Reportagem

Vastas extensões de terras aguardam por investidores

Leonel Kassana

Jornalista

À leitura do Jornal de Angola, andando pelos caminhos da agricultura. Em Ambaca, ouvimos, dos “homens do campo”, o seu desempenho, clamores, desafios e dificuldades. Pelo meio, uma conversa, distendida, com ao administrador em exercício, Domingos Cabuco Dala, focada, sobretudo, no apoio estatal aos camponeses, traduzido em imputes e insumos agrícolas, bem como a quase incontornável problemática das vias de acesso aos campos.

23/02/2024  Última atualização 12H14
Cooperativas, associações e famílias camponesas aumentam a produção de cereais e hortícolas © Fotografia por: Edições Novembro
Na primeira desta série de reportagens, o leitor é levado às produções agrícolas das cooperativas e sector familiar, numa altura em que as autoridades de Ambaca têm o registo de pouco mais de 160 fazendas  agropecuárias. Deste número, apenas 60 têm exploração efectiva, muito longe daquilo que é a disponibilidade em terras aráveis e água abundante neste território, que se estende por mais de três mil e oitenta quilómetros quadrados.

Culturas como mandioca, batata rena e doce, inhame, arroz, milho, feijão, amendoim, banana, cana-de-açúcar e hortícolas fazem de Ambaca um território particularmente apetecível para os potenciais investidores, como pudemos constatar pelo considerável movimento  de viaturas, uns de alta cilindrada, a  embrenharem-se mata adentro.

Ao longo da estrada entre Samba Caju e Camabatela, são bem visíveis desvios que vão dar, ao que nos foi dito profusamente, para várias propriedades em diferentes áreas localizadas nas comunas do Bindo, Luinga, Máua e Tango.

Em Ambaca, trabalha-se num aumento progressivo das áreas de cultivo em todas as campanhas agrícolas. Os números que as autoridades municipais partilharam com o Jornal de Angola são bem a prova disso. Durante a campanha de 2023/2024, foram preparadas, para a distribuição às associações, cooperativas de camponeses  e produtores individuais, 300 hectares de terrenos mecanizados, em linha com a estratégia governamental para o aumento da produção de bens alimentares.

Esses números devem subir para 400 hectares na  campanha em curso, como explica o administrador municipal em exercício de Ambaca, Domingos Cabuco Dala, nosso cicerone, confirmando a aposta permanente em tornar Ambaca num actor cada vez mais incontornável na cadeia alimentar da província do Cuanza-Norte, em particular,  e de Angola, em geral, capitalizando a sua situação climática privilegiada.

"Este ano prevemos aumentar para 400 toneladas o número de hectares mecanizados, permitindo que mais famílias camponesas incrementem os níveis de produção”, refere Domingos Cabuco Dala, indicando que está garantida a distribuição regular de catanas, enxadas e outros instrumentos de trabalho, que só na campanha passada totalizaram 10 mil.

Os empresários, quer nacionais, como estrangeiros  disponíveis a intervirem no que estabelece o Planagrão, terão acomodação institucional das autoridades de Ambaca, a começar pelas facilidades na concessão de  terras, clima, água, que garantem a  produção de arroz, milho, soja e mesmo do trigo, como garante o administrador em exercício.

Grandeza dos números

 Os dados sobre  as colheitas obtidas na época agrícola passada e que nos foram apresentados em Camabatela pelo director da Agricultura, deixam pouca margem para dúvidas, sobre o que está feito para aproveitar o enorme potencial de uma região  particularmente apetecível, como é Ambaca.

Só na fileira da mandioca, de que Ambaca é grande produtor, foram colhidas mais de 34.500 toneladas e na batata doce mais de 6.332 toneladas. O mercado recebeu, também, nesse período, proveniente das cooperativas, associações e produtores  individuais, mais de 1.473 toneladas de milho, 1.000 de banana e 430 de amendoim (ginguba).

Mas não é tudo. Mais de 390 toneladas de feijão manteiga, outras 497 de hortaliças, 704 toneladas de feijão macunde e 583 de batata rena, também saíram dos campos agrícolas de Ambaca nesse período.

O director da Agricultura confirma os dados antes avançados pelo administrador municipal adjunto de Ambaca. "Na anterior campanha agrícola foram preparados 232 hectares e envolvidas mais de 8.000 famílias em 32 aldeias”, explicou Olídio Lucas, indicando que esses números devem subir ligeiramente este ano.

"A nossa perspectiva é aumentar para 300 hectares e 10.000 famílias em 27 aldeias, durante a presente campanha agrícola”,  sublinhou o engenheiro agrícola, antes de destacar o contínuo apoio estatal aos produtores,  traduzido na distribuição de catanas, enxadas, limas, entre outros instrumentos de trabalho.

À nossa insistência, o responsável da Agricultura adiantou que os produtores receberam, igualmente, uma  tonelada e meia de sementes de amendoim e seis de feijão manteiga e catarina. Nestas  contas entraram, igualmente, sementes de alface, couve, cebola, cenoura, berinjela, quiabo, pimenta, pepino, melancia, melão e  tomate.                                     

Os agricultores estão, no entanto, confrontados com graves dificuldades de acesso aos campos de produção. A situação assume-se, cada vez mais, como um dos principais factores de estrangulamento da actividade agrícola no país. "Uma verdadeira dor de cabeça” para os produtores, como considera Olídio Lucas, que afirma que "muitos produtos se estragam no campo e os que chegam ao mercado são adquiridos a preço de barganha”.

Ele ressalva, contudo, o apoio que as autoridades administrativas têm vindo a dar, para facilitar o transporte dos produtos desde os campos agrícolas. "Mesmo que ainda limitado, esse é, na verdade, um incentivo importante para os agricultores continuarem a aumentar progressivamente os seus níveis de produção”, nota.

Feiras promovem produtos do campo                                                      

Quem gere o município não desperdiça uma únca oportunidade para mostrar o potencial agrícola de Ambaca, com várias iniciativas promocionais. A mais recente de que há  registo foi a feira agropecuária, que reuniu em Camabatela acima de 100 agricultores,  que terá traduzido em negócios acima de seis milhões de kwanzas, segundo apuramos.

Ávidos de conquistar o mercado, produtores trouxeram dos seus campos agrícolas, em diversas comunidades do Tango, Máua, Luinga, Bindo e da própria Camabatela, o que melhor sabem fazer, como banana, batata rena e doce,  inhame, mandioca, feijão, quiabo, cebola, abacate,  dendém, citrinos, cana-de-açúcar e outros.

O director da Agricultura em Ambaca,  Olídio Lucas, avançou cifras do que está a ser feito, em concreto, no quadro do combate à pobreza, indicando que durante  o ano passado, por exemplo,  mais de 2.000 galinhas foram distribuídas a diversas comunidades do Luinga.

Acrescentou que na mesma comuna (Luinga) e também nas de Tango, Bindo e Máua, os agricultores receberam 12 mil mudas de café arábica, seis toneladas de sementes de feijão manteiga, catarina e uma tonelada e meia de amendoim. "Nas comunas do Luinga e Máua foram preparados 52 hectares para as famílias camponesas”, adiantou.

Eventos promocionais dos produtos agro-pecuários de Ambaca são já uma marca. Todas as semanas, na vila de Camabatela, agricultores provenientes de diferentes comunidades expõem os seus diversos bens do campo, que são adquiridos por gente que chega de outras paragens, sobretudo das províncias vizinhas, como pudemos ver.  



Escoamento, um velho dilema
                   

No Hotel Mufongo- passe a publicidade - em Camabatela, o Jornal de Angola juntou três responsáveis de cooperativas, para falarem, de sua justiça, sobre aquilo que são os seus desafios, expectativas e dificuldades, para alimentar o  mercado do Cuanza-Norte, em particular, e do país, num plano mais alargado.

Aqui, tal como no Libolo, no Cuanza-Sul, onde estivemos em finais do ano passado, as dificuldades estão ligadas, sobretudo, ao elevado estado de degradação das vias de acesso aos campos agrícolas, o que inviabiliza o escoamento dos produtos para os centros de consumo.

Como nos foi explicado, existem quantidades significativas de hortícolas, que chegam a deterior-se nos campos, algo que se torna mais grave por altura das grandes enxurradas, como as que se abatem regularmente no Norte de Angola.

O representante em Ambaca da empresa Agribambi, que trabalha a cerca de 25 quilómetros de Camabatela, Jacinto Bambi, é nesta altura um homem muito preocupado, ao ver muita banana e hortícolas, sobretudo, a se deteriorarem nos campos.

Ele afirma que só no ano passado, as quebras em hortícolas situaram-se muito próximo das quatro toneladas. "Perdemos quase quatro toneladas de repolho, no tomate e cebola não tiramos praticamente nada por causa das chuvas”, lamenta  o responsável agrícola.

Jacinto Bambi mostra, contudo, um optimismo moderado, ao exibir alguns números. "Estamos em condições de colocar no mercado mais de três toneladas de banana, temos já desmatados 50 hectares para a produção de café e este ano podemos colher entre três a quatro toneladas”, sublinha.

Considera "aceitável” a produção da Agribambi, mas insiste na "tecla” do melhoramento das vias, para o escoamento da produção, num momento de enormes desafios para os "homens do campo”, em linha com a estratégia do Governo para o aumento da oferta de bens alimentares.

A perspectiva, segundo explicou Jacinto Bambi, é chegar às 25 toneladas de hortícolas, sobretudo repolho, alface, tomate, beringela e cenoura, para atender à procura do mercado local e, também, em províncias vizinhas como o Uíge. "Podemos, sim, inundar o mercado, mas a questão das estradas deve ser vista com mais atenção, para evitar que os produtos se estraguem nos campos”, adiantou.

Da cooperativa Ana Kulumbi Benji, criada em 2015, na comuna do Máua, veio o mesmo clamor: as vias de acesso aos espaços agrícolas continuam a ser um obstáculo ainda por transpor.

O seu  responsável, Jerónimo Benji, diz que as ligações para os  campos são, na verdade, "picadas”, que nunca mereceram qualquer intervenção, degradando-se cada vez mais, sobretudo no tempo de grandes chuvas, como as que se registam actualmente.

Com 95 colaboradores, a "AnaKulumbiBenji” não consegue, por isso, escoar tudo o que produz. Alimenta, contudo, "alguma esperança”  na concessão de crédito bancário, com  que espera aumentar os níveis de produção nos cerca de 850 hectares, dos quais apenas 375 estão a ser integralmente explorados.

Ao Jornal de Angola o responsável da cooperativa exibiu números,  a traduzir algum optimismo, não obstante a persistência de um quadro com potencial para tirar - é bom dizê-lo - algum fôlego aos agricultores.

No ano passado, por exemplo, a colheita de milho chegou às  5.000 toneladas, enquanto na banana os números foram significativamente mais modestos,  fixando-se em apenas duas toneladas. O café, uma cultura de alto rendimento, está, igualmente, a ser desenvolvido numa vasta área.

Sobre o milho, há preocupações com o seu baixo preço no mercado, mas  Jerónimo Benji revela existirem algumas parcerias para a sua a aquisição.

David João Cahango é o responsável da cooperativa com o mesmo nome. Fica a cerca de doze quilómetros da sede municipal de Ambaca. Diferente de outras cooperativas, aqui a preocupação é a invasão dos espaços por pessoas "encorajadas” por alguém, que não quis identificar.

Por esses dias, David Cahango anda com os cabelos eriçados, de tão preocupado que está  com a situação. Diz que os "invasores” colocaram uma buldozer na fazenda e estão a levar os toros de madeira para o Uíge, ao que se opõem, referindo ter já enviado reclamação às entidades oficiais, para reverter a situação, como a Administração de Ambaca e Instituto de Desenvolvimento Florestal (IDF), antes de avançar para a Inspecção Geral da Administração do Estado, IGAE.

"Já expus a situação à Administração Municipal de Ambaca, Instituto de Desenvolvimento Florestal (IDF) e vou pedir a intervenção da IGAE”, clarificou o líder da cooperativa com 70 associados, que possuem 304 hectares em produção.

Este responsável adiantou que a sua cooperativa recebeu um tractor, com que preparou 27 hectares, sendo que 10 foram destinados à produção de milho e outros para mandioca. Parte dos 10 hectares foram distribuídos a 240 mulheres, um ganho relevante, numa comunidade muito virada, também, à produção de banana e ginguba.

Além da preparação dos campos agrícolas e programas de apoio aos ex-militares e associações de camponeses em sementes de feijão branco, catarino e de amendoim, para a presente campanha, em Ambaca, o empenho dos agricultores está a levar, como pudemos ouvir, grande pressão à administração sobre a reabilitação das vias de acesso para todas as comunidades.

Hoje, a questão que se coloca é como isso vai ser feito com a urgência que se impõe. Há, em Ambaca - isso é perceptível, quando se conversa com os agricultores e as próprias autoridades - um desafio enorme para trazer os produtos dos campos para os mercados.

Algumas iniciativas são tomadas para tornar menos penosa a vida dos agricultores de Ambaca, com a intervenção em algumas vias, como as que dão acesso às  áreas do Luinga, Tango, Longa e Cahima, com um histórico de grandes  produções de batata doce e rena.

A descrição que nos foi feita, sobre o estado crítico, para dizer o mínimo, das "estradas”- as aspas vêem a propósito, porque são picadas - foi o bastante para rejeitarmos "olimpicamente” o convite dos agricultores para chegarmos aos campos de cultivo. Aquilo poderia seria um enorme desafio de condução e uma experiência angustiante.  Germano Caiombo, nosso companheiro pelos caminhos da agricultura, pouparia, assim, ao desgaste a Mitsubishi L 200.

Reinserção social dos antigos militares e famílias

A radiografia (possível) que se faz aos antigos militares é inevitável, por ser uma das áreas a qual o Governo dá especial relevância, na esteira da sua inserção social e respectivas famílias. Existem programas específicos, em que sobressai a disponibilização de kits agrícolas, sementes e  fertilizantes, para citar apenas alguns dos mais significativos. E, em Ambaca, não poderia ser diferente.

Aqui, fala-se de enxadas, catanas, pulverizadores,  pás, electrobombas e outros meios de trabalho. Algo muito visível, as autoridades, tal como o fazem com as famílias camponesas, preparam, também, terrenos agrícolas para os ex-militares e famílias.

Tudo isso é feito no quadro do Programa Integrado de Desenvolvimento Rural e Combate à Pobreza, hoje uma das marcas dos principais eixos das políticas públicas para a melhoria das condições de vida das populações.

E, em Ambaca, há números relevantes que foram partilhados com o Jornal de Angola, na incursão que fez a uma das regiões agropecuárias mais prósperas do Norte de Angola.

Nos bairros Gombe, Salavadya Mbaxi, Tandala e Jucula, comuna de Máua, e Dala Kingungo, Calaiada, Casseco, Kihumba e Rei, Jinga Luamba Munuma e no Luinga, outra comuna, foram preparados 180 hectares para a agricultura.

Este número inclui, também, as localidades de Chiquita, Uote A e B, Kissonde e Luamba, no Tango e Cazanga, Kibendo, Cole, Kissunga I e II, no Bindo, bem como Cazongo e Movimba, em Camabatela, a sede municipal. Dados a que tivemos acesso em Camabatela, revelam que mais de 13 milhões de kwanzas, do Programa Integrado de Desenvolvimento Rural e Combate à Pobreza, terão sido aplicados nessas acções.

Mas não é tudo. Há, também, em Ambaca, registos notáveis sobre aquisição de imputes agrícolas, como catanas, enxadas e limas, bem como de  insumos, sobretudo sementes de mandioca, batata doce e rena, milho, feijão, amendoim, arroz, tomate, hortícolas, limoeiros, laranjeiras, café  e palmar.

A tudo isso se juntam mangueiras para rega, motobombas e moagens, bem como cabritos para as comunidades de Máua e Bindo.



Por dentro das cooperativas

Compulsamos, também, dados de sete  cooperativas de antigos militares, cujo contributo à agricultura em Ambaca é muito relevada naquelas paragens da província do Cuanza-Norte.

Uma, a Diedessa, com   vinte ex-militares, na comuna do Tango, preparou sessenta hectares para a produção de mandioca, batata doce, feijão e ginguba, entre outros produtos. Também na comuna do Tango está estabelecida uma outra cooperativa com doze membros, ocupando uma área de 1.650 hectares. Trata-se da AnaLuamba Cathamba, que preparou algumas parcelas para possíveis plantações de algumas culturas como mandioca, batata doce, feijão e ginguba.

Outra, denominada "Vida Nova”, no Kihezo, formada por vinte elementos, apostou na batata doce, mandioca e hortícolas como repolho, couve, cebola, cenoura e alho, tendo, nesta altura, totalmente trabalhados mais de 200 hectares.        

Na comuna de Bingo, está a cooperativa "Ana Cahango”, que com apenas dezanove membros dedicou uma "grande extensão” dos seus 60 hectares à produção de mandioca, batata doce, banana pão e de mesa. A outra parte está a ser preparada para receber outras culturas.

Já em Máua, outra comuna de Ambaca, a cooperativa "Kudiquexina”, formada por 25 ex-militares, apostou "forte” na batata doce e ginguba, em parte dos seus 580 hectares. Na localidade de Cangundo Kilalo, fica a cooperativa "Calucalelo”, que com os seus 118 membros tem, nesta altura, em terra, sobretudo batata doce, mandioca, milho, ginguba e feijão.

No Cacimbo, a cooperativa "Inglês”, que ocupa uma extensão de sessenta e sete hectares, avançou para a plantação de tomate, couve tronchuda, repolho, pimenta , cenoura e outros produtos. Estes produtos já se encontram no mercado e foram colhidos no meses de Novembro e Dezembro.

Como que alheios às dificuldades de mercado, fundamentalmente devido à inexistência de uma rede eficaz de estradas, em condições mínimas de  viabilizar o escoamento dos produtos em tempo útil os, dessas propriedades agrícolas geralmente saem consideráveis bens alimentares.

 E este ano, ao que nos foi dito repetidamente na Administração de Ambaca, não será diferente. No mercado municipal de Camabatela,  por exemplo, a variedade de hortícolas e frutas confirmam a persistência de pessoas que fazem do campo a sua "vida”.

Todas as manhãs, ver muita gente munida de instrumetos de trabalho, em direcção às lavras, há muito se tornou num lugar comum.

Nem mesmo a chuva,  nesta altura do ano, afugenta milhares de campaoneses das lavouras no muncípio de Ambaca. Todo o mundo quer retirar da terra o que ela tem de melhor, o pão de cada dia.

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