Opinião

Os nossos filhos

Caetano Júnior

Jornalista

Os filhos são, muito provavelmente, a nota mais nobre de uma relação conjugal. Representam a aspiração suprema do casal, quer nascido da simples união de facto, quer saído do enlace celebrado à luz do matrimónio.

07/03/2021  Última atualização 11H01
Os filhos são rebentos capazes de ajudar a consolidar a comunhão entre dois seres humanos; são fundamentais para completar a alegria do lar. Também representam o "toque” para que a família permaneça unida e encontre razão para continuar a amar-se, proteger-se, compreender-se, tolerar-se, enfim, para manter a harmonia necessária.
Os filhos são, entre nós, um tão importante "activo”, que o par a quem falte pelo menos um chega a levar uma existência condicionada, pouco feliz, ou até amarga, marcada pela desolação, em dependência de como cada lar enfrenta a situação, que, em muitos casos, acaba por destapar um grandioso problema.

Numa casa onde faltam "rebentos”, o casal é capaz de fazer recurso a situações extremas, buscar o impossível para os ver nascer. É das situações em que o Homem, o Ser pensante, é capaz de perder o dom do discernimento. São inúmeros os relatos de situações, antes impensáveis, a que se submetem os candidatos a pais. É uma busca desesperante, no percurso da qual pessoas equilibradas, cultas, instruídas, enredam-se em meandros estranhos, abraçam circunstâncias inusitadas, para, enfim, verem "desabrochar a flor” tão esperançadamente regada e assim consolidar a existência conjugal.

De facto, fazemos tudo, ou quase tudo, para que a bênção nos bafeje com a procriação. E, quando somos atendidos, é igual o esforço que empreendemos para cuidar, agradar e compreender quem trazemos à vida. Muitas vezes, ignoramos a verdade, desprezamos alertas, fingimos que não reparamos nos sinais que chamam a nossa atenção para os perigos em direcção aos quais caminham os nossos meninos. É o nosso instinto protector a sobrepôr-se à realidade; é o amor dos pais que nos embacia a visão; que nos obstrui a audição; que nos impede de ver para lá do carinho e do afecto que sentimos por eles. São os nossos filhos, temos de os defender, quantas vezes cegamente.

Se representam a nossa bênção, o testemunho do nosso passado, a materialização do nosso legado, os filhos são também uma fonte inesgotável de preocupação e problemas. Principalmente quando habitam a alegre fase da adolescência/juventude, que lhes abre a porta para a exploração do maravilhoso mundo novo, antes privilégio dos seres que lhes deram vida e de poucos mais. É neste ambiente de descobertas que se acham soberanos e poderosos, ao ponto de pretenderem até sobrepôr-se aos progenitores.
De facto, hoje, filhos chegam a ser fonte de dissabores: desrespeitam, abusam, transgridem, impõem, desobedecem, enfim, conseguem que, no subconsciente de quem os trouxe ao mundo, habitem palavras de arrependimentos por o ter feito. Os filhos são, muitas vezes, referências negativas, pelo oportunismo ou pela ganância, quando, por exemplo, matam o pai para ficar com a casa. Também o são, em outras ocasiões, pela maldade e insensibilidade, porque agridem os pais, ou os deixam sem assistência. Os horrores praticados por filhos chegam-nos todos os dias e chamam a nossa atenção para a transformação negativa que se dá na consciência destes mais novos.  

Mesmo quando não são bárbaros, os filhos trazem outra natureza de aflição, não tão horripilante, é verdade, mas, ainda assim, assustadora. No alto das liberdades que acreditam ter conquistado por direito, chegam a viver como bem entendem: vão a festas, onde permanecem por várias horas; embriagam-se; fazem "rachas” em carros e equilibrismos em motos, desentendem-se, mesmo entre "amigos”, brigam, enfim, colocam a vida em perigo. Não pensam sequer na existência de risco que levam, nem na espera tormentosa de quem lhes quer bem. Em casa, os pais, angustiados, contam as longas horas e as duras madrugadas em claro, até ouvirem o ruido da chave fazer girar a fechadura e o umbral deixar passar a tão aguardada figura, às vezes a entrar aos trambolhões ou às apalpadelas.

Antes, foram muitas as idas ao quarto para ver se o filho já tinha chegado. Debalde! Depois das primeiras chamadas não atendidas, ouve-se apenas a mensagem gravada do telefone, a dizer que está "desligado ou fora da área de cobertura da rede”. Eles, os nossos filhos, são assim, não gostam de ser incomodados quando entretidos nas "vibes”, "batidas” ou perdidos em "cenários”. Quase sempre, só perdem tempo connosco para pedir dinheiro ou o carro - se o tivermos, claro -, que usam para saltar de festa em festa, madrugada dentro. Sentem-se "invencíveis”, quando estão na "drena”; não tremem, porque "tremem as folhas”. Dizem que não os compreendemos, que estamos ultrapassados. É verdade que vivemos um conflito de geração. Mas nós, os pais, temos um trunfo: falamos-lhes por experiência própria, sabemos como eles pensam e agem, já fomos como eles e usámos as mesmas artimanhas, embora em períodos e contextos diferentes, até incomparáveis. Mas estamos, nós, os pais, em vantagem. Eles nunca foram quem somos. E jamais serão!

Lágrimas caem-nos pelo rosto, quando nos damos conta da violência de filhos sobre progenitores; da expropriação da casa da mãe ou da usurpação de um bem do pai. Choramos também quando ficamos à espera, madrugada dentro, pelo filho, que demora a chegar e tem o telefone desligado. Temos receio de que o nosso comece a tocar, para anunciar a tragédia. São muitos os pais que já a viveram. Bom mesmo é termos, todos nós, os nossos filhos connosco, a desfrutarem das "liberdades”, com moderação e sem necessidade de desligar o telefone, o meio que nos deixa unidos todo o tempo.
Feliz o pai que não tem muito que lamentar de um filho.     

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