Entrevista

“Temia que as pessoas preferissem ouvir um cantor do que a música do meu saxofone”

Katiana Silva

Jornalista

Sebastião Vicente “Sebastião Sax” nasceu em Luanda, em 1992. O saxofonista cresceu no bairro Hoji-ya-Henda, município do Cazenga, onde aprendeu a tocar nas sessões artísticas da Igreja Pentecostal. Resiliente diante das dificuldades do mercado, a formação em música numa das escolas do MAPTESS foi decisiva para a conquista do sonho. Com uma agenda concorrida, toca regularmente em vários eventos dentro e fora de Luanda e, também, já esteve em Portugal e França. O artista, que já foi chamado a actuar na festa de casamento dos apresentadores Igor Benza e Zuleica Wilson, tem participações em músicas de vários artistas nacionais, entre eles o C4 Pedro.

29/07/2023  Última atualização 08H10
Saxofonista “Sebastião Sax” © Fotografia por: Luís Damião|Edições Novembro
Quem é Sebastião Vicente?

Jovem talentoso, sonhador, empenhado, faz da sua arte o seu modo de viver. Me considero um jovem que tem muito para dar, por fazer por Angola. Alguém que não vê limites. Veja que dos planos para breve, neste final-de-semana fui contratado para animar um enlace matrimonial no Moxico.  Por isso, este ano penso em lançar um single, uma obra bastante pedida pelos meus admiradores.

Em que circunstâncias acontecem os primeiros contactos com a música?

Venho de uma família de músicos, desde o meu pai, irmãos e tios, todos de alguma forma estão ligados a esta arte. O meu pai tocava instrumentos de soul, que é hoje a minha linhagem também. Desde a minha infância que o ouvia a tocar flauta, trompete, trombone. Então, nós, os filhos, de certa forma acabámos influenciados. Hoje, podemos ter outras tarefas, mas estamos todos ligados à música. Resumindo, a música vive em mim desde a minha infância. O meu primeiro contacto com a música surgiu na Igreja, onde o meu irmão começou a tocar primeiro a bateria e, como éramos muito ligados, passei a segui-lo.  Também queria aprender, mas não consegui. Mudei para a guitarra.  Não tive grandes dificuldades para aprender a tocar isso.

E quando teve a certeza de que era isso que gostaria de fazer na vida?

Foi quando tive a oportunidade de participar de um concerto, isso em 2016, num centro cultural. Nesse dia deparei-me com vários artistas e várias bandas de renome, dentre elas a Banda Maravilha, inclusive vi o conceituado saxofonista Nanuto. Ver o Nanuto despertou em mim algo muito grande e nunca mais tive dúvidas sobre aquilo que realmente gostava de fazer. Naquele momento senti-me bem ouvindo a música. Sentia que esses artistas transmitiam alguma coisa muito grande. Por isso, além da influência que tive dos meus pais, esse momento foi revelador de como eu queria mesmo fazer essa arte e, desde então, nunca mais parei.

Quem toca saxofone é automaticamente associado a estilos mais estilizados, como o jazz. É o seu caso?

De certa forma, é verdade. Porém, procuro ser o mais versátil possível. Não me limito às influências musicais que elevaram este instrumento musical, por isso toco um pouco de tudo, desde clássicos da música popular e urbana angolana, músicas americanas, hip-hop, mas sem nunca deixar o gospel, porque venho de uma família cristã e por ser o meio onde começo a fazer música. Depois, tive ambições em crescer na música, o que me permitiu conhecer outros pontos, outros países, e então passei a levar todo tipo de música a todo tipo de pessoas e ambientes. Toco naqueles ambientes mais amorosos ou em festas de música bem mais mexidas, porque o saxofone permite-me fazer todo o tipo de música.

O que te atraiu no saxofone?

A sonoridade deste instrumento é para mim algo inexplicável. Toca-me no fundo do meu coração. Lembro-me de exprimir à minha mãe a alegria de ver o saxofonista Nanuto a tocar, e logo a seguir, ela comprou-me um CD de um grupo muito antigo, que tinha um saxofonista que eu gostava de ouvir todos os dias da minha vida. Demorou algum tempo até ganhar coragem para confessar à minha mãe a decisão de que iria tocar este instrumento. Ela interrogou-me se a guitarra não estava bem, porque de certa forma saxofone é um instrumento que exige um bom diafragma, e não é propriamente aconselhável para quem tem problemas respiratórios devido ao exercício de sopro. As pessoas a quem fui partilhando sobre a minha decisão de tocar saxofone diziam-me que era uma grande loucura. Mas fui persistente. Procurei por pessoas que me pudessem ensinar a tocar o instrumento.

Foi assim que decidiu ir à escola de música do MAPTESS?

Sim. Mas antes, lembro-me de conhecer um saxofonista que estava a passar, dei conta pela maleta que levava, e por isso segui-o até ao centro do MAPTESS. Logo que cheguei tinha um saxofonista no quintal da escola a ensinar os meninos a tocar o instrumento musical. Era o monitor. Tudo isso deixou-me mais apaixonado pelo saxofone.

O que fez a seguir?

Naquele momento, entrei em contacto com o formador da escola do MAPTESS, mas ele disse-me que naquela fase já não havia vagas. Restou-me apenas perguntar-lhe se era possível dar-me algumas aulas ao domicílio, mesmo sabendo que não tinha nenhuma condição financeira para pagar, porque a minha vida era dedicada à igreja. O professor aceitou em dar aulas ao domicílio, e dava-me aulas com o seu saxofone. Só mais tarde depois tive a oportunidade de me inscrever na mesma escola. Foi nessa fase que consegui juntar condições para comprar um saxofone, com o dinheiro da venda da minha guitarra, videogame e o computador. Abri mão de muita coisa que eu gostava, porque sabia que tudo que eu mais amava naquele momento era o saxofone. E comecei a aprender todos os dias.

O que mais temia ao abraçar a carreira como saxofonista?

Eu acho que o mais difícil é ter a aceitação do público, porque vejo que há muita gente aqui no nosso país que faz bem a sua arte, mas não é levada em grande consideração. Eu acho que para mim foi todo esse processo complicado, porque temia que as pessoas preferirem ouvir um cantor do que a música do meu saxofone. O nosso mercado precisa de saber ouvir a originalidade dos instrumentos musicais e dar melhor valor aos seus executantes. Felizmente, venci esta fase, porque, hoje em dia, eu vivo disso, as pessoas preferem ter um Sebastião SAX, do que ter propriamente um cantor. Hoje, faço actuações em casamentos, pedidos, comemorações de famílias ou de grupos de empresas. Hoje, vejo que, aos poucos, o público vai se educando musicalmente ao perceber que a música está muito além do canto. Para mim, o mais difícil foi ter essa aceitação.

Nutre alguma admiração por algum artista nacional ou internacional?

Sem desprimor por outros músicos também excepcionais, para mim é o Nanuto. Por ser o primeiro saxofonista, que eu, de certa forma, conheço, a levar a música instrumental angolana para o mundo. A trajectória do Nanuto é conhecida mundialmente, através da sua participação em vários eventos. Para nós que estamos acostumados a ouvir e a ver cantores a se destacarem pelo mundo, não é fácil fazê-lo com um saxofone. Mas ele fez. É uma grande luta, e hoje é convidado a fazer actuações em palcos internacionais. A minha maior referência internacional é o músico Kenny G.

"Investi em equipamentos e materiais para ter um repertório excelente”
Como encontrar o seu próprio estilo para tocar. Ou seja, como define a sua maneira de tocar o saxofone?

Quando comecei no saxofone, o foco não era viver de actuações em eventos, mas apenas fazer aquilo que gosto de fazer. Mas tive o privilégio de começar a tocar na igreja e um irmão veio para mim e disse-me que gostava de me ouvir, e assim fui convidado a tocar no casamento deste irmão da igreja, onde não apenas me limitei ao gospel, como também interpretei temas de Roberto Carlos. Nessa noite, um outro familiar da parte do noivo, que também previa casar brevemente, convidou-me a tocar no seu casamento, e assim foram surgindo outros convites. Tive a necessidade de investigar mais sobre esse ramo, que no nosso país não é muito explorado. Por isso,  investi em equipamentos e material para ter um repertório excelente, recheado de músicas bem conhecidas. Consegui me organizar como empresa. Hoje, quem entra em contacto com a minha empresa consegue ter música no seu evento numa cobertura total, com todo o meu material.  

Quais foram as suas aparições mais marcantes?

São muitas, mas tenho algumas que significam muito. Talvez a mais marcante seja mesmo a minha actuação este ano na gala dos Prémios Sirius, organizado pela empresa Deloitte Angola. Marcou-me muito, porque nesta gala de premiação,  estava presente a Primeira-Dama da República de Angola, Ana Dias Lourenço, e fui informado de que faria música para a entrada dela no evento. Para mim, pesou muito em ter de assumir essa responsabilidade de tamanha grandeza. Apesar de já ter feito muitos eventos que tinham como convidados entidades máximas do nosso país, a gala dos Prémios Sirius marcou-me por ter significado um grande voto de confiança em mim, num evento de extrema importância.

Como tem sido a sua agenda por Luanda?

Tem sido muito boa. Posso dizer que estou numa fase maravilhosa do meu trabalho. Aliás, está tão boa que não estou só a fazer eventos só por Luanda, temos agendas por várias províncias,  já fui fora de Angola, para fazer eventos.

 Foi convidado a tocar no casamento dos apresentadores de televisão Igor Benza e Zuleica Wilson. Pode contar um pouco como foi essa experiência?

Foi um dos casamentos que, de certa forma, me deixou mais pressionado, porque tratar-se de figuras muito populares do nosso país. Já fiz casamento de muitas outras figuras públicas, de apresentadores de televisão a empresários, mas no casamento de Igor e Zuleica, vi-me obrigado a desmarcar outros compromissos. O casal tem acompanhado o meu trabalho e desejou que, nesse dia especial para eles, eu os encantasse com a minha arte. A música é muito poderosa e é preciso utilizá-la da melhor forma possível. Já fiz serenatas para reconciliar casais à beira do divórcio, e funcionou. Após esse momento musical lindo, já houve vezes em que recebi telefonemas de clientes a partilhar que o casal superou a má fase. Essas coisas marcaram a minha vida musical, quando sentimos que, de alguma forma, contribuímos para o bem-estar na vida das pessoas.

O que a música significa para si?

Para mim, a música, além de ser uma profissão, é a minha vida. Posso trabalhar no futuro em diversas áreas, mas a música não largo nunca. Da mesma forma que o meu pai influenciou a mim e aos meus irmãos, tenho influenciado muitas pessoas a não desistirem dos seus sonhos e a provarem que sim, é possível viver da música no nosso país.

Como olha para o desenvolvimento da música no mercado angolano?

Temos crescido muito, e a nova geração tem mostrado que está preparada para a passagem de testemunho. Antigamente,  era difícil ter artistas jovens a fazerem eventos de grande dimensão. E estamos cada vez mais a diversificar, ou seja, já não são apenas os cantores a terem mercado, porque já vemos muitos instrumentistas, como violinistas, saxofonista, percussionista,  pianista, cantor lírico. Isso para nós é a realização de um sonho. Outro aspecto é ver jovens artistas angolanos a tocarem em países onde a música instrumental é muito valorizada. Temos progredido muito. Vemos, por exemplo, a louvável iniciativa que é o projecto Angojazz. Estamos a caminhar bem.

Gostaria de deixar alguma recomendação aos artistas deste segmento?

O conselho que deixo, de modo geral, é o de que nunca desistam dos seus sonhos, porque sabemos que fazer arte no nosso país não é fácil. Mas, independentemente de qualquer que  seja a arte, pintura, escrita e música, são áreas, de certa forma, difíceis de conseguir um conhecimento imediato. Temos que ser persistentes, procurar sempre apresentar com excelência e investir. Muitas das vezes, querem ter bons resultados, mas não querem investir. É muito importante o processo de investimento na nossa arte, para procurar ter melhores equipamentos, melhor performance, porque só assim o momento de brilhar chegará.

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