Sociedade

A História da Minga do Pincho

Jurelma de Castro

Jornalista

A cerca de 300 metros de distância, vê-se uma pequena fumaça. Bem perto, há um aglomerado de pessoas que, por nada, se afasta do fogareiro improvisado com chapas e suportado por uma base de quatro ferros compridos. No fogareiro, está uma grelha onde estão várias metades de carne, espetadas em picos de ferro. A brasa é leve, mas suficiente para cozer o produto.

07/03/2024  Última atualização 07H15
Domingas Candielo, a dona da bancada © Fotografia por: DR
A preparar a carne, o famoso "pincho", está a senhora Domingas Candielo, a dona da bancada, ladeada por muitas pessoas. São perto de 15 indivíduos à volta da mulher. Quando nos aproximámos, percebemos que o negócio tem clientes de várias faixas etárias. É assim de terça-feira a domingo, excepto nos dias em que vai ao armazém para comprar produtos.

Pela qualidade do trabalho que desenvolve, há 18 anos, a senhora é conhecida popularmente por "Minga do Pincho". É esta carne que atrai jovens, adultos e crianças, que aguardam ansiosamente pelo pincho. Em função da enchente, não era possível ter contacto com a mulher, dada a rapidez do processo, em que vinham outras pessoas a ocupar lugar para a compra do pincho.

A moradora do bairro Cassequel do Embondeiro, vulgo Terra Vermelha, conta que quando começou o negócio, era a única naqueles arredores da rua do Fino. Por falta de energia da rede, não comprava carne aos montes. "Na altura, com uma filha, tinha necessidade de fazer alguma coisa. Com pouco dinheiro guardado, em casa, comecei com o meu negócio, mas nos primeiros dias terminava com as vendas mais cedo devido à falta de iluminação", disse.

Anos mais tarde, continuou, o negócio foi crescendo e ganhando notoriedade. Com a ligação da energia da rede no bairro, conseguiu comprar uma arca para conservar os produtos. Minga passou a comprar os produtos a grosso, no bairro Golfe 2, na famosa rua do "Congo", que, além de carne e  kicuanga, comercializam também outros produtos.

Sonho da casa própria realizado

A mulher de 42 anos, mãe de quatro filhos, conta que, quando começou com as vendas, vivia na casa de renda. Hoje, realizou o sonho da casa própria, fruto do negócio. "Todas as vezes que vendia, tirava uma quantia para a poupança e, aos poucos, fui me organizando para ter a minha própria casa", explicou.

Apesar de não ser uma actividade fácil, Domingas Candielo explicou que tudo na vida requer sacrifício quando se tem necessidades e metas para alcançar. Mas disse que não tem sido fácil aguentar o processo da compra dos produtos e da feitura para as vendas.

"Os dias das compras fico em casa, para vender no dia seguinte por ser muito cansativo", contou, tendo acrescentado que nos dias de vendas levanta-se cedo para a preparação do tempero da carne.

Questionada sobre segredo para o negócio ter sucesso no bairro e atrair até pessoas de zonas distantes, Minga disse que é, essencialmente, paciência, dedicação, organização e forma da preparação do pincho.

Apesar das vendas correrem bem, a senhora salienta que a subida da cesta básica reduziu bastante o rendimento do negócio.

"Ainda em Dezembro do ano passado, comprávamos a caixa por 15.000 Kwanzas, em Janeiro, passou para 18.000, esses dias estamos a comprar por 21.500, e, a cada dia que passa, ficamos surpreendidas", desabafou a comerciante.

A senhora de fácil trato, estimada por todos no bairro, disse que, embora os preços andem avultados, todas as vendedoras dos bairros devem aguentar para o sustento das suas famílias, principalmente as mães solteiras. "Nós que não temos ajuda dos companheiros por sermos mães solteiras, precisamos de dar no duro ainda mais. Além da alimentação, escolas, saúde, ainda surgem outras necessidades", encorajou.

Domingas Candielo conta que sempre foi uma mulher determinada, que nunca teve medo nem vergonha de viver de pequenos negócios, mas sim orgulho por conseguir o reconhecimento no bairro pelos seus feitos. Por essa razão, encorajou todas as mulheres angolanas a serem independentes, não importa o tipo de trabalho ou negócio, desde que seja digno e cubra algumas despesas da família. "Devemos agradecer a Deus, mesmo quando conseguimos um pouco.

Desejo que todas as mulheres tenham força de seguirem o caminho que quiserem, apesar das diversidades e dificuldades, vocês podem mais do que imaginam", concluiu.

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