Opinião

Intempéries são inocentes

Luciano Rocha

Jornalista

As mortes e todos os dramas ocorridos, na segunda-feira, em várias províncias, designadamente na de Luanda, durante e na sequência das chuvas, têm culpados - actuais e antigos - que é urgente responsabilizar.

22/04/2021  Última atualização 06H00
O panorama que se nos afigura é dramático, não só pelas mortes até ontem anunciadas, oficialmente, mas, também, por aquelas que se lhe hão-de juntar devido a todas as doenças habituais entre nós, agora com expansões ainda mais facilitadas pelas lagoas lodosas, os "mil e um lixos” a esvoaçar por tudo o que é sitio; cansaço, fome, falta de higiene forçada; desespero de quem perdeu paredes e tecto, mesmo que feitos de bocados de caixotes de madeira, plásticos, chapas de zinco, que serviam para fingirem casas; colchão, esteira para enganar sonos nunca dormidos.

A província de Luanda, na qual se situa a capital do país, que devia ser exemplo para toda a nação angolana, motivo de orgulho nacional, postal de apresentação a eventuais investidores estrangeiros, voltou a ser notícia de abertura em quase todos os órgãos de comunicação além-fronteiras. Uma vez mais, por motivos que dispensamos. E não referiram somente as perdas de vidas humanas, nem os estragos materiais. Mencionaram e mostraram os amontoados de lixos na via pública; as deficientes construções; a inexistência ou as precárias vias de escoamento de águas; o mar calmo da baía, já tão castigado no dia-a-dia, invadido por ondas daquilo que a cidade, coitada, já não aguentava.

Luanda - a província e a capital - sentiu dor da vergonha de se ver desnudada, com chagas à mostra, aos olhos do mundo, por egoísmos, incompetências e maldades. E chorou, nas águas da chuva, lágrimas genuínas, por, uma vez mais, ver alguns dos filhos mais necessitados sofrerem e morrerem impotentes.As mortes durante a chuva de segunda-feira, mais as que se lhe seguirão por doença, electrocussão, desabamentos, têm responsáveis - de hoje, mas, também, de ontem - com rostos e nomes, que é urgente chamar à razão.

As casas construídas em locais impróprios, como as que surgem em cima de terraços ou em barrocas, nunca o seriam se a fiscalização funcionasse; as valas de drenagem são entupidas com resíduos domésticos, pela mesma razão; as transgressões na arquitectura das cidades, vilas ou aldeias, tal como as do trânsito automóvel ou no comércio, entre tantas, têm as mesmas origens: incompetência, egoísmos, maldade. Uma destas "qualidades” basta para causar sofrimento, mas, se forem todas juntas, o que é frequente, temos o resultado à vista. A culpa desta gentalha quando é apanhada "em contra mão”, jamais é dela. Das justificações mais frequentes de ouvir é falta de verbas.

As medidas de combate ao novo coronavírus, no tocante a restrições às saídas e entradas de pessoas em Angola, tomadas pelo Executivo, demonstram que, mesmo com carência de meios, é possível evitar males. Não fosse isso, se estivéssemos à espera que ele, o bicho, entrasse no nosso espaço nacional, desse sinais de morte, mesmo do poder de contágio que o caracterizo, ninguém ousava calcular o que seria este país agora. A prevenção é, sempre foi e há-de continuar a ser, melhor do que o remedeio. Que, por regra, aporta tarde e a más horas.

Os responsáveis de hoje e de ontem que desonraram e desonram as funções que aceitaram desempenhar, sem estarem minimamente preparados para o fazer, com os resultados que se conhecem, têm de ser chamados a responder pelas atitudes que não tomaram e pelas que tomaram e não deviam. Angola merece mais. Não culpem as intempéries. São inocentes. Haja quem trate delas em tempo oportuno.

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