Entrevista

Hendrick Vaal Neto destaca acção militar dos movimentos de libertação

Garrido Fragoso

As declarações são do nacionalista e antigo ministro da Comunicação Social, Pedro Hendrick Vaal Neto, no decurso da entrevista ao Jornal de Angola, por ocasião do 49º aniversário da também conhecida “Revolução dos Cravos”, que se assinala hoje. Eis a íntegra:

25/04/2023  Última atualização 07H09
© Fotografia por: Armando Costa | Edições Novembro

Qual é a dimensão do 25 de Abril para a autodeterminação dos povos africanos de expressão portuguesa, em especial Angola?

O que temos de entender primeiro é que os acontecimentos do 25 de Abril de 1974, que colocaram fim ao regime ditatorial de Salazar, em Portugal, ocorreram numa altura em que o regime português estava confrontado com três lutas de libertação nacional, nomeadamente, de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau.

A luta nestas colónias portuguesas atingiu um nível tão elevado e crucial que a Guiné-Bissau já se declarava país independente e esperava apenas pelo reconhecimento da comunidade internacional. Portugal, praticamente, já tinha perdido a guerra naquele país.

 Que realidade se vivia em Angola face à revolta?

Em Angola, a situação era muito grave, na medida em que os três históricos movimentos de libertação nacional (MPLA, UNITA e FNLA) intensificaram a luta de libertação contra o colonialismo português.

Nessa altura, a FNLA já tinha uma capacidade militar bastante avançada, com 16 mil soldados a serem formados na base de Kincuso, por unidades chinesas, o que constituía uma grande ameaça para o exército português.

Enquanto isso, o MPLA estava no Leste do país a desenvolver a sua capacidade militar. Quer dizer que Portugal seria confrontado, outra vez, com uma guerra do tipo da Guiné, em que grandes proporções do território corriam o risco de serem ocupadas pelos nacionalistas.

 Com o desenvolvimento crescente da luta de libertação nacional, como era caracterizado o quadro operacional militar no país?

Quem sofria de forma directa as consequências desse desenvolvimento da luta de libertação nacional eram as Forças Armadas de Portugal.

Elas estavam absolutamente inconfortáveis. Os políticos podiam tirar vantagens dessa situação, mas os militares estavam confrontados directamente com a luta de libertação.

Eram eles que perdiam os seus membros e isso tinha uma repercussão bastante forte sobre a população portuguesa que vivia e sentia os horrores da guerra nas colónias, vendo os filhos serem recrutados para as frentes de combate na Guiné-Bissau, Angola e Moçambique, e os cadáveres chegarem constantemente dessas colónias para serem enterrados em Portugal. Havia um clima muito forte da população portuguesa sobre o regime fascista.

 Qual era a situação real em Portugal antes de despoletar o 25 de Abril?

Naquela altura, falava-se de reformas ou de transição naquele país europeu, mas a verdade é que o novo desenvolvimento da luta de libertação nacional nas colónias veio precipitar os acontecimentos em Portugal.

Não queremos menosprezar o esforço da oposição e do povo português que procuravam também libertar-se do regime de Salazar.

Mas a luta deles era só política, por isso a pressão sobre o regime salazarista era menor, apesar de que já havia uma certa pressão internacional, que também apenas teve lugar por causa do esforço dos movimentos de libertação nacional.

 
Como reagiu o Governo de Salazar perante a pressão que estava a sofrer da oposição e população portuguesa e, sobretudo, dos movimentos de libertação nacional?

Do ponto de vista internacional, Portugal fez muitas tentativas para convencer as Nações Unidas, no sentido de desacreditar e derrotar os nacionalistas na perspectiva diplomática. As organizações de beneficência internacionais, também, estavam a apoiar a luta de libertação das colónias portuguesas.

Além da pressão política e militar interna sobre o Governo fascista de Salazar, havia, também, a partir do exterior uma pressão muito grande, influenciada pela luta de libertação nacional nas diferentes colónias portuguesas em África.

 

Quem mais ganhou com a Revolução dos Cravos? As colónias ou o povo português?

Podemos dizer que os ganhos são recíprocos. Houve uma vitória política dos movimentos sobre o regime português.

A destruição do regime fascista de Salazar resultou no surgimento de uma sociedade portuguesa mais democrática e abriu caminhos para as aspirações dos angolanos, moçambicanos e guineenses e demais colónias africanas portuguesas que lutavam para obter as suas independências.

Portanto, houve um efeito recíproco. Nós nos beneficiamos, mas facilitamos também a mudança em Portugal. Criou-se um clima favorável às nossas aspirações.

Rapidamente, Portugal conheceu uma evolução política interna favorável que permitiu às diferentes colónias prepararem as independências.

 

O que Angola colocou à mesa de negociações com os colonialistas, para a obtenção da sua Independência?

A condição colocada por Angola aos colonialistas era o reconhecimento do direito das colónias à autodeterminação e Independência.

Os colonos falavam à dada altura de reformas no país, alternativa que foi prontamente negada pelos angolanos. Exigiu-se aos fascistas portugueses a Independência total e incondicional de Angola, como condição para frenar a intensificação da luta.

 

Como é que os portugueses reagiram a tais condições?

Houve uma certa resistência até uma certa medida, mas quando os colonialistas constataram que estávamos a falar a sério abandonaram a perspectiva de mais uma vez enganar os africanos.

 
Para si, quais são os acontecimentos mais marcantes que tiveram lugar em Angola após a Revolução do 25 de Abril?

Com o 25 de Abril, foram criadas as condições para que os angolanos pudessem tomar as rédeas do seu próprio país. E foi o que aconteceu. Todo o resto é interno.

 
Qual foi o sentimento da maioria dos angolanos na altura em que se deu o 25 de Abril?

Houve reacções muito positivas a favor do 25 de Abril. Houve manifestações de alegria não só em Angola, como nas restantes colónias.

Acho que a data assinalou as primeiras grandes manifestações dos angolanos contra os colonialistas, amedrontou o sistema colonial, tendo as autoridades fascistas portuguesas concluído que os angolanos já não estavam mais dispostos para suportar o colonialismo.


Como era o ambiente vivido no país com o anúncio da Revolução dos Cravos?

De muita euforia…(risos) Muita euforia. A grande alegria estendeu-se, igualmente, aos angolanos na diáspora. A guerra de libertação levou muitos angolanos a emigrar pelo mundo.

O Congo albergava, naquela altura, um milhão e meio de angolanos. Tínhamos angolanos em todos os países europeus, incluindo Estados Unidos da América, Brasil, de modo que em todos esses países os angolanos manifestaram-se de maneira eufórica para celebrar a mudança do regime em Portugal.

Mais importante foi a aceitação por Portugal do nosso direito à autodeterminação e Independência.

 
Onde é que o embaixador Vaal Neto se encontrava a residir a 25 de Abril de 1974?

Se me encontrasse no país estaria no Maquis. Estava no Congo. Recordo-me que na altura em que se dá o 25 de Abril recebi um telefonema que dava conta do golpe de Estado em Portugal (risos).

A partir daquela data, comecei a acompanhar mais de perto a situação. Naquela altura, no Congo era o responsável pela informação da FNLA.

Por força das responsabilidades que assumia, acabei por participar dos contactos com quem se devia discutir a questão pós-25 de Abril.

 
O que proporcionou o 25 de Abril para o estabelecimento de uma Angola independente?

O 25 de Abril constituiu a ocasião para os movimentos de libertação nacional (MPLA, UNITA e FNLA) se instalarem no país.

Antes desta data, todos os movimentos de libertação dispunham apenas de células clandestinas, ou melhor, redes clandestinas a trabalhar no país.

Depois do 25 de Abril, surgiu a oportunidade de os partidos transferirem as suas sedes para o interior do país.


Havia sincronia de ideias entre as células clandestinas de cada um dos movimentos de libertação nacional?

Nalguns níveis, sim. As células funcionavam, sobretudo, entre si. Mas o foco naquela altura era mesmo a Independência do país.

Eu, por exemplo, fui membro de uma célula clandestina no país, de organização estudantil denominada Frente Unida da Juventude de Angola.

Lembro-me, também, que havia o Movimento Angolano da Juventude de Estudantes. Eram grupos que trabalhavam de forma muito clandestina e com certa limitação para não caírem nas malhas da Polícia Secreta Portuguesa (PID).

A mesma perseguição que sofremos em Angola desta organização policial de repressão, também era vivida pelos portugueses no seu país, sobretudo, aqueles que estavam ligados a instituições que fossem contra o regime fascista. A guerra era comum em ambos territórios (Metrópole e colónias).

 
O que é que mais lhe marcou em todo esse processo? Tem algumas lembranças sobre o mesmo?

Risos…. Houve muitas coisas que me marcaram ao longo de todo esse processo. Tenho quase 80 anos e devo dizer que foi uma caminhada gloriosa e alegre, na medida em que estou convencido de que o processo angolano evoluiu exactamente como devia.

As dificuldades, choques…, tudo isso tinha de acontecer. E chegamos a uma altura em que já não havia razões para tal e estabilizamos.

E o momento é de reforçar a nossa unidade e continuar para frente. No percurso, houve momentos maravilhosos, mas também desastrosos. Aliás, não podemos esperar que a vida de uma Nação decorra sempre sob linha recta.


Já agora, como avalia o processo de unidade e reconciliação nacional em curso no país?
       

Acho que há vontade de reconciliação de todas as partes. Diria mais, de reforçar a reconciliação. Sente-se que o sentimento de reconciliação já existe no seio dos angolanos, é preciso apenas consolidá-lo com actos e atitudes.

 
Neste contexto, em que posição coloca Angola em termos de Nação una e indivisível?

A Nação angolana é feliz, porque somos muito diferentes e conseguimos criar unidade. Somos uma Nação multiforme, mas que consegue manter juntos todos os cidadãos.

Neste quesito, estamos melhor que muitos outros países, não só em África como noutros continentes.

Vamos, por isso, consolidar, cada vez mais, o processo de unidade para sermos uma grande Nação.

 
Que mensagem pode deixar aos angolanos?

Que haja muito mais esforço no sentido da consolidação da unidade nacional. Todos, do topo à base, temos de ganhar consciência de que a unidade nacional fará de Angola um país extraordinário, não só em África como no Globo.

Temos todos os meios e mentes para podermos fazer de Angola um país extraordinário. Vamos trabalhar para isso.   


Por dentro

A Revolução de 25 de Abril, também conhecida como Revolução dos Cravos, Revolução de Abril ou apenas por 25 de Abril, refere-se a um evento da História de Portugal resultante do movimento político e social, ocorrido a 25 de Abril de 1974, que depôs o regime ditatorial do Estado Novo, que durou desde 1933, e iniciou um processo que viria a terminar com a implantação de um regime democrático e com a entrada em vigor da nova Constituição a 25 de Abril de 1976, marcada por forte orientação socialista.

Esta acção foi liderada pelo Movimento das Forças Armadas (MFA), composto na sua maioria por capitães que tinham participado na guerra colonial e que tiveram o apoio de oficiais milicianos.

Este movimento surgiu por volta de 1973, baseando-se inicialmente em reivindicações corporativistas como a luta pelo prestígio das forças armadas, acabando por atingir o regime político em vigor.

Com reduzido poderio militar e com uma adesão em massa da população ao movimento, a reacção do regime foi praticamente inexistente e infrutífera, registando-se apenas quatro civis mortos e 45 feridos em Lisboa, atingidos pelas balas da DGS.

O movimento confiou a direcção do país à Junta de Salvação Nacional, que assumiu os poderes dos órgãos do Estado. A 15 de Maio de 1974, o general António de Spínola foi nomeado Presidente da República, enquanto o cargo de Primeiro-Ministro seria atribuído a Adelino da Palma Carlos.

Seguiu-se um período de grande agitação social, política e militar conhecido como o Processo Revolucionário em Curso (PREC), marcado por manifestações, ocupações, Governos provisórios, nacionalizações e confrontos militares que terminaram com o 25 de Novembro de 1975.

Estabilizada a conjuntura política, prosseguiram os trabalhos da Assembleia Constituinte para a nova Constituição democrática, que entrou em vigor a 25 de Abril de 1976, o mesmo dia das primeiras Eleições Legislativas da nova República. Na sequência destes eventos, foi instituído em Portugal um Feriado Nacional a 25 de Abril, denominado Dia da Liberdade.

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