Entrevista

Proletário: “Houve uma época em que fiz uma certa revolução na nossa música”

Jaime Palana Kipungo, Proletário ou Man Prole, como é tratado pelos fãs (poucos sabem que o seu primeiro nome artístico era Jones James), pertence a uma geração intermédia da música angolana do pré e pós independència. Natural do Waku-Kungo, o seu sonho pela música começou a concretizar-se em 1972, na capital do país, no bairro Caputo. Com a independência, a 11 de Novembro de 1975, integra o Agrupamento Aliança FAPLA-Povo, mas é na década de 80 do século passado que conquista o seu espaço e se torna numa das principais referências da música nacional. Prestes a lançar o álbum “Carolina do Ebo”, Man Prole é um dos artistas mais populares do país e um dos vencedores do Top dos Mais Queridos. Nesta entrevista, Proletário revela pormenores do seu percurso artístico, assim como a vida do miúdo que aos 13 anos deixa o interior à procura de melhores condições de vida em Luanda. Detalha as motivações de alguns dos seus principais sucessos e, na parte final, Man Prole não conteve as lágrimas ao revelar as lutas que tem enfrentado para colocar no mercado o sucessor do disco “Caminha”. O seu próximo álbum tem o tema “Canote” na linha da frente como tema promocional. “Carolina do Ebo”, que conta com a produção de Betinho Feijó, é um disco que, segundo o autor, tem tudo para conquistar Angola

13/08/2023  Última atualização 08H00
© Fotografia por: Vigas da Purificação| Edições Novembro

Uma breve apresentação de Proletário...
Sou o Jaime Palana Kipungo, vulgo Proletário, um artista de profissão, natural do Cuanza-Sul, município do Waku no dia 24 de Março de 1957. Estou em Luanda desde 1970, vim de camião, quando tinha apenas 13 anos.

Quais foram os motivos que o levaram, ainda miúdo, a abandonar a terra natal?
Olha, antes de vir para a capital do país, saí pela primeira vez da minha comuna em 1967, porque perdi a minha mãe muito cedo, quando tinha cerca de  5 anos. Depois disso, passei a viver com a minha madrasta, mas em 1968 o meu pai também morre e, dadas as questões da nossa própria cultura, não fazia sentido continuar com a minha madrasta. O meu irmão mais velho,  apercebendo-se da situação,  foi buscar-me, porque trabalhava com um latifundiário na região de Calulo. Falo precisamente do Dr.Manuel Bravo, proprietário da roça Quiçala, na Cabuta. Lá fiquei uns quatro meses, depois tivemos de regressar à nossa aldeia, como ditavam as regras de trabalho do contratado, mas três meses depois voltei a Calulo e foi lá onde aprendi a música "Canote”, que tem estado a badalar ultimamente. Aprendi a história porque os mais velhos que trabalhavam na fazenda, aos sábados, depois do trabalho iam aos bairros nos "ambientes” com as populações locais. A minha permanência lá facilitou a adaptação em Luanda, porque Calulu é o único município do Cuanza-Sul que só fala Kimbundu.

Como foram os seus primeiros dias em Luanda?
Não foram fáceis. Quando cheguei estava a trabalhar na zona da Dona Amália, no Rangel, para uma determinada pessoa e não fiquei a gostar do modo como era tratado. Então, um certo dia peguei nas minhas bicuatas e fugi, pondo-me em direcção à Avenida Brasil à procura de emprego na Baixa. Eu saí do Rangel por volta das 15 horas, mas não consegui nada e neste dia dormi debaixo da ponte do São Paulo. Havia um túnelonde passei a noite normalmente, como se não tivesse problemas. Quando acordei, peguei na minha sacola e voltei a caminhar à procura de emprego, até às 13 horas. Eu estava cansado e com muita fome, porque há quase dois dias que não comia nada.

Como superou esta situação?
Na época havia nos Combatentes o Prédio 159 e o mano Segunda Pinto trabalhava lá como contínuo. E, quando estava a largar do serviço, deparou-se comigo e perguntou o que estava ali a fazer. Disse que estava à procura de emprego e ele aconselhou-me a ir à Voz de Angola fazer um anúncio, de forma a encontrar algum familiar. Disse que os brancos não aceitavam empregar quem  não fosse recomendado por pessoas conhecidas. Depois de tudo isso, levou-me  à sua casa na Precol,  mas antes fomos a  casa de uma sua irmã, Domingas Manuel Rocha, no Marçal, na zona da rua da Brigada. Nunca me esqueço desse dia, porque ela tinha acabado de fazer o almoço, que era funge de bombó com feijão de óleo de palma e peixe espada. Foi a minha primeira refeição depois de dois dias sem comer nada. Para mim, aquilo foi um manjar dos deuses.

 Mas depois as coisas começaram a mudar?
Sim. Na Precol, em casa do mano Segunda, encontramos a mana Esperança, a esposa, que me recebeu com muito carinho. Disse que não havia problema e que podiam ficar comigo. Fiquei com eles durante dois anos. Conheci a mana ConceiçãoManuel Rocha, a mãe do nosso Avô Ngola, e tornei-me da família. Eles foram, e são, pessoas muito especiais para mim.

 Perdeu, definitivamente, o contacto com os familiares de sangue?
Um dia encontrei um dos meus primos em Luanda, perguntou-me com quem estava a viver. Depois das explicações ele pediu para o levar a casa do mano Segunda Pinto, para pagar alguma coisa. Mas este disse que não havia nada a pagar, porque hoje era eu, amanhã poderia ser um dos seus filhos. O meu primo recebeu esta mensagem com profunda admiração e muito agradecimento. Sempre fui tratado como um filho querido, por isso não me esqueci de os homenagear, incluindo-lhes em "Canote”, tema promocional do disco.

 E como nasce o seu gosto pela música?
Decidi optar pela carreira musical ainda em casa do mano Segunda na Precol, mas ele nunca acreditou que um menino que conhecera com uma mochila às costas e sem onde ficar se tornaria um cantor como sou hoje. Eu dizia que um dia seria cantor, fui ao Kutonoka, vi o Minguito da harmónica, Artur Nunes, David Zé e o kota Elias dya Kimuezo a cantar, enquanto engraxava sapatos no campo da Académica. Gostei muito, mas o mano Segunda continuava céptico, dizia que não iria conseguir. Fiz tudo para tornar-me artista. O tempo foi passando e cresci.

Quando passou a ser mais ambicioso?
Em 1972 vivia no Caputo, ali nas zona dos Congoleses, onde eu reuni alguns amigos do bairro e formamos um grupo com latas, batuques improvisados e solos na boca, com o Caculo. Eu cantava e as vizinhas aplaudiam e ficavam felizes. Depois surgiu a entrada para os conjuntos reais e fui para o Surpresa 73. O responsável era o Nzo Yame, o solista o Chachado. Ensaiei no Centro Social do São Paulo. Entrei por via do Pepé, um promotor musical que trabalhava no Sporting do Rangel, actual Ngongo. Recordo que um dia, sábado, fomos assistir a uma matiné e eu pedi para cantar no Kutonoka, mas o Pepé disse que eu era miúdo E mandou-me ensaiar com o Surpresa 73, para actuar na semana seguinte. Assim aconteceu. Foi uma boa apresentação e ofereceram-me rebuçados. Deste modo comecei a acreditar e passei a actuar em diferentes palcos. No Maria das Escrequenhas cantei junto ao Chandinho Show, um artista bastante conhecido mas que era também de palmo e meio. Também fui acompanhado pelos Ases do Prenda.

Fale da sua entrada no agrupamento FAPLA-Povo...
Com a Revolução dos Cravos, no dia  25 de Abril de 1974, as coisas não corriam bem, mas depois que os movimentos apareceram na capital tivemos que incrementar as actividades culturais, cantando músicas de sensibilização e apoiando, no meu caso, o MPLA. E é assim que depois de tudo, pela mão do Hildebrando de Jesus Cunha, em  1975 entrei no Agrupamento Aliança FAPLA-Povo, onde fiquei mais de oito anos. Era um agrupamento sob tutela da Direcção Política das Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA), pertencente ao Gabinete de Agitação e Propaganda do MPLA. As músicas revolucionárias eram apreciadas para mobilizar as massas a aderirem ao movimento. Fui aceite e cumpri a minha vida militar a cantar em vários pontos do país, desde Benguela, Cabolongo a Castanheira de Pêra, para sensibilizar a tropa e a população, até que passei à disponibilidade.

Era o Jones James,nesta altura?
Sim, mas como eu cantava uma música que falava do proletariado e as pessoas gostavam, porque estava na moda cantar política... Sempre que cantasse a música "Proletariado”, as pessoas em vez de me chamarem pelo meu nome artístico, que era Jones James, chamavam-me Proletário e foi assim que o nome pegou, com os falecidos David Zé, Babulu, Zeca Pilhas Secas e outros que o faziam durante os ensaios e noutros momentos.

Quais foram as suas músicas da época do FAPLA-Povo?
Gravei as minhas primeiras músicas em 1978, designadamente "Mãe África”, que  falava de Marien Ngouabi, "Escravatura”, "Infelicidade”, "Ian Smith”, "Sandra” e "Vavó Dya, Vavó Yami”. Essas músicas foram todas gravadas no mesmo dia. Comecei no início da tarde e terminei por volta das 16 horas. Anote bem,  às 19 horas já estava famoso (risos). De volta a casa receberam-me com muitos aplausos, porque a rádio já tinha divulgado "A escravatura” e "Mãe África”. Assim comecei a ganhar fama e muito prestígio. Foi algo maravilhoso.

 Depois desta fase a fama aumenta. Como as coisas aconteceram?
Sim. Fui convidado pelo Dionísio Rocha, que na época estava a representar o programa Bom Fim-de-Semana, com os espectáculos que eram realizados no cine Miramar. Fui convidado com os Jovens do Prenda, depois de ter passado à disponibilidade militar. Neste evento apresentei "Uaué minha mama”. Foi a primeira vez que cantei na língua ngoia. Também "Madó” e "Ingratidão”. Estes três temas levantaram-me bastante depois de ter passado pelo FAPLA-Povo. Depois disso,  chegou o momento de compor o "Man mano”,  que me deu a vitória no Top dos Mais Queridos, em 1983.

 "Uaue man mana”,que muitos tratam como"Mama kudilongo”?
Exactamente, porque cada um dá o nome de acordo com a sua percepção, mas o título original é "Uaue man mano”. Este tema marcou muitas mães, fez chorar muitas senhoras. Tanto este como "Madó” fizeram sucesso. "Uaue man mano” fez-me conhecer Portugal a convite do Bonga Kwenda, que, ao saber deste menino que estava a fazer sucesso em Angola, fez questão de me convidar para um festival dos Palop, onde fui com Os Merengues. Na ocasião fiquei em primeiro lugar como cantor e os Merengues em primeiro como banda.    
No corpo de jurados estavam o Bonga e o Manu Dibango, de feliz  memória. Como o Mano Dibango primava muito pela africanidade, quando acabei de cantar, encostou com o saxofone, abraçou-me e chamou-me de "Cantadoró”.

A música tem um estilo de fusão, um afropop. Como surgiu a ideia?
Eu sempre fui versátil e procurei conquistar quer a juventude, quer os mais velhos. E através das minhas composições e melodias sempre introduzi um perfume juvenil na música, para juntar o útil ao agradável. Naquela época todo o mundo estava colado à Rumba, Semba, Cabetula e outras coisas, mas eu apareço a cantar o "Uaue man mano” comum ritmo totalmente diferente e faço uma revolução. As pessoas não falam, é normal, porque só o fazem depois da gente desaparecer da Terra. Quando estamos em vida fingem que não estão a ver o que estamos a fazer. Eu posso mesmo dizer que houve uma época que fiz uma certa revolução e a partir daí as pessoas começaram a modernizar, a fazer uma nova música e a apostar naquela linha melódica da terra. Esta iniciativa  e criatividade fez com que ganhasse o Top dos Mais Queridos.A captação foi feita ao vivo pelo Ferreira Marques, o nosso Jesus Cristo, no cine Karl Marx, e o acompanhamento pelo Semba Tropical. Esta é a melhor gravação. Depois começou a bater tanto que depois de sair de Portugal fui convidado para ir à Líbia.

 Man Prole não estava em Angola na fase da votação. Como soube que estava para ganhar o Top?
Foi o Artur Arriscado, grande técnico da CT1, quem me avisou, porque ele acompanhou todo o processo desta música. Eu estava na Líbia, na época o falecido Khadaffi lançara o Livro Verde, e, novamente com Os Merengues, fizemos lá 15  dias. Era um tempo em que as pessoas tinham de recortar os cupões no Jornal de Angola e depois com a metade votarem. O Arriscado  se apercebeu que eu estava muito acima, e ganhei realmente o Top dos Mais Queridos. Digo que não foi como agora, que muitos consideram batota ou com arranjos. Fiquei muito feliz, porque estava fora do país a curtir nas bandas da República Jamahiria (das massas) da Líbia. Terminamos o festival e depois vim para participar na gala. Ofereceram-me uma passagem para o Brasil, onde fiquei um mês. Fui com o Robertinho, meu amigo, que fez tudo também para viajar.


Tem muita cumplicidade com o Robertinho. Quando e como o conheceu?
No Marçal. Ele praticava alfaiataria e eu era marceneiro. Foi numa fase em que os brancos tinham ido embora, os armazéns ficaram abandonados e nós fizemos daquilo o nosso ganha pão. Comprávamos tecidos para vendermos nas ruas e foi assim que conheci o Robertinho. Depois ficamos a  conhecer-nos melhor no FAPLA-Povo, ele era corista e baterista. Fizemo-nos amigos e até hoje temos uma relação indestrutível e que carrega muita história.

 
Por isso vocês assumiram, no Show do Mês, que asseguraram a música angolana durante uma época...
Olha, antes do fraccionismo a banda que se fazia ouvir era o Kissanguela, mas depois esta desapareceu, e, como nos encontrávamos no FAPLA-Povo, a nossa actividade não parou e estávamos em constante contacto com a tropa e a população. Quando as coisas começaram a tomar estabilidade no contexto político e social, nós estávamos a fazer um barulhozito, entre 1986 e 1987.

Como surgiu a banda Xamavu?
Eu, Robertinho e o António Paulino éramos oficiais na reforma e naquelas passagens que eu fazia na Caixa Social do Exército fui pedir audiência ao General Xietu, para pedir-lhe patrocínio, porque estava a gravar as músicas para um disco. Ele disse que as coisas não estavam bem.  Depois da conversa eu saí triste, penso que ele não me conhecia bem, porque parece que ele perguntou à secretária quem eu era e de seguida ligou quando eu já estava a descer as escadas.  Quando voltei a colocar a questão foi mais positivo, ele é uma pessoa de grande coração. Depois perguntou também pelo Robertinho e pelo António Paulino, porque sabia que eles também eram da Caixa Social. Foi assim que o Chefe Xietu e o general Lucas decidiram criar a Banda Xamavu, porque eles queriam criar um grupo que no futuro poderia dar-nos estabilidade. Foi nesta perspectiva que foi criada a banda, para apoiar todas as actividades culturais nos quartéis. Fomos nós que praticamente inauguramos todas as unidades da Caixa Social  nas províncias. Gravamos dois discos, "Tempestade” e "Kimbombeia”. A Banda Xamavu tinha grandes músicos, alguns deles provenientes dos Jovens do Prenda, casos do Zé Luís, Pirakandam e Charles Bunga. Éramos muito fortes e até hoje nós, antigos integrantes, nos interrogamos por que razão é que acabou.

 Noutra edição trouxe "Sanguenguenga”, também um estilo diferente...
Sim. As pessoas não estavam preparadas para ouvir este tipo de música. E eu, mais uma vez, dei um salto qualitativo porque estes, às vezes, têm de ser pesados segundo as circunstâncias. Mas agora as pessoas gostam desta música. Perguntam como foi possível ter ido buscar este ritmo, é um tema muito bonito e eu penso fazer uma nova roupagem, mas sem fugir muito daquele estilo. "Sanguenguenga” surgiu na minha terceira corrida ao Top dos Mais Queridos, mas antes, na segunda, eu tinha preparado o "Manuel Cayanda”, que foi outro grande sucesso de Cabinda ao Cunene, tanto assim que me lembro  que num Natal quase todas as casas tocavam esta música. Depois, é um ritmo que tem a ver com as danças tradicionais da minha banda.

"Manuel Cayanda” é outra homenagema um conterrâneo seu?
Sim, porque segundo a história dos mais velhos ele foi um indivíduo que fez muito sucesso na Gabela. Eu digo Manuel Cayanda porque não quis tocar directamente no seu nome, dizem que é o Manuel Catambi, mas eu não quis citá-lo na altura para não chocar porque, talvez, lhe poderia ferir e eu não queria problemas. Segundo a história, o próprio Manuel Catambi está entre o Ndongue e Capundi, dizem que nos anos 60 fez muito sucesso. Era uma pessoa de muitas damas e uma delas, naquela de o procurar, perdeu a perna na travessia de um rio. Quando fiz esta música eu previa ganhar também o Top dos Mais Queridos, mas no acto de preparação, com Os Kiezos, houve uma pressão, porque existiam alguns artistas, que não vou citar os nomes, que não me deixavam ensaiar e fazer o trabalho à vontade. Fiz tudo às pressas, saí e fiquei triste, porque a música não foi preparada como eu queria. Nestas circunstâncias, o Mamborró aparece e ganha o Top dos Mais Queridos na Ilha de Luanda. Quando vi que ele venceu eu chorei porque estava preparado com o "Manuel Cayanga”. Mas qual foi o meu espanto, depois de eu ter perdido a música tornou-se muito consumida, quer dizer, apesar de perder, ela se tornou um grande sucesso.

Proletário é um exemplo para os músicos do Cuanza-Sul. Que avaliação faz dos músicos do Cuanza-Sul?
Os artistas estão a evoluir bastante, assim como a empenhar-se e com vontade de conquista. É importante aqui dizer que nós sempre estivemos em peso e houve uma altura que era o Cuanza-Sul que estava a mandar em termos de música. Por exemplo, a minha fase, depois vem a do Mamborrô. Mesmo neste momento estamos em alta eu, o Yuri da Cunha, o kandengue Gerilson Insrael, Kumby Li Xya e outros. Aconselho aos grandes empresários que dêem mais atenção à província, porque lá para se conseguir patrocínio é muito difícil para os artistas locais. E isto não é bom. As manifestações culturais e a música em particular fazem crescer e podem ser uma fonte de divulgação e publicidade de uma região. As pessoas não devem desprezar isso e nós, cantores, estamos aqui. Por exemplo, quando falei da Conda, em 2006, foi uma forma de promover o município e é também uma forma dos investidores, e não só, conhecerem o país. Falei do Waku-Kungo no "Scania 111”. Este é um sentimento que eu tenho, de falar da minha região. As pessoas não se dão conta disto e pensam que sou maluco. A música é muito mais do que as pessoas pensam. Infelizmente, durante esses anos os apoios na minha terra não foram fáceis e lá há grandes empresários. Mas neste disco "Carolina do Ebo”, as primeiras pessoas que me deram a mão foram o jovem Domingos Matias, que me perguntou o que faltava para colocar um disco no mercado, e o engenheiro António Maria Bravo.


Também lançouo "Man Prole”.
É um beef do passado?
(Risos). O problema é que havia alguns artistas que se estavam a autodenominar Proletário, mas quando no jogo ou na música aparecem duas pessoas com o mesmo nome isso não fica bem. E mesmo em termos de direitos há uma confusão. Procurei estabilizar para me diferenciar daqueles que queriam "invadir” o meu nome. Via o meu nome até escrito nas paredes. Eu era muito acarinhado, sentia isso quando passasse em bairros como Rangel, Sambizanga e outros, onde todos gritavam. E é por isso que até hoje procuro passar despercebido numa determinada área, mas as pessoas me reconhecem, mesmo à noite sem luz e iluminação, e eu fico admirado, assim como aqueles que estão comigo. É isto que retrato nesta música, é um facto real. Eu digo que a malta até já conhece a minha sombra.

 Outro tema que marcou muito é o "Scania 111”...  
É uma das pesquisas que fiz no Cuanza-Sul, no Waku-Kungo. No passado adquirir roupas e outros meios era difícil e acontece que um dos camionistas vinha de Luanda, e, como conhecia as carências do interior, ele saía da capital e levava coisas atraentes. No Waku conseguiu atrair a Cahinda, a esposa de um agricultor. E este, de regresso a casa depois da lavoura, encontrou as portas fechadas. Pergunta à vizinha o que se estava a passar e esta diz-lhe que viu a sua mulher a conversar com o motorista do camião. Logo, o marido ficou muito consternado com a situação, porque a mulher também tinha levado a sua primogénita. Ao longo da música, o homem questiona o paradeiro da esposa e se a filha ainda está viva, por causa do jipaúlo. Era muito complicado sair do Wako-Kungo para Luanda, porque tinha de se atravessar o rio Kwanza e lá estavam os tropas que pediam "papel com foto” e não deixavam passar ninguém sem a guia de marcha. E ele nem Bilhete de Identidade tinha, portanto, não tinha condições para sair à procura da esposa Cahinda e da primogénita Humba.

Outro tema interessante é o "Kimbombeia”...
A história da Miquelina, que na verdade é a Quenquele, porque em Luanda a chamavam desta forma. Tudo começa da seguinte forma: ela contraiu o matrimónio e depois o marido sai da Conda e vem para a capital do país,  onde arranja emprego e cria condições para ela. Em Luanda, a mulher  conhece novas amizades e do mesmo modo a vida e os ambientes. Começa a desprezar o marido, saía sem cozinhar e diziam-lhe que ela ia para a Ilha. E esta situação provoca confusão.

 Por isso é que dizem que você ataca as mulheres do Cuanza-Sul?
Eu não ataco, apenas apareço como uma figura sensibilizadora. Procuro chamar a atenção das pessoas para que situações deste género não aconteçam, porque têm acabado em grandes desastres. Eu apareço de forma reconciliadora, para uma convivência mais saudável. Esta é a minha missão como artista.Não invento nada, conto aquilo que, de facto, acontece numa determinada sociedade. Apareço no meio da situação como mediador, só que algumas pessoas fazem confusão, dizem que o Proletário está a atacar. Mas não. Não devemos esperar que as coisas más aconteçam, devemos preveni-las.

Tudo isto por causa da história da Lemba, a senhora que o abandonou e continua a sufocaro Man Prole?
(Risos). A história é fictícia, é um conto. É uma mulher muito linda e o homem não sabia se conter e acontece que um vizinho se apaixona pela Lemba. E como ele tinha alguma massa optou por viver em Lisboa e faz um grande investimento na mulher. Mas lá outro vizinho se apaixona pela Lemba, que abandona o marido.

 Fale de "As Kizombas”, a música que fala da mana Júlia que tem a saia que mata homem...
Está no projecto "Criança Futuro” e foi um convite do general Miala que queria que eu colocasse um tema no disco. Compus e houve a necessidade de sermos dois artistas a cantar esta música e preferi que fosse o Yuri da Cunha, porque era importante que o nosso povo do Cuanza-Sul soubesse que estamos unidos. Temos a responsabilidade de congregar o que é nosso, mas sem a intenção de sermos tribalistas. Foi a perspectiva deste tema, que é de minha autoria com a participação do Yuri da Cunha.

Parece que o sucessor do disco "Caminhada” está a chegar...
Sim, tirei o disco em 2015 ou 2016, numa produção do Adão Filipe. E tenho já gravado o "Carolina do Ebo”. Agora estamos a lutar para o lançamento. O disco está na fase de edição e na fábrica as coisas também estão a avançar.

Fale do processo inicial...
O disco começou a ser produzido cá com a Banda Xamavu sob tutela do grande maestro e hoje falecido Charles Bunga  (Proletário põe-se a chorar). Tenho boas lembranças deste disco. O seu começo e todo o processo foi com muito sacrifício. Dou graças ao chefe Mingo, chefe Bravo, ao Dr. Maiato, Dr. Paulino de Sousa... Agora na fase de acabamento e edição estou muito honrado com a Fundação Brilhante por me dar a mão para que o meu disco apareça no mercado. Isto não é fácil. Agradeço bastante a sensibilidade destas pessoas. Isto não tem medida. Enfim, dizer que é através deles que o meu disco se vai tornar um facto concreto, tenho esta garantia neste momento que falo.

Quantas músicas tem o disco?
São doze faixas musicais, dentre as quais "Lemba”, "Canote”, "Babilónia”, "Ndali poppia”, "Kuele kuele”, em lingala, "Minga”, "Carolina do Ebo”, "Love Lami” e "Scania 111”.

 Porquê "Carolina do Ebo”?
Eu e o amigo Domingos Matias fizemos uma homenagem. É o nome da sua irmã. Ele disse que a mãe gostava muito da música "Scania 111”, ele é um fã do Eduardo Paim por causa da mãe e disponibilizou-se em ajudar-me. Quando um dia contou a história da irmã, que morreu quando ele estava a estudar no exterior do país, decidimos homenageá-la, porque era uma pessoa muito especial, menina de alta consideração na comunidade, tanto pelos mais velhos como pelas crianças. Por isso deveria merecer esta honra, conforme mandam os hábitos e costumes da nossa região, onde as pessoas com relevância, como os sobas e regedores, os seus restos mortais são depositados por cima de uma grande rocha. E é isto que cito nesta música que já está a dar que falar.

 Apresente aos nossos leitores algumas das músicas desse disco...
O "Kuele kuele” é uma música que me foi vendida pelo falecido trompetista Domé, em 2004, e desde então eu fui criando e analisando, nunca tive pressa de divulgá-lá, mas agora neste disco achei o momento oportuno para estar inserida no projecto. Eu e outras pessoas que participaram transformamo-la e é um tema muito sacudido e das mais bonitas do meu álbum, é uma bomba de neutrões. "Minga” é um lamento que fala da mulher que se despista do seu amante e parte para outra relação e este diz que agora há-de tratá-la por um outro nome, mais pesado. "Love Lami” é um tema em umbundu que fala de um adolescente que nenhuma moça o aceita na comunidade como namorado e ele lamenta não conseguir arranjar uma parceria. Mas quando se apercebe que o irmão se vai casar pede que não haja chuva durante a festa, porque talvez apareça alguém que ele possa conquistar ou que lhe venha a amar. "Babilónia” é um incentivo que eu faço às pessoas que se dedicam à agricultura e é um desincentivo à corrupção.

Este disco foi um grande desafio para o Betinho Feijó, o produtor...
Somos amigos de longa data, aliás fomos juntos a Portugal em 1983 pela primeira vez e ele era a pessoa que se dispunha a passear comigo. E quando ele foi viver em Lisboa a amizade sempre prevaleceu. Então, depois de ter feito as bases para gravar o disco, decidi que o Betinho Feijó seria a pessoa ideal para produzir o disco,  em função da qualidade do seu trabalho, como foi o caso do primeiro disco da Patrícia Faria. Numa das vindas dele a Luanda nos cruzamos e manifestei essa intenção. Com o apoio de algumas pessoas viajei para Lisboa, onde acertamos. Fiquei sob custódia do engenheiro Bravo e do Domingos Matias, que suportaram a minha estadia. Olha que o valor inicial nem chegou, porque tivemos que alterar algumas músicas, principalmente o "Minga” e o "Scania 111”, e tivemos que gravar duas músicas. Foram sete meses. Fui em Fevereiro de 2019 e só voltei em Outubro do mesmo ano. Foi um grande trabalho, de muito sacrifício. Tiro o chapéu ao Betinho Feijó, porque se ele quisesse despachar ficaria pouco tempo, mas ele questionou a minha posição no contexto social. Ele disse "tu és o Proletário e a tua música deve ser bem trabalhada, porque doutro modo eu também serei mal falado”. Foi um  grande desafio e ele continua a trabalhar com todo o amor, tem sido uma pessoa muito atenciosa e séria ao longo de todo este processo. E eu só tenho a agradecer.

Nós também só temos a agradecer, por partilhar connosco parte da sua vida...
Não vamos parar com o lançamento do disco. Aos amantes da minha música e da cultura angolana, digo que tenham esperança que as coisas vão acontecer e que estão a ser bem preparadas. E aproveito para agradecer a todos que estão envolvidos nesta luta, em especial ao chefe Domingos Matias, ao engenheiro Bravo Neto, ao Dr. Bruno e à Fundação Brilhante pelo carinho e apoio que estão a dar nesta última fase. O meu obrigado também aos órgãos de comunicação social, que têm estado a divulgar as minhas músicas  promocionais. 

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