Política

“O debate está aberto, que se discutam as propostas sem quaisquer tabus”

O ministro de Estado e chefe da Casa Civil do Presidente da República, Adão de Almeida, apelou para que a proposta de Lei de Revisão da Constituição, de iniciativa do Chefe de Estado, seja discutida sem tabus nem preconceitos. Seguem trechos da conferência de imprensa que serviu para apresentar as linhas gerais da proposta de revisão da Constituição

04/03/2021  Última atualização 07H51
© Fotografia por: José Cola | Edições Novembro
Até que ponto é que a revisão constitucional, se vier a acontecer este ano, condicionará, ou não, a realização das eleições em 2022, uma vez que estamos a sensivelmente um ano das eleições gerais?

Muito obrigado pelas questões. A primeira questão que me é dirigida incide sobre a revisão constitucional, se o timing condiciona ou não a realização de eleições gerais. Primeiro, convém notar que a revisão constitucional, no nosso sistema constitucional, pode ocorrer a qualquer altura,  a qualquer momento, excepto, por limites de revisão, chamemos circunstanciais, que são com vigência de situação de estados de guerra, de sítio ou de emergência.

Isto é, não havendo nenhuma destas três situações, não há impedimentos constitucionais para o timing da revisão constitucional, naturalmente, considerando, também, os limites de revisão constitucional de início temporário. No nosso sistema de revisão constitucional, uma revisão ordinária ocorre cinco anos  após a sua aprovação.
Esses cinco anos foram consumidos em 2015. Quer dizer que de 2015 para frente pode ser feito qualquer tipo de revisão constitucional quanto ao timing.  Quanto às balizas constitucionais, não há qualquer tipo de impedimento ou limitação nessa matéria. Nem é possível uma relação directa entre a revisão da Constituição e a realização de eleições.

Porque, em primeiro lugar, não há prazo para que, após a aprovação de uma revisão, sejam realizadas eleições. Isto é, pode haver eleição no dia a seguir à aprovação de uma revisão, por um lado e, por outro lado, porque o timing para a realização de eleições gerais é definido pela  Constituição.

Esses órgãos constitucionais, em funções, terminam o mandato em 2022 e a revisão não é um mecanismo susceptível de determinar a extinção do mandato em momento em que esteja a decorrer o debate sobre a revisão constitucional. Isto não é motivo para que se diga que não há realização de eleições. Não há qualquer relação, nem vejo qualquer possibilidade de uma revisão constitucional impedir a realização de eleições.

O que estamos a tratar especificamente é claro. É da necessidade que sentimos todos de actualizar a Constituição, para que corresponda melhor aos desafios que o momento impõe. E a grande diferença está em que esta matéria, por um lado, estava no plano das palavras. Muita gente falava da necessidade da revisão constitucional e, praticamente, não assumia a proposta sobre a matéria. Agora, decidiu-se abrir um debate e, naturalmente, po-derá trazer outros elementos que são susceptíveis de serem abordados.


A UNITA, na pessoa do seu presidente, Adalberto Costa Júnior, já reagiu ao discurso do Presidente da República. Elenca seis aspectos, segundo os quais  se houver revisão fora deste âmbito, entende que constituiria um verdadeiro golpe constitucional. Fala da eleição directa do Presidente da República, alteração dos símbolos nacionais, retoma da soberania da Assembleia Nacional... Gostaríamos de ter um comentário do ministro de Estado e saber se, também, eventualmente, entende que a revisão da Constituição seria apenas para protelar a realização das eleições, como também diz o presidente da UNITA.

Quanto a eventuais  reacções das declarações do presidente da UNITA não  as conheço e, portanto, não  consigo comentá-las aqui ao detalhe. Foi usada a expressão "golpe constitucional”. Confesso que também não sei o que significa. De qualquer forma, reitero aquilo que são as questões essenciais.
Primeiro, o mérito da iniciativa. Até agora não estava aberto um debate de revisão constitucional. A iniciativa do Senhor Presidente da República abre um debate sobre a revisão constitucional e permite a todos que tenham ideias sobre a matéria, que as tragam à mesa, para que, no Parlamento, este debate se faça.

Segundo, iniciar-se pré-temas, como temas incontornáveis, sem os quais não é bem sucedida uma revisão constitucional, não nos pa-rece o caminho ideal. O que adianta, neste momento, é colocar as propostas sobre a mesa. Uma vez aberto o debate, naturalmente que no Parlamento se apresente as propostas para serem discutidas. É uma boa oportunidade, porque determina os temas, em certo sentido tabus, que possam estar sobre a mesa e discutidas.

Sobre o excesso de poderes do Presidente da República é já um chavão. Fala-se muito sobre isso, mas, com frequência, não se apontam as situações onde há excessos. Acho que essa é, também, uma oportunidade para se dizer que há excesso aqui, ali e acolá e as situações alternativas para se eliminar onde há pretensos excessos. É esse o momento adequado e não a referência genérica de que há excesso de poderes do Presidente da República, sem se dizer onde estão.

Aquilo que são os poderes constitucionais do Presidente da República em Angola são poderes constitucionais universais para Chefes de Estado ou para titulares do Poder Executivo em  sistemas de governo de matriz presidencial ou próximo do nosso sistema. Portanto, o debate está aberto, que se discutam as propostas sem quaisquer tabus ou preconceitos.

Há cidadãos angolanos, com nacionalidade estrangeira, mas com pai e mãe angolanos. Podem apresentar candidatura e concorrer ao cargo de Presidente da República?

A situação dos cidadãos angolanos, com pai e mãe estrangeiros, é uma questão constitucional. Não é infraconstitucional, é preciso não misturar.
No domínio constitucional não há qualquer alteração. Nos seus termos, é  angolano quem é filho de pai e mãe angolanos de origem. Nos termos dela, os estrangeiros podem adquirir a nacionalidade angolano ou angolanos podem adquirir uma nacionalidade estrangeira.  Desse ponto de vista, não há quaisquer alterações.

As implicações  nessa matéria incidem sobre as inelegibilidades para o cargo de Presidente da República e, como dissemos, não  está proposta qualquer alteração constitucional nesse domínio, prevalecendo uma inelegibilidade, que já vem desde 2010,  de cidadãos que sejam possuidores de uma nacionalidade estrangeira adquirida. Esses cidadãos, nos termos da Constituição, são inelegíveis.
No  caso específico dos deputados é que há uma particularidade. Enquanto o Presidente da República tem que ser cidadão angolano de origem, quem não o é não é elegível.
Um cidadão estrangeiro que tenha adquirido a nacionalidade angolana pode ser deputado, sendo que só é elegível sete anos depois de a adquirir.


Porque é que os tribunais devem apresentar relatórios de contas  e os outros órgãos do Estado são submetidos a uma fiscalização efectiva dos órgãos competentes?

A relação de fiscalização política é a que ocorre entre órgãos políticos. E os órgãos políticos, no nosso sistema constitucional, são dois. O Poder Executivo  e o Parlamento.
Quando trazemos à colação os tribunais, não estamos a falar de órgãos políticos e, portanto, não faz sentido falarmos de fiscalização política. O sistema está construído para que todos os órgãos prestem contas. E prestar contas não significa estar sujeito à fiscalização política. Daí que o regime que está proposto é que todos os órgãos, nomeadamente os que estão sujeitos à fiscalização política, elaborem um relatório anual e esse relatório ser enviado ao Presidente da República e ao Parlamento.

Há aqui um reforço institucional no que respeita à aposição constitucional do Parlamento nessas matérias. Quer dizer que os mecanismos de fiscalização política não são aplicáveis na relação com o Poder Judicial.
Se o Parlamento pode chamar um membro do Governo para uma audição parlamentar; se o Parlamento pode determinar uma audição parlamentar a uma estrutura do Poder Executivo, já não pode chamar um  juiz para uma audição parlamentar em relação ao  mérito da sua função ou  quanto à sua intervenção jurisdicional. Porque os juízes não são fiscalizados politicamente.


A Constituição estabelece que o Vice-Presidente da República substitui o Presidente da República enquanto Titular do Poder Executivo. Por que não estender, também, as competências do Vice-Presidente da República para o exercício de outros poderes do Presidente da República, como o de Chefe de Estado e de Comandante-em -Chefe  das Forças Armadas?
 
No nosso sistema constitucional, o Vice-Presidente da República é o auxiliar directo e imediato do Presidente da República. Substitui-o nas suas ausências e impedimentos.
Naturalmente que a Constituição tem um recorte que define posições constitucionais do Presidente da República em vários domínios. No domínio de Chefe de Estado, Poder Executivo, mas, também, no domínio das Forças Armadas, no domínio das Relações Internacionais.

Portanto, por um lado, em termos iniciais, específicos, o Vice-Presidente da República é auxiliar na função  executiva e, naturalmente, em situações genéricas de ausências ou impedimentos do Presidente cabe-o substituir  nos termos do que a Constituição define.
Pergunta-se se não há alargamento dos poderes do Presidente da República. Não é um tema em relação a qual existam tabus na sua abordagem, mas como referimos, as intervenções que foram feitas visavam, no  essencial, clarificar a relação institucional entre o Presidente da República e o Parlamento, evitando espaços de interpretação dúbia, por um lado, e, por outro, reforçar o posicionamento do Parlamento em determinadas matérias.





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