Reportagem

Milhares de tartarugas devolvidas ao mar nas praias de Benguela e Namibe

Arão Martins / Benguela

Jornalista

Mais de 45mil tartarugas foram devolvidas ao mar, entre Janeiro e Outubro deste ano, no quadro do projecto Cambeú, desenvolvido nas praias do Lobito (Restinga e Compão), em Benguela, e do Soba, no Namibe.

22/12/2023  Última atualização 12H46
Mentora do Projecto Cambeú fala da importância das tartarugas © Fotografia por: Arão Martins | Edições Novembro | Benguela
Trata-se de filhotes de tartarugas nascidos sob os cuidados do projecto Cambeú, que tem como objectivo, para este ano, devolver, ao mar, até 60 mil tartarugas.

Segundo a mentora do projecto, Luz Lecor, na temporada passada foram protegidas mais de 200 tartarugas adultas, no decurso de 300 patrulhas nocturnas.

Luz Lecor informou que o processo de protecção das tartarugas começa com o patrulhamento na orla marítima e decorre à noite, período em que os animais aparecem na costa para desovar.

Além da protecção da espécie, o projecto está virado para a educação ambiental das comunidades pesqueiras, em especial, e das comunidades costeiras, em geral.

Início do projecto

Iniciado em 2017, o projecto Cambeú é assegurado por voluntários, sobretudo estudantes, professores e outros funcionários.

Luz Lecor, a mentora do projecto, informou que a acção começou a ser implementada depois de verificar a forma como as tartarugas eram tratadas na orla marítima.

"Notámos que havia necessidade de fazer alguma coisa para consciencializar a população e proteger esse animal tão apreciado”, disse.

O trabalho decorre, sobretudo, entre os meses de Maio e Outubro, com acções de sensibilização nas comunidades e preparação para a época da desova das tartarugas, que acontece em finais de Outubro.

Em Moçâmedes, capital do Namibe, existem equipas que se deslocam para outras praias, de barco, com o mesmo propósito.

 Processo de multiplicação

A tartaruga mãe chega à beira mar, normalmente, à noite. É neste período que as equipas percorrem as praias para protegê-las dos caçadores e conservar os ovos.

Para qualquer tartaruga identificada, segundo Luz Lecor, depois de ser localizada, tira-se as medidas e faz-se a marcação.

Antes de regressarem ao mar, as tartarugas deixam os ovos e a equipa entra em acção. Os voluntários desenterram os ovos e fazem a transportação com todo o cuidado, até às cubas feitas de caixa ou no berçário externo colocado em locais próprios.

Os ovos são conservados em diferentes temperaturas, um factor que vai influenciar no sexo da tartaruga.

Tartaruga oliva

Luz Lecor esclareceu que, das cinco espécies de tartarugas existentes, a oliva é a mais comum. "Das cinco espécies de tartarugas que se deslocam às praias angolanas para desovar, a oliva é a única espécie que existe, por enquanto”, explicou.

A tartaruga oliva, acrescentou, coloca em média 130 ovos por ninho. "É essa quantidade que normalmente recolhemos e colocamos no nosso berçário, esperamos mais ou menos dois meses para o rompimento dos ovos e faz-se o processo de adaptação”, aclarou.

Depois do rompimento do ovo, que acontece à madrugada, coloca-se a tartaruga numa banheira para que se fortaleça. Seguidamente, é transferida para uma piscina cheia de água do mar, onde fica durante algumas horas até ao momento da soltura.

No processo de multiplicação obtém-se, em média, mais de 90 por cento de sucesso em cada ninho. "A média é alta, diferente da natureza, onde os resultados são mais baixos”.

Outro factor de sucesso na obtenção de mais crias de tartarugas reside no facto de serem soltas entre às 11h00 e às 15h00. Justificou que, na natureza, quando o ninho sai à noite, elas vão directo para o mar e é neste mesmo período que os predadores ficam à espera.

Por isso, o processo de devolução das tartarugas decorre das 11h00 às 15h00, porque os peixes comem de manhã e as tartarugas ficam tranquilas.

"Neste intervalo de horas não há pássaros, tão pouco caranguejos na praia e as tartarugas podem entrar e ter mais chances de sobreviver, pelo menos, nessa primeira barreira”, esclareceu. 

Perigo de extinção

De acordo com estudos, estima-se que das 10 mil tartaruguinhas que entram no mar, somente dois a cinco chegam à idade adulta. "São números alarmantes. Então, cada vez que matamos uma tartaruga é um prejuízo enorme ao meio ambiente, já que o seu crescimento leva muito tempo e tem que passar vários perigos”, disse.

Tartarugas regressam à procedência

A responsável do projecto Cambeú esclareceu que a tartaruga que nasce em Angola pode percorrer todos os mares, visitar e alimentar-se noutros lugares, mas quando chega o momento da reprodução, mesmo depois de 10 ou 20 anos, dependendo da espécie, volta para a praia onde nasceu.

"Cada vez que vem uma fêmea desovar e é morta, está-se a acabar com a população de tartarugas em Angola”, alertou, acrescentando que cada país tem a sua população de tartarugas. "Quer dizer que as tartarugas do Brasil não vão desovar em Angola, tão pouco as de Cabo Verde. Todas vão desovar no seu país”, informou.

Importância das tartarugas

Luz Lecor afirmou que Angola e os outros países são obrigados a criar leis e programas para cuidar dos animais migratórios, entre os quais as tartarugas.

"Na água, as tartarugas são como as abelhas. Ao viajarem pelo mundo transportam muitos nutrientes, que servem de alimento para várias espécies”, disse.

"Quando maiores, elas viajam com as correntezas para se alimentarem em vários mares. Transportam muitos nutrientes nos seus corpos e carcaças, que vão alimentar outros seres que estão na natureza”, explicou a ambientalista.

Luz Lecor explicou que na natureza existem muitos predadores, mas as alforrecas (animais aquáticos que vivem dispersos no oceano com pouca capacidade de locomoção) só têm dois predadores, que são o tubarão e a tartaruga marinha.

Ao acabar com o predador delas (tartarugas), as alforrecas do mar vão continuar a reproduzir-se muito rapidamente, o que vai criar um desequilíbrio em todo o ecossistema, porque as alforrecas comem ovas de peixe em fase de crescimento, como o carapau, sardinha, douradas e outros peixes.

"O que acontece é que uma alforreca pode comer uma quantidade enorme de ovos de peixe que não vão nascer. Com um número maior de alforrecas no mar, a população de peixe vai baixar. Por isso, é importante sensibilizar os pescadores de que as tartarugas são aliadas dos pescadores, porque defendem os peixes”, sublinhou.

A mentora do projecto Cambéu referiu ainda que a tartaruga é imprescindível para a vida marinha. "Se acabarmos com a tartaruga marinha, estamos, automaticamente, a anular a sobrevivência de muitas espécies que são importantes, quer para o ecossistema, quer para a própria alimentação”.

Resultados obtidos

Luz Lecor considerou os resultados obtidos, até ao momento, positivos. "O objectivo é fazer com que, nos próximos 20 anos, possa haver mais tartarugas a desovar nas praias de Benguela”, salientou.

Outro indicador apontado pela mentora do projecto Cambéu tem a ver com o impacto junto das comunidades. Pois, a meta é fazer com que o pescador e a população que estão a ser informados sobre a importância da tartaruga sejam aliados da natureza, protegendo-as.

Financiamento do projecto

O projecto Cambeú precisa de mais de 10 milhões de kwanzas por ano, para o desenvolvimento das suas actividades, segundo a promotora.

O valor, disse, aumenta com a implementação do mesmo projecto noutras praias da província de Benguela.

Outra preocupação tem a ver com a legalização da associação que tutela o projecto, cujo processo já dura cerca de três anos.

Cambeú, esclareceu, é uma associação que foi constituída em França e está a tentar legalizar-se no país.

Com a legalização, frisou, vai ser possível receber  financiamentos para o alargamento e sustentabilidade do projecto, que considerou vital para qualquer país.

Sedeado no Lobito, o projecto tem estado a receber visitas de várias Embaixadas e empresas privadas interessadas em ajudar. "Muitos embaixadores já visitaram o projecto e querem financiar, só que, infelizmente, nós ainda não temos como receber fundos porque o projecto não está legalizado. Sem legalização, é impossível movimentar a conta bancária”, lamentou.

Luz Lecor explicou que o projecto é do conhecimento do Governo Provincial que, através do Gabinete Provincial do Ambiente, tem prestado apoio.

"Recebemos apoio para arrumar o dossier(de legalização) e levar ao Ministério do Ambiente. Mesmo na época da Covid-19, recebemos apoios para patrulhar as praias. Embora em contexto diferente, deram uma autorização especial, o que demonstra que o Governo está interessado e tem apoiado”, enfatizou.

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