Reportagem

A exposição da riqueza cultural angolana

Winnie António e Sandra da Silva

Jornalistas

O Museu Nacional de Antropologia, localizado no bairro dos Coqueiros, na baixa de Luanda, é um dos mais clássicos que existem no país. A instituição tem a vocação da recolha de informações, investigação, conservação, valorização e divulgação do património cultural angolano.

18/11/2023  Última atualização 09H50
Museu Nacional de Antropologia © Fotografia por: Edições Novembro
O director do Museu Nacional de Antropologia, Álvaro Jorge, há sete anos administra esta casa de Cultura e contou um pouco da história do museu. Um ano depois do 11 de Novembro de 1975, o museu foi inaugurado com uma exposição retratando a vivência dos povos de Angola.

A primeira exposição esteve a cargo da Direcção da Cultura e da Museologia que evoluiu mais tarde para Instituto Nacional do Património Cultural que se encarregava dos aspectos museológicos em todo o país. O decreto 80/76 operacionalizou todos os aspectos ligados à cultura, contou Álvaro Jorge.

Os grandes mentores da cultura na época foram Henriques Abrantes, intelectual nacionalista multifacetado, e a inauguração da exposição coube ao Primeiro-Ministro Lopo Fortunato de Nascimento em representação do primeiro Presidente da República Agostinho Neto.

Depois da Independência, explicou o director do museu, o entusiasmo e o interesse do povo aumentaram, depois de verem que tinham a oportunidade de ver obras ou colecções de todo o país.

O local foi construído no final do século XVIII por uma família portuguesa não identificada, após este período, a residência tornou-se propriedade da empresa Diamang (depois Endiama), até 1975.

As actividades museológicas ganharam força após a sua inauguração, as investigações e explorações começaram em todas as áreas do saber das Ciências Sociais, sobretudo de Antropologia, com exposições de carácter temático como a pastorícia, agricultura, tecelagem e outras actividades que marcaram a vida das gentes angolanas, disse Álvaro Jorge, que acrescentou que o Museu tem vários objectivos e funções, a sua principal missão é a recolha, investigação, documentação, identificação e exposição dos artefactos que assinalaram a vida quotidiana do passado dos angolanos.

"O museu tem enfrentado muitas dificuldades com recursos humanos com valências específicas para a área das Ciências Sociais, não há investigadores, precisa de mais historiadores, antropólogos, museólogos, comunicadores, formadores, mais recursos materiais e financeiros”, disse Álvaro Jorge.

"Estar num edifício do século XVIII é um desafio por causa dos problemas que acarreta, fissuras em muitos compartimentos, a infiltração de água e a humidade têm tomado conta da casa”, realçou.

"Conseguimos vencer essas dificuldades com abnegação e a vontade do bem fazer dos funcionários, isso faz com que superemos algumas dificuldades que a instituição enfrenta".

O museu não tem um número exacto de pessoas que o visitam por dia, oscila muito, há dias que recebe mais de 50 visitantes. "Não temos uma média diária. Os meses em que os alunos entram de férias são fracos, mas chegamos a ter 1.200 visitantes num mês".

A categoria juvenil é a que mais tem visitado o museu. Paga-se um valor simbólico à luz do Decreto Presidencial 107/20, que estipula as taxas de acesso aos museus. Dos 12 aos 18 anos paga-se 245 kwanzas, e dos 18 aos 60, 345 kwanzas. As visitas não guiadas custam abaixo dos 300 kwanzas, explicou Álvaro Jorge. "O nosso maior patrocinador é o Estado, uma vez ou outra surgem parcerias de cooperação, uma delas foi o Instituto Cultural Alemão."

A divulgação é o foco do museu, a apresentação dos conteúdos ao público. "O museu sem público é uma espécie de um cemitério etnográfico"

Álvaro Jorge referiu que têm estado a trabalhar no sentido de alinhar as actividades no domínio da mediação cultural como na realização de oficinas direccionadas para crianças envolvendo artistas plásticos, danças em artes plásticas e teatro.

Nas quintas-feiras o Museu tem oferecido músicas folclóricas, o que permite que os visitantes tenham um momento lúdico, também uma forma de atrair as pessoas que passam em frente ao portão e possam ver e ouvir.

"Gostaríamos de aprofundar mais nas investigações sendo uma área muito sensível e complexa, mas carecemos de condições materiais e financeiras para não falar de investigadores do mais alto nível".

O museu tem grandes perspectivas, mas, numa só frase pode-se dizer que trabalhar com o povo e para o povo é o seu objectivo, havendo a perspectiva de desenvolver-se nas suas principais missões desde a educação, investigação e a divulgação.

O director do Museu Nacional de Antropologia explicou que antes havia 45 trabalhadores, de momento são 19 e dentro de dias serão 15 funcionários. "Temos colegas que vão para a reforma e ainda não encontramos solução para os substituir".

  Visita guiada pela educadora cultural

Uma visita guiada ao Museu da Antropologia, com o colectivo da nova geração de Jornalistas da Edições Novembro, foi feita para conhecer mais sobre o surgimento do museu, cultura, hábitos e costumes do povo angolano.

A visita foi guiada pela educadora cultural e guia turística Antónia Ferreira Massango, com sua simpatia e com um sentido de humor contagiante, dirigiu os visitantes para cada compartimento do museu onde estão expostos todos acervos que são usados pelos povos angolanos, representando a cultura de cada província.

De acordo com a guia turística Antónia Massango, o espaço é composto por dois andares e 14 salas de exposição com peças ligadas ao património cultural do país.

Com quatro departamentos, nomeadamente a direcção do museu, a museologia que é a área equipada com armários e frigoríficos que conservam os acervos do museu e tem cerca de 200 mil utensílios com alguns em reparação, bem como a repartição de investigação científica, onde há uma biblioteca, e o departamento de Educação e Animação cultural, que é a área que divulga o conteúdo do museu.

Antónia Massango guiou a visita, com um profissionalismo seguro até à sala dos instrumentos, para contar sobre as peças que representam cada província ou tribo. Na entrada, há uma montra onde está exposto um arco e uma flecha destacada como a peça do mês, a representar a actividade da caça.

"Nestes instrumentos da vida doméstica está o arco e a flecha, como a peça do mês, após o grupo de caçadores quando fazem estas actividades levam um desafio, isto é a identificação de quem atinge o animal. Neste desafio é necessário saber quem atingiu ou não, e, cada caçador deve ter o seu estilo de flecha. Temos os mossosos, que são pequenas armadilhas, o amuleto do cão, que serve de pulseira que lhe-é amarrada pelas patas para despertar a atenção do caçador".

A guia continuou a explicar que as armas do modelo português que eram usadas na caça, pelos nossos avós, chamam-se Canhangulo, espingardas ou caçadeiras todos estes utensílios foram usados por todos os povos”, explicou.

Antónia Massango disse que o trono é a sala do poder político, neste local encontram-se alguns assentos que são ligados a alguns soberanos, e que podem ser chamados, independentemente das suas culturas ou região.

A cultura dos ambundu, o soberano é chamado de Jinga, o banco, que tem a configuração do sexo da rapariga, representa a força e o poder que as mulheres têm. A indumentária do soba é acompanhada com a bengala que em ciência chama-se bastão, com a cadeira ao seu meio a simbolizar a vida cultural que o povo exerce no seu dia a dia.

Antónia Massango contou que como apresentação de alguns instrumentos musicais, embora muitos foram modernizados, mas, os que mantêm representam a tradição de alguns povos, nomeadamente a marimba, a dikanza, viola, os chocalhos e tambores.

Temos o traje típico tradicional a representar quando os povos entram em conflitos e são representados para se chegar a um consenso, o tchinganje é um elemento que aparece em vários tipos de manifestação.

Cinguvo é um tambor usado para cerimónias de tradição, a Catanga serve para a cerimónia da circuncisão, para os povos Nganguela, e os do Cuando Cubango. O mbirimbau é o instrumento originário no nosso país e usado pelos brasileiros.

A educadora cultural explicou que quanto à circuncisão, antigamente os rapazes ficavam um ano dentro de uma floresta ou dentro de uma casa isolada, para cumprir com alguns rituais de iniciação.

O Estado encurtou esse período por acarretar perda do ano escolar, disse Antónia Massango, depois passou para seis meses e mesmo assim o tempo era muito e hoje aproveita-se as férias para se realizar a tradição.

 As mães que têm filhos que vão fazer a circuncisão, preparam os meninos e entregam-nos aos mestres. Estes cumprem com o ritual e passam-lhes ensinamentos da vida futura, os rapazes aprendem a ser caçadores, pescadores e dançarinos, disse a guia.

O local é chamado de Escola da Circuncisão, ficam confinados, após serem feitos todos esses rituais, os meninos tornam-se adultos de verdade para enfrentar a vida. Esta tradição ainda é praticada em algumas províncias do país.

A sala dedicada às máscaras faz referência aos povos bantu, existe uma variedade de peças, entre elas a máscara Mukixi wa cikunza, que é a mais importante do Nordeste de Angola, tem a função de patrono do rito de iniciação masculina, Mwana pwo, Mpungo beana, Congolo ou Bui, Canda (Tchanda), Mashamboy, Likisi e outros.

Visitantes encantados com o acervo do museu

Aida da Fonseca, de 12 anos, visitou o Museu Nacional de Antropologia com um grupo de colegas numa excursão escolar. Ficou encantada com o que viu e aprendeu sobre os antepassados, como viveram e sobreviveram até aos dias de hoje.

João Gonçalves, um menino de 13 anos, extrovertido e inquieto, disse que vai voltar mais vezes a visitar o museu, gostou muito do que viu. O que mais lhe chamou atenção foi a sala das máscaras, principalmente a máscara Mwana Pwo. O sonho é tornar-se um historiador para descobrir as diferentes culturas dos países.

No final da visita, Antónia Massango contou que o museu tinha três instrumentistas, que tocavam marimba, mas infelizmente estes já não fazem parte do mundo dos vivos, em lágrimas, comoveu se ao falar destes seus colegas, que lhe ensinaram a tocar marimba e muito fizeram em prol do desenvolvimento da Instituição.

Antónia, além de Educadora Cultural e guia turística, também toca marimba, e no final da visita, leva sempre os visitantes a ouvirem o som da marimba tocada por ela.

Comentários

Seja o primeiro a comentar esta notícia!

Comente

Faça login para introduzir o seu comentário.

Login

Reportagem