Entrevista

Inspecção Geral do Trabalho regista mais de sete mil infracções à legislação laboral

Alexa Sonhi

Jornalista

Organização Internacional do Trabalho (OIT) defende melhorias das condições de trabalho em profissões essenciais, para o bom funcionamento da sociedade. Com base nos dados de 90 países, a organização concluiu que os trabalhadores essenciais representam 52 por cento de toda a força de trabalho, por isso, precisam de ser mais valorizados. Para se perceber a real situação das condições de trabalho no país e as sanções impostas às empresas que infringem a lei, o Jornal de Angola entrevistou o Inspector Geral do Trabalho, Vassile de Abreu Agostinho, por ocasião do 28 de Abril, Dia Internacional da Higiene, Saúde e Segurança no Trabalho, assinalado hoje.

28/04/2023  Última atualização 09H49
Inspector-geral do Trabalho, Vassile Agostinho, defende observância das normas jurídico-laborais © Fotografia por: Edições Novembro
Como estamos em termos da matéria de higiene, saúde e segurança no trabalho a nível das empresas?

Ao nível do país, a Inspecção Geral do Trabalho (IGT), adstrita ao Ministério da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social (MAPTSS), é a instituição vocacionada para velar pelo cumprimento das normas da relação jurídico laboral, especificamente sobre a higiene e segurança e saúde no trabalho. A recomendação está prevista no Decreto Presidencial 90/22 de 18 de Abril, que aprova o estatuto orgânico da IGT.

 

Quais são as atribuições da IGT?

São várias. Dentre elas, fazer com que as empresas cumpram com as normas relacionadas à atribuição dos equipamentos de protecção individual e colectiva dos trabalhadores, assim como a obediência das próprias regras de higiene, saúde e segurança no trabalho. Além disso, a instituição tem motivado a criação, nas empresas, dos serviços que respondam pela área de higiene e saúde e segurança no trabalho, bem como a criação de comissões de prevenção de acidentes de trabalho e a formação de trabalhadores ligados a este sector, com o intuito de prevenir os acidentes no trabalho e doenças profissionais.

 

As empresas têm obrigatoriedade de capacitarem os colaboradores sobre a segurança no trabalho?

Sim. Conforme dispõe o artigo 81, da Lei Geral do Trabalho, relacionadas às matérias em causa, uma das obrigações da entidade empregadora é formar o trabalhador em matéria de higiene saúde e segurança no trabalho, principalmente, naquelas empresas, onde haja um risco iminente de ocorrência de acidentes de trabalho, inclusive quando um trabalhador é transferido de uma área para outra, por exemplo de electricista para pedreiro.

 

Há uma lei que regula o cumprimento desta matéria?

Sim, existe um quadro legal da segurança e higiene no trabalho a nível no ordenamento jurídico nacional. A Constituição da República de Angola, no terceiro capítulo, que trata sobre os direitos económicos e sociais dos cidadãos, destaca no artigo 76 a questão do direito do trabalho. Quanto a esta matéria, o artigo destaca que todo o trabalhador tem direitos à protecção, higiene, saúde e segurança no trabalho nos termos da lei. A Lei Geral do Trabalho, no artigo 81 e seguintes, trata da matéria de higiene, saúde e segurança no trabalho como obrigatoriedade das empresas. E neste artigo e seguintes, vamos encontrar uma série de obrigações que as empresas devem cumprir sob pena de ser sancionadas por via de multas ou até encerradas temporariamente até melhorarem as condições de trabalho dos colaboradores.

 

E o que a legislação complementar acrescenta sobre esta matéria?

A nível da legislação complementar, temos o decreto 31/94 que estabelece os princípios que visam a promoção de segurança, higiene e saúde no trabalho. Estes decretos contém três regulamentos. O primeiro é o Decreto Executivo 6/96, que aprova o regulamento geral dos serviços de higiene, saúde e segurança no trabalho. O segundo é o Decreto Executivo 21/98, de 30 de Abril, que aprova o regime geral das comissões de acidentes de trabalho e doenças profissionais, cuja particularidade é a criação de comissões paritárias de interesses, nas quais a empresa indica que os membros e os trabalhadores também elegem os seus representantes. O terceiro é o Decreto Executivo 128/98, sobre sinalização da segurança e higiene no trabalho. Angola é membro da Organização Internacional do Trabalho (OIT), logo, respeitamos também a Convenção 155 de 1981 sobre a segurança e saúde no trabalho, adoptada no ordenamento jurídico nacional com os diplomas já citados.

 

Com que periodicidade a IGT fiscaliza as instituições para auferir o grau de cumprimento?

Nós temos um programa nacional de execução das actividades, e elas são diárias e feitas no decurso do ano. As avaliações que fazemos a nível de todos os serviços provínciais é através de relatórios mensais, onde incide a acção inspectiva de todos os sectores de actividade. A título de exemplo, no primeiro trimestre deste ano, do balanço feito, constatámos o incumprimento de determinadas matérias de segurança e saúde no trabalho, com destaque para a falta de criação dos serviços de higiene, saúde e segurança no trabalho, a falta de comissão de prevenção de acidentes de trabalho, a não atribuição de equipamentos de trabalho adequados ao exercício de determinadas tarefas, a falta de realização de exames médicos na área de saúde ocupacional, sejam eles admissíveis, periódicos e dimensionais e a falta de material de sinalização.

 

Qual tem sido acção do MAPTSS para fazer cumprir o estipulado na Lei?

A acção principal tem sido ir ao encontro das empresas, através da realização de palestras, algo que consta do Plano de Desenvolvimento do Sector. Muitas destas palestras são realizadas depois de uma acção inspectiva. A meta é elevar o nível de conhecimento, não só dos trabalhadores, como do próprio empregador, sobre cumprir as regras, para que haja densificação da cultura da matéria de higiene, saúde e segurança no trabalho, sob pena de sofrer uma acção coerciva.

 

Como a IGT pode agir de forma coerciva?

Sanciona-se as empresas por meio de multas ou pelo encerramento temporário, até que melhorem as condições de trabalho. Primeiro faz-se o auto de notícias em função da infracção cometida. Sobre as multas, vale dizer que no âmbito da relação jurídico laboral, ela não tem um valor específico e varia de uma moldura para outra.  Em matéria de segurança e saúde no trabalho a multa vai de zero até dez vezes o salário médio mensal praticado na empresa, que é a soma de todos os salários ilíquidos (sem descontos) a dividir pelo número de trabalhadores. Depois de adquirido o resultado, se deve retirar a moldura aplicada à empresa, que pode ser o mínimo, médio e ou o máximo dependo de quem tem competência para graduar os autos.

 

Em caso de acidentes de trabalho, até onde vão a responsabilidade do MAPTESS e das empresas?

A responsabilidade do MAPTESS está justamente na fiscalização das empresas. Por exemplo, as empresas são obrigadas a celebrarem os seguros contra os riscos de acidentes de trabalho e doenças profissionais. Ocorrendo um acidente, o MAPTSS por meio da IGT, tem um Departamento de Segurança e Higiene no trabalho que deve promover a investigação deste acidente para saber quais foram as causas que originaram, não obstante, a empresa deve também fazer a sua própria investigação e não ficar à espera do trabalho da IGT.  A responsabilidade do empregador é prestar os primeiros socorros tão logo ocorra o acidente, e de seguida accionar a seguradora com quem mantém contrato obrigatório por lei.

 

Que infracções vocês mais detectam?

Geralmente são aquelas relacionadas com a matéria em causa, como a falta de seguro de saúde, de submissão a exames médicos nas três vertentes, na fase de admissão, periódica e dimensional, ou a falta da criação da Comissão de Prevenção de Acidentes de trabalho e o fornecimento não adequado de material de trabalho e de sinalização. 

 

Estas infracções foram detectadas por meio de denúncias ou nas inspecções de rotina?

Muitas delas foram feitas por denúncias anónimas pela linha de atendimento 924925587, a nível de Luanda, pelo 947656722/947997892, a nível dos serviços centrais. De realçar que só neste primeiro trimestre recebemos 1.344 ligações de denúncias, dentre elas 453 foram feitas por trabalhadores, as restantes por estudantes e associações sindicais.

 

E sobre que áreas pesam mais as denúncias?

Dentre as queixas constam despedimentos, trabalhos em feriados, atraso no pagamento de salários, subsídios de férias, descontos ilícitos, a inexistência de vistorias às instalações novas que são edificadas, ou as gratificações anuais.

 

Quantas visitas inspectivas foram realizadas no primeiro trimestre deste ano?

Até ao primeiro trimestre deste ano, realizámos um total de 1.968 visitas inspectivas a nível nacional, dessas foi possível detectar 7.583 infracções à legislação laboral, com maior foco para o sector do Comércio, com 4.287 infracções, o da prestação de serviço, com 2.271, Indústria, com 484, saúde, 342, Hotelaria e Turismo, 231, Construção Civil, 104, Pescas, 93, Educação, 77, Petróleo, 22 , Agropecuária, 20, Transporte, 11, Finanças, seis,  Telecomunicações, 12, e Geologia e Minas, com três.

 

Qual o lema escolhido pela OIT para celebrar a data de hoje?

O lema escolhido é: "um ambiente de trabalho seguro e saudável”, um princípio fundamental do direito ao trabalho. É com este lema que estamos a realizar todas as actividades relativas ao dia. Para o IGT, estas actividades são de execução permanente, principalmente pelo facto de o motor de desenvolvimento de qualquer empresa serem os trabalhadores. Logo, é ali onde a entidade empregadora deve investir. Os empregadores não podem pensar que investir no trabalhador representa custos. Pelo contrário, um trabalhador saudável e seguro, produz melhor, aumenta os lucros das empresas e com isso o estado sai a ganhar.

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