Opinião

Os cinco equívocos de António Costa

João Melo*

Jornalista e Escritor

As posições dos governantes e outros cidadãos com responsabilidades das antigas potências coloniais acerca da história do colonialismo dizem respeito, obviamente, aos cidadãos dos países que outrora foram por elas colonizados.

17/03/2021  Última atualização 06H00
Por isso, enquanto cidadão e intelectual angolano, acompanho-as sempre com atenção, pelo que li com interesse a entrevista do primeiro ministro português, António Costa, ao jornal Público, no passado dia 4 de Março, na qual o tema os seus desdobramentos foram amplamente abordados.
Para resumir e ir directo ao ponto, a entrevista em questão é uma contundente demonstração das dificuldades da sociedade portuguesa em lidar com o seu passado colonial e as respectivas sequelas, das quais a principal é, sem sombra de dúvida, o racismo (anti-negro, sobretudo). Da sua leitura, uma ilacção se impõe, inquestionável: a superação da mentalidade colonial da sociedade portuguesa ainda tem um longo caminho a percorrer.

Nessa entrevista, o chefe do governo português cometeu cinco equívocos de fundo. São eles:
Primeiro, a opinião de que a revisão das "barbaridades que todo o colonialismo comporta” - palavras dele - constituem uma alegada "revisão auto-flageladora” da história de Portugal. Como caluanda de gema, pergunto: como é, então? As "barbaridades que todo o colonialismo comporta” não devem ser revistas? Devem, como parece defender António Costa, continuar a ser glorificadas?
Segundo, a declaração de que a libertação colonial "foi simultânea ou consequência directa da libertação democrática do nosso país [Portugal]”. Isso, sim, é uma revisão ultrajante da história. A guerra de libertação nacional dos povos africanos (guerra colonial para os portugueses) foi a mola que acelerou e reforçou o combate anti-fascista em Portugal, transformando-o também em combate anti-colonial. Simplificando: a luta contra a ditadura ganhou maior fôlego quando a guerra colonial se tornou insuportável para os portugueses.

Terceiro, a afirmação de que o Portugal colonial "foi capaz de se miscigenar pelo mundo” e que, além disso, "desenvolveu uma capacidade grande de diálogo inter-cultural, inter-religioso”, como se isso tivesse sido um programa do colonialismo. Nem uma criança de cinco anos acredita nessa mistificação. É sabido que a agenda do colonialismo não era essa.

Sim, o colonialismo português, como foi um colonialismo de povoamento, pelo menos em alguns países africanos (além do Brasil, onde isso atingiu a dimensão conhecida), gerou dinâmicas que não podem ser negadas, pelo contrário, precisam de ser assumidas sem complexos. Mas converter isso numa bandeira da suposta "bondade” colonial de Portugal é, para ser gentil, ridículo. Quanto ao diálogo intercultural e inter-religioso, o esmagamento das línguas africanas e dos cultos religiosos bantus fala por si.

O quarto equívoco de António Costa na sua entrevista ao Público foi esta frase: - "Convém não esquecer que as Nações Unidas nos apontam sempre como um modelo de boas práticas na integração das comunidades migrantes”. A frase oculta uma verdade e revela outra: o chefe do governo português esqueceu-se, convenientemente, de mencionar as várias resoluções internacionais condenando a existência de racismo em Portugal; por outro lado, deu a entender que, para ele, negros em Portugal só imigrantes, esquecendo-se de toda a história do país desde cinco séculos atrás, para não falar dos africanos do norte (árabes e berberes), que estão em Portugal desde o século VII.

Finalmente, o quinto equívoco foi a equivalência, feita pelo primeiro ministro português, entre o activista Mamadou Ba, do SOS Racismo, e o líder da extrema direita local. Equiparar um cidadão (branco) que defende a deportação de portugueses negros a outro cidadão (negro) que se limita a defender as suas opiniões, por mais radicais que sejam ou pareçam, sem advogar a expulsão do país daqueles que não concordam com elas, além de um equívoco, é um acto falho esclarecedor.

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