Opinião

Empreiteiros e fiscais de buracos

Manuel Rui

Escritor

Meu irmão mais velho levou-me pela mão para ir ver aquela cena. Tinha bué de gente a olhar à beira da estrada, lá em cima, antes de onde começava a descida da estrada da granja, em frente ao parque infantil. Máquinas e mais máquinas grandes. Primeira uma começou a raspar a terra até a estrada ficar mais funda. Meu irmão, que já andava no 5º ano, disse “isto chama-se terraplanagem”.

18/04/2024  Última atualização 06H00

Depois espalharam brita e veio uma máquina com um cilindro e prensou a brita. Aí veio outra a máquina a fumegar e a deitar uma coisa preta que foi alisada. Um padre benzeu. "Isto é o asfalto. Amanhã voltamos,” falou meu irmão Zito.

E, no dia seguinte estava seco. O  jornal "A VOZ DO PLANALTO” fez manchete: "começou a asfaltagem da nossa cidade.” Uns quinhentos metros. Ia começar a asfaltagem de Nova-Lisboa. Antes, como havia muita pedra no Huambo, foram colocados paralelepípedos na baixa da cidade, da estação do comboio ao cinema Ruacaná. Mas, ficaram mal feitos e não continuaram. Esses devem ter resistido até aos nossos dias se não os tiraram.

No consulado de Eduardo dos Santos, foi anunciado com pompa e circunstância, o início da asfaltagem das estradas de Angola degradadas pela guerra que eu ví, quando voltei, ainda fui ao Huambo de carro e dei boleia à Alexandra Dáskalos de quem, mais  tarde, viria a ser padrinho de casamento no então feudo de Nazário em terras do Lubango. Fizemos bem a viagem e a estrada estava boa.

Para a asfaltagem de Dos Santos foram contratados empreiteiros, nunca li nenhum desses contratos, garantias ou formas de pagamento. Lembro-me que havia uma entidade fiscalizadora, um camba parece que libanês com a fachada de uma empresa.

Empreiteiros e fiscal nunca terão ganho tanto dinheiro na vida. Também desconheço se houve concursos ou se foi por ajuste directo…que leva sempre à suspeição. E mesmo os concursos, enquanto advogado, constatei que num deles era só para inglês ver pois, de boca no ouvido, já se sabia a quem iria ser dada a concessão.

Lembrando a asfaltagem do colono, recordo agora que estes eram mais rápidos. Terraplanavam e lançavam uma fina cobertura de asfalto. O resultado está à vista. O meu parente Arcebispo, já nos fins dos oitenta, ousou que o levassem de carro daqui até à Quibala. Esteve a contar-me a triste aventura em que se meteu, porque os buracos tinham pouca estrada…

Mas o colono mesmo nas estradas por asfaltar, tinha manutenção. Os cantoneiros. Ainda há, pelo menos abandonada, uma casa de cantoneiro. Era uma casa de alvenaria à beira da estrada. O muadiê tinha a sua naca à beira do rio mais próximo, com pá, enxada, picareta e um carro de mão, limpava as valas que ladeavam a estrada, alguns  dos carros que passavam quando viam o cantoneiro a trabalhar davam-lhe cigarros, cerveja e outros quês. Devíamos erguer uma estátua ao cantoneiro e repor essa instituição.

Esta maka é preocupante. Gastou-se dinheiro. O asfalto terá sido comido pelos ratos, os carros estragam-se, há acidentes, a economia sofre a subida dos preços por via dos transportes por estrada, há produtos que apodrecem pela dificuldade do escoamento.

E quem não viu ou não se lembra do passado pensa que isto é da responsabilidade do actual governo. Penso, com o devido respeito, salvo prescrições, que o Estado devesse denunciar na comunicação social o nome desses bandidos com a chipala e tudo.

Também devia intentar acções judiciais contra esses larápios empreiteiros e fiscais. Eu ainda contei esta piada ao meu primo " um camionista falou para o outro, de quem é este grande buraco? De ninguém. Então vou carregá-lo no meu camião e levo para a fazenda a fim de servir de viveiro de cacusso.”

E quando ia fazer a manobra para carregar o buraco falharam os travões e o camião caiu dentro do buraco, ah! Ah! Ah! 

…Contrataram empreiteiros e fiscais de buracos!      

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