Sociedade

O desafio de servir a sociedade e a família ao mesmo tempo

Engrácia Francisco

Jornalista

Com uma determinação que desafia os estereótipos, aos 37 anos de idade, Gorett Fernando assume o posto de comandante municipal da polícia Nacional de Talatona, em Luanda, quebrando barreiras e inspirando uma nova geração de mulheres na área da segurança pública. Neste cenário tradicionalmente dominado por homens, Gorett destaca-se não apenas pela sua competência, mas também pela sua coragem em enfrentar desafios e preconceitos.

13/03/2024  Última atualização 08H35
Comandante Gorett Fernando © Fotografia por: DR
Com a patente de superintendente-chefe, a oficial afirma que, apesar das responsabilidades no trabalho, consegue dar o carinho e atenção devida à família. Em 2016, Gorett deixou de ser apenas uma oficial da Polícia Nacional de Angola (PNA) e construiu a própria família.

Actualmente, casada com um colega de profissão e mãe de três filhos, afirma que consegue conciliar a vida familiar e policial. "A actividade profissional de fardas e botas, e o facto de sermos mulheres, tem cobrança maior, porque tem de  servir a sociedade e ao mesmo tempo a família. Mas tenho dito que é um sofrimento gostoso", afirma.

Natural do município do Cazenga, no bairro da Cuca, em Luanda, a superintendente-chefe Gorett Fernando é filha de pai militar e mãe professora, a mais velha entre cinco irmãos.

A oficial conta que quando está com os filhos explora o máximo possível, porque o importante não é só ter tempo, mas sim saber usá-lo. "Aquele pouco tempo que temos com os filhos deve ser para instruir, conversar, passar boa energia, motivar, corrigir aspectos negativos e, essencialmente, ser criança para que entendam que quem está aí é a mãe e não a comandante", disse.

Quanto à passagem do legado, Gorett avançou que os filhos não têm grandes opções porque estão ladeados por uma interferência policial pelo facto de o pai e a mãe exercerem a mesma profissão. "Todos os dias eles estão em contacto com a mãe e o pai fardados, por isso, não têm tantas opções".

Início da vida profissional

Aos 20 anos, Gorett recebeu o convite através de uma tia para ingressar na Polícia Nacional. Entusiasmada, a jovem não sabia o que responder, por isso, pediu 24 horas para tomar uma das decisões mais importantes da sua vida. Para ela, era a oportunidade de colocar em prática tudo que sonhou e idealizou em relação à corporação. "A minha tia era funcionária da Escola Prática de Polícia, que estava a disponibilizar vagas e ela convidou-me para fazer a inscrição".

Gorett confidenciou ao Jornal de Angola que sempre sonhou em ser polícia e a inspiração foi o pai que era militar. Ela conta que apesar da insistência do pai para que seguisse o ramo das Forças Armadas, sempre teve preferência pela polícia, devido ao contacto directo com o cidadão. "Outro detalhe que despertou a minha atenção foi a farda", disse.

Quando recebeu o convite para fazer parte da corporação, Gorett encontrava-se a leccionar no Ensino Primário, num projecto da Igreja Católica. Foi difícil abandonar as crianças para seguir um novo rumo, mas o desejo de ser polícia falou mais alto. Ela diz que não foi fácil, mas é uma mulher optimista e quando decide abraçar uma causa, raramente desiste.

Ela conta que, inicialmente, não teve a aprovação do pai, que sempre sugeriu que fizesse a Academia Militar das FAA, mas isso não a desmotivou, porque sempre contou com o apoio da mãe e de outros familiares. "Realmente, é uma vida de muita dificuldade, fome, sede, falta de sono, actividades físicas, um conjunto de acções realizadas no dia-a-dia que só quem tem força e vontade consegue chegar até ao final da formação", disse, acrescentando que nunca pensou em desistir.

Gorett lamentou o fato de o pai não ter tido a oportunidade de ver a polícia que ela se tornou, por ter morrido dois anos depois de terminar o curso básico de Polícia. "Lá de cima deve estar satisfeito com a filha que treinou e preparou para a vida".

A comandante do Talatona almeja chegar, um dia, ao cargo de comandante provincial. Para isso, coloca a fé e o trabalho árduo à frente de tudo. Segundo ela, o maior ganho foi crescer como ser humano e hoje percebe que precisa, a cada dia, ser melhor. "Nascemos com a missão de servir e precisamos nos doar todos os dias para que tenhamos uma comunidade onde as pessoas se sintam seguras", afirmou.

Gorett fez o curso de Educação no Instituto Médio Normal de Educação António Jacinto (INE), depois de terminar a formação, foi convidada por uma Organização Não Governamental (ONG) a dar aulas no Ensino Primário. Além disso, Gorett é uma das primeiras licenciadas do curso superior de Ciências Policiais, no Instituto Superior de Ciências Policiais e Criminais "General Osvaldo Serra Van-Dúnem” e tem outra licenciatura em Psicologia Organizacional. A oficial também é pós-graduada em Assistência Social e mestre em Segurança Pública.

Amor pela docência

Além da paixão pela farda, Gorett disse que sempre gostou de dar aulas, especificamente para crianças. Por falta de tempo para exercer a docência, a oficial diz que transferiu o gosto para a polícia e procura exercer no âmbito do policiamento de proximidade.

"A polícia tem programas que envolvem toda a comunidade, inclusive crianças e adolescentes. Sempre que tenho oportunidade, vou a uma escola ou creche, abordo crianças na via pública, porque as crianças são a esperança mais pura de um amanhã melhor, para termos uma sociedade mais equilibrada, justa e estável, é necessário prepararmos os menores", aconselhou.


Superintendente-chefe, Comandante Gorett Fernando

Sejamos mulheres solidárias

Para outras mulheres, a comandante aconselhou a não se deixarem ofuscar pelos homens. "Devemos parar de pensar que pelo facto de não ocuparmos cargos grandes, estamos a ser protegidas. Precisam enfrentar processos, assumir responsabilidades, estar na linha da frente para crescermos como mulher e assumir grandes desafios, porque é assim que se treinam os grandes profissionais".

Para a oficial é necessário que se cultive a solidariedade feminina, porque "quando uma mulher avança é ganho para todas”. "Somos poucas, por isso, precisamos levantar e apoiar umas às outras", apelou.

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