Cultura

Romantismo à mwangolé

Analtino Santos

Jornalista

Reconheço que não tenho simpatia pelo Dia dos Namorados nem pelo seu padroeiro, São Valentim. E não acho graça a estas efemérides que antes foram pagãs, agora são cristãs-católicas e são acolhidas pelos Estados laicos para entreteter os seus cidadãos e desta forma alavancar as grandes marcas e negócios. O lado positivo é que aumenta a renda de alguns cidadãos comuns.

14/02/2021  Última atualização 08H30
© Fotografia por: DR
Voltando à vaca fria facilmente se chega à conclusão que o verdadeiro engajamento da música angolana é o amor e não os temas revolucionários e outros marcadamente panfletários, que, numa determinada época histórica, marcaram as nossas melodias e ritmos.
Os grandes da nossa música sempre exaltaram as kalumbas, as novas bessanganas, as reais divas. Para começar faço alusão a "Kalumba” de Elias Dya Kimuezo, assim como à canção homónina de Sofia Rosa. Ambas, segundo os entendidos no Kimbundu, são fortes declarações de amor. Dualy Jair, no seu tempo dos Kambuzidos, no seu Kimbundu afinadíssimo, também cantou "Kalumba”. Ainda do Rei Elias encontramos "Madalena”, que Abel Dueré adaptou mesclando o nosso "love” com o "mor” brazuca.

Um tema que marca os corações angolanos e perdura mais de meio século após o desaparecimento fisico do seu autor, Luís Visconde, é "Choffeur de Praça”, uma bela crónica social da realidade dos musseques luandenses no tempo da outra senhora. Outra canção que continua a fazer os corações angolanos palpitar é "Belita” de Artur Adriano, num grande momento de inspiração de Quental, irmão de Luis Visconde. O chará Artur Nunes também entra na mesma onda em "Belita”, que ganhou uma versão da irreverente Irina Vasconcelos.

Os outros dois integrantes do trio da saudade, David Zé e Urbano de Castro, têm vários temas que apelam ao mais belo sentimento humano, o amor. Do primeiro encontramos "Sofredora”, "Candinha” e "Maria da Horta”, canções que têm sido remontadas pelas novas gerações, nem sempre com o sentimento que agrada aos mais puritanos. Ainda no clima de retrospectiva encontramos temas concebidos fora do centro que é Luanda, como "Lena” dos Bongos do Lobito e "Celestina” dos Cabinda Ritmo, autênticas paqueras, sem esquecer "Belita Kiriri” dos Ngoma Jazz. Distante da terra que o viu nascer, no histórico LP "Angola 72”, Bonga Kwenda em "Kilumba Dya Ngola” fez ecoar uma mensagem onde o clamor revolucionário combina com a saudade da amada.


A voz do romantismo

Pedrito é a principal referência do romantismo em Angola. Não foi por acaso que nas primeiras edições do Top do Mais Queridos os ouvintes da Rádio Nacional de Angola votaram nele, em canções como "Massi”, "Vaso Quebrado”, "Kilumba”, "Raio Azul” e outras. Com o tema "Realidade”, eterno hit do romantismo nacional, destronou outro papão das músicas para muxima e kalumbas, Carlos Baptista, que tem como principais sucessos "Enquanto Espero” e "Imaginação”. Através das suas composições o homem foi um galã do seu tempo.

Depois do forte engajamento na nação revolucionária Santocas cantou a desilução do casamento em "Matrimónio” e, tempos depois, Toy Salgueiro trouxe uma história bem angolana em "Tentativas”. Estamos nos anos 80 e a juventude inova. Os Afra Sound Stars cantam o amor em "Mulata” e "Menina não chores”.  Clara Monteiro tem as suas impressões vocais no romantismo com "Telefone”, que contou com um videoclipe inovador na época, assim como Zizi Mirandela com o seu "Cela Desilusão”: Outra senhora que arrasou foi Nani, com temas mais ousados. Nem na canção infantil o sentimento romântico ficou de fora: Mamborrô em "Belinha Xuxú” navega por essas águas, assim como Ângelo Ramos em "Wassamba”. Os dois artistas são aqui mencionados porque o amor determinou as composições da sua fase adulta, como é notório, respecticamente, em "Quarentona” e "Cupido”.


Kizomba, a festa do amor

Ainda do viveiro da canção infantil sugiro Maya Kool com "Dia D”, e outros temas, para fazer uma ponte com a geração das Kizombas da vida. Eduardo Paim é um cantor assumidamente romântico, sendo que o seu reportório não apresenta dúvidas. Aqui ficamos apenas com "Perdão”. Há que mencionar também Paulo Flores, com, dentre outras, "Cherry” e "Coração Farrapo”.
Todos dançam e sentem o amor ao ouvir "Yolanda” dos Irmãos Verdades, "Pura Sedução” de Don Kikas, "Yara” dos Irmãos Almeida, "Menina” do Impactus 4, "Sassa Mutemba” de Flay, e outros incontáveis temas de artistas que, na fase da consolidação do género músical que veio a chamar-se Kizomba, mexeram não apenas com as pistas mas com os corações angolanos e não só.

Walter Ananás, Bigú Ferreira e companheiros dos N’Sex Love, mais tarde O2, não apenas revolucionaram a Kizomba, aproximando-a mais ao Zouk, à Soul Music e ao R&B, como apimentaram mais as mensagens, notadamente em temas como "Nady”, "Indelével” e "Será Diferente”. Tela Lágrimas com "Amizade Colorida”, "Amor em Crise” e outros temas, e o seu irmão Teta Lando, deixaram canções que fazem as meninas do passado e as actuais ficarem arrepiadas, sem hipótese de vacilarem na hora do pedido para dançar na pista.

Euclides da Lomba, um dos expoentes máximos do romantismo angolano, antigo estudante em Cuba, sempre assumiu que O2, SSP e Don Kikas foram determinantes para adequar o seu romantismo à realidade angolana, sem deixar de lado o que bebeu lá na América Latina e Caribe. É dos artistas mais solicitados e aproveitados nesta época do amor "mainstream”. Uma das marcas do seu romantismo é que as suas canções têm um forte pendor sensual e erótico.


"Embrião” e "Astro da Minha Vida” 

Neste pequeno ensaio "Embrião” e "Astro da Minha Vida”, respectivamente de Sabino Henda e Kristo, não poderiam ficar de fora, porque tornaram-se hinos do amor para muitos angolanos e temas de abertura de casamentos. É de ressaltar também Bangão, que cunhou e cristalizou termos muito angolanos como "Fofucho” e "Pacheco”, que ganharam vida na voz de Patrícia Faria. Exemplos mais recentes são  "Matemática de Amor”, cantada por Matias Damásio ou "Eclipse do Amor” por Yola Semedo, que, indo mais longe, em "Carlitos” demonstrou que as mulheres também cantam com alma e coração para o seu amor.

Yola Semedo, Ary, Pérola, Margareth do Rosário, Bruna Tatiana, dentre outras vozes femininas, também partem corações com as suas canções. Do lado masculino não podemos descartar Eddy Tussa, que cantou "Amor Mwangolé”. Num breve passeio de memória localizamos outros cantores românticos: Puto Português, Kyaku Kyadaff, Jojó Gouveia, Mago de Sousa, Ivan Alekxey e outros de uma geração em que tem grande destaque Yuri da Cunha, um "loverman” que com o seu toque especial em "Regressa” foi determinante para a volta aos palcos de Euclides da Lomba, que então se encontrava "aposentado” enquanto músico.


Diversidade e novas tendências

Os SSP, demarcando-se dos outros pioneiros do Rap mwangolé, esquivaram-se das mensagens de cariz social e politico, optando pela intervenção no amor. Não é por acaso que se estreiaram com "99% de Amor”. O movimento Hip Hop tem muitas pedradas românticas, com grupos como Army Squad, Mess e inúmeros artistas individuais de grande valor. Para aqui chamamos o tema "Mais um Dia”, dos Kalibrados, para fazer a ponte com Anselmo Ralph, que na fase inicial da sua carreira era conhecido como "o primo do Laton”. Heavy C,  como cantor e produtor, não pode ficar de fora dessa viagem, agora já não tão relutante, pelo universo da canção romântica angolana.

Os principais nomes da música tradicional como Tunjila Tua Jokota, Socorro, Kumby Lixya, Baló Januário, Cangato, Ndengues do Kota Duro, Bessa Teixeira, e outros, nas suas músicas não trazem apenas mensagens sobre os nossos usos e costumes, também apresentam obras com cariz romântico. De tal modo que as estrelas da música popular urbana e os consagradíssimos românticos Roberto Carlos e Júlio Iglesias "rocham” nas nossas aldeias, lá bem na Angola profunda. Noutras tendências rítmicas e nas nossas línguas nacionais o amor é embalado em "Azulula”, um hino ao amor de Gabriel Tchiema ou "Vissolela” de Mukenga e "Nzoloame” de Carlos Lopes. Sandra Cordeiro, Anabela Aya, Totó ST, Kizua Gourgel, Selda, Unekka e outros expoentes da música de fusão também  cantam o amor.

Como não navegamos nas novas tendências, recorremos a um trio representativo de jovens: Zizi, Fárida e Tchissola, lá das bandas do Cazenga, que nos ajudaram a fechar o nosso ciclo de vi-agem. Bruna Taniana com "Meu Tudo”, Edmazia e "Erro Bom”,  Edgar Domingos com "Nós Dois”, Anselmo Ralph em "Única Mulher”, Yobass com "Vale Milhões”, Gerilson Insrael "Super Mulher”, Emana Cheezy com "Três Palavras”, Anna Joyce com "Puro”, Jordânia e Landrick com "Amo-te” e Anderson Mário com "Profetizar”... esses são alguns de muitos cultores musicais do romantismo. Nessa lista é preciso particularizar também nomes como Filho do Zua, Prodígio e Telma Lee. As jovens informantes intimaram-me a pesquisar outras vozes, que, como disseram, estão a pipocar e a dominar os cartazes para as festas, contidas no actual ambiente de pandemia. O mwangolé para expressar o amor não está refém de São Valentim.   
Propositadamente ficou para o fim desta peça a menção ao tema "Paulina”, de Justino Handanga, um caso raro de inspiração valentina, que, de tão marcadamente angolano até faz suportar o dito Dia dos Namorados.

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