuldades de entender o conteúdo transmitido nos canais de informação da Televisão Pública de Angola (TPA). Segundo aspecto tem mesmo a ver com o tamanho do quadro do intérprete, é um exercício grande para o surdo poder acompanhar a informação de forma clara e nítida, num quadro que não permite ter maior visibilidade dos movimentos icônicos do intérprete.

Além dos utentes (surdos e mudos), qual é a estratégia para que os que falam e ouvem se familiarizem e entendam os sinais?

Primeiro é necessário conviver com esta comunidade para entender a sua realidade, conhecer as suas culturas e por fim aprender a LGA.

O que falta para que as instituições contem com um intérprete de línguas de sinais para interpretar a comunicação entre um utente e uma funcionária?

Falta quase tudo, mais o importante é  necessário a sensibilidade, aplicação das leis (Lei das acessibilidades), o reconhecimento da figura do Intérprete pelo Ministério da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social (MAPTESS) como uma profissão e da Língua Gestual, como um meio de comunicação, isto pelo Instituto Nacional de Língua afecto ao Ministério da Cultura.

 

Segundo dados, 80 por cento das pessoas surdas no mundo possuem dificuldades nas línguas escritas. Qual é o caso de Angola em particular?

Esta é uma situação transversal. E isso acontece porque a língua portuguesa é a segunda língua para os surdos. E falando do caso de Angola, ela é ensinada como primeira língua na escola, o que torna difícil a compreensão da mesma pelos surdos. Isto porque a estrutura linguística do português é diferente da Língua Gestual. Por exemplo, a Língua Portuguesa – eu vou à escola, aqui dá-se ênfase a acção praticada pelo sujeito. Na Língua Gestual dá-se o inverso - escola eu ir. Aqui a ordem muda para o objecto, sujeito verbo, sendo que o padrão é sujeito, verbo, objecto. Dá-se ênfase à acção que recai sobre o sujeito. Por esta razão, se entendermos a estrutura linguística da Língua Gestual, conseguiríamos ensinar o português para o surdo como segunda língua e melhorar a perspectiva escrita comunicativa dos surdos.

Que língua de sinais é reconhecida como meio legal de comunicação e expressão em Angola?

A Língua Gestual Angolana (LGA).

A iniciativa "Setembro Azul”, em 2022, visou reforçar a importância de quebrar barreiras e buscar uma sociedade mais inclusiva para todos os surdos. Entre nós, quais os resultados?

A sensibilização e a inclusão foram alguns dos ganhos.

O que falta para termos um quadro em que se seja respeitada a diversidade que existe na surdez e suas múltiplas formas de expressão?

Podemos começar por dizer que o que falta é a aplicação das leis, quando tivermos uma língua gestual oficializada, quando tivermos uma comunidade em que os seus direitos são respeitados, quando tivermos surdos no nível das estruturas centrais no aparelho de Estado com destaque naquilo que fazem aí sim teremos uma grande diversidade e quadros respeitados.

É cedo para falarmos sobre os direitos dos cidadãos portadores de surdez e mudez?

Não, já vai tarde, até porque esta comunidade existe e essas leis visam garantir os direitos de uma comunidade marginalizada.

  Mais de 6000 pessoas com deficiência auditiva

Que conhecimento tem sobre o número de pessoas com surdez e mudez em todo o país?

Segundo os dados do Censo de 2014, o número de pessoas com deficiência auditiva no país é de mais de 6.000, é de salientar que estes são os dados do conhecimento do Ministério da Educação com base nos actos de matrículas, realidade que nos leva a entender que o número pode ser ainda maior.

"Existe em Angola um número elevado de surdos não letrados e uma língua gestual oficializada”

Que instituição, especificamente,  defende os surdos e mudos contra abusos e discriminação na componente linguística?

Em Angola, associação dos surdos está representada pela ANSA, em parceria com o Ministério da Acção Social, Família e Promoção da Mulher (MASFAMU), que zela pela inclusão, pelo Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, que tem trabalhado para a inclusão social e pelo Ministério da Educação (MED), que tem trabalhado para a educação inclusiva.

Em sua opinião, é excessiva a ideia de uma legislação específica para defender os direitos deste segmento da população angolana?

Não, as sociedades são regidas por leis e quando estamos diante de uma sociedade que não respeita as pessoas com deficiência é necessário criamos leis que orientem e defendam as pessoas com deficiência. Por esta razão, não é excessiva a criação de uma lei que tem como objectivo proteger e garantir os direitos de uma comunidade marginalizada.

Há um código internacional reconhecido em todo o mundo ou existem várias línguas de sinais adoptados por cada país?

Existem várias línguas gestuais, pois a criação das mesmas é feita através das características regionais e culturais de cada país, partindo da ideia de que a língua é uma cultura, cada país tem a sua cultura. No entanto, existem similaridades em alguns signos linguísticos em alguns países que expressam a mesma língua oral, assim como os países lusófonos e francófonos.

Como está a acessibilidade comunicacional para pessoas com deficiência auditiva em Angola?

Hoje, já existem sinais indicadores de melhorias neste âmbito e, isso, ficou evidente durante o período da Covid-19, com a presença do intérprete de língua gestual nas sessões de conferência de imprensa, na inserção da figura de intérprete nos programas de informação das televisões, em conferências e workshops. Esses feitos, são provas de que a Lei das Acessibilidades, na perspectiva da comunicação inclusiva, tem surtido um efeito positivo. O maior desafio encontra-se no âmbito de serviços de atendimento ao público, pois o atendimento inclusivo ainda é um dilema por conta da inexistência da figura do intérprete de língua gestual para mediar a comunicação entre o utente e o servidor público.

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