Opinião

Montenegro/AD e o desafio de governar com estabilidade

Filomeno Manaças

Com os resultados dos círculos eleitorais da Europa e de Fora da Europa apurados na quarta-feira, ficou fechado o quadro das eleições legislativas portuguesas de 10 de Março. Os quatro deputados em disputa foram distribuídos, pelos votantes, em dois para o Chega, um para a Aliança Democrática (AD) e um para o Partido Socialista.

22/03/2024  Última atualização 06H00
Do total de assentos no Parlamento, a AD (PSD + CDS-PP) fica com 80 (79+1), o PS com 78 (77+1) e o Chega passa de 48 para 50. Com base nisso o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa decidiu indigitar Luís Montenegro, líder da AD, como novo Primeiro-Ministro para formar Governo.

As legislativas de 10 de Março produziram uma recomposição do quadro político português que vai ser interessante de seguir, porque, com a maioria relativa obtida, Luís Montenegro vai ter de se empenhar a fundo em negociações políticas com outras forças políticas para fazer passar as propostas no Parlamento. Por isso mesmo, alguns analistas receiam poder vir a instalar-se um clima de instabilidade governativa se, a um dado momento, e  na discussão de pontos concretos, estruturantes, não obtiver o apoio do partido de André Ventura e, por conseguinte, uma maioria à direita para viabilizar a governação, em caso de a esquerda, em particular o PS, condicionar os avanços.

O primeiro teste ao Governo de Luís Montenegro vai ter lugar quando for apresentado ao Parlamento o Orçamento rectificativo. PS e Chega já se posicionaram sobre o assunto. Pedro Nuno Santos disse estar disponível para viabilizar um Orçamento rectificativo da AD limitado a "matérias de consenso”, nomeadamente a valorização das grelhas salariais de alguns grupos profissionais da administração pública até ao início do verão.

Montenegro já manifestou satisfação em relação à essa posição, que, considerou, "encerra sentido de responsabilidade”.

André Ventura, por seu lado, afirmou que "se o orçamento rectificativo se cingir em matéria de correcção ao outro orçamento do PS a três ou quatro pontos, o Chega está aberto a verificar a possibilidade de o avaliar. Se equiparar o suplemento de missão aos polícias, se recuperar o tempo de serviço dos professores, se conseguir dar aos enfermeiros algumas das suas reivindicações históricas, se diminuir impostos, porque temos aqui uma altíssima carga fiscal... se este rectificativo conseguir dar sinais nestas matérias, o Chega está disponível para o avaliar e para o viabilizar”.

Luís Montenegro e a Aliança Democrática têm um caminho a fazer. Afirmar-se, de facto, como alternativa sólida ao PS, e isso tem de ser feito em curto espaço de tempo, enquanto Pedro Nuno Santos e o seu partido (perdeu 43 assentos) se recompõem da derrota eleitoral. Contas feitas, a título nominal, PSD e PS ficaram empatados, com 78 deputados cada. Dos 80 deputados conseguidos pela AD dois são do CDS-PP. Na oposição, o PS tem agora tempo para avaliar onde falhou, reformular a sua conduta e a sua imagem e se reposicionar politicamente.

PSD e PS não querem ver o Chega a fazer parte do arco da governação porque não reconhecem em André Ventura sentido de Estado para integrar o Governo. Para Montenegro, fazer um acordo com o Chega e integrá-lo no Governo seria abdicar de certos princípios e correr sérios riscos de, no plano diplomático, as relações de Portugal com certos países poderem ser afectadas. André Ventura afirmou, em campanha eleitoral, que se o Chega viesse a ser poder, não permitiria a entrada no país do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

É certo que André Ventura e o Chega não vão abandonar a sua matriz eleitoral. Quer para o seu líder quer para essa formação, começa agora um novo ciclo de campanha política. O Chega não vai desistir enquanto não chegar onde quer chegar, passe a redundância. Os 50 votos obtidos deram-lhe a garantia de que há espaço de progressão. Vai continuar a explorar a matriz eleitoral porque sabe que não é, ainda, o tempo da matriz governativa. Se um dia lá chegar vai ser confrontado com realidades que o vão obrigar a refazer muitos aspectos do discurso, sob pena de pôr em risco interesses supremos do Estado português. E isso é fatal, é imperdoável.

O campo político português não é composto apenas pela Aliança Democrática, pelo PS e pelo Chega. Há outros partidos, pequenos que sejam, aos quais é preciso prestar atenção, pela importância que, quer à direita quer à esquerda, desempenham no sistema democrático português.

A Iniciativa Liberal, formação de direita, conseguiu, nestas eleições, repetir o número de deputados (oito) que tinha obtido em 2022. É, na prática, um aliado natural da AD. À esquerda, o Bloco também ficou com o mesmo número de assentos no Parlamento (cinco). Já a CDU, que integra o PCP, perdeu dois deputados e ficou apenas com quatro, enquanto o Livre deu um salto, passando de um para quatro mandatos.

Com apenas um deputado ficou o partido Pessoas,  Animais e Natureza (PAN), de Inês Sousa Real, que conseguiu manter-se no Parlamento.

São formações políticas que não devem ser menosprezadas, porque, na hora de fazer alianças, podem fazer pender o prato da balança para a direita ou para a esquerda, consoante acharem mais apropriado para a defesa dos seus interesses.

                                        

                                                 *Jornalista

Comentários

Seja o primeiro a comentar esta notícia!

Comente

Faça login para introduzir o seu comentário.

Login

Opinião