Opinião

A rádio que se faz hoje expirou no Século XX

José Otchinhelo

Consultor de Comunicaçãoe de Educação

A rádio em Angola vive uma crise silenciosa. Embora, ainda, seja a detentora do centro das audiências, a criatividade minguante e o saudosismo corrosivo que mantém a mesma plástica do século XX, fazem com que os conteúdos radiofónicos sejam, hoje, menos atractivos.

25/02/2024  Última atualização 08H42

Para piorar, há cada vez menos indivíduos talhados para as profissões da paisagem radiofónica. Por  um lado, locutores, jornalistas, operadores de som, gestores e outros parecem não ter recebido o legado das gerações anteriores. Por outro lado, não são poucos os que parecem ter "caido de pára- quedas” nas rádios.

Como se não bastasse, o mercantilismo, o imediatismo e o facto de muitos se aventurarem a trabalhar numa rádio, apenas, para ter uma ocupação, está a transformar o meio num instrumento cada vez mais burucrático, sem criatividade, sem a força mobilizadora, sem engajamento das grandes questões sociais. Como resultado, muitos públicos deixaram de ter a rádio como a fiel companheira.

Engana-se quem pensa que na dicotomia emissor-receptor, basta ao emissor evocar o direito de comunicar. Hoje em dia, já não basta dizer qualquer coisa na rádio. O locutor precisa saber o que o outro quer ouvir e se quer mesmo ouvir.

Neste século, o receptor tem cada vez mais voz em relação aos conteúdos produzidos na rádio. Se os estudos de audiência determinassem a existência de programas, muitas rádios só teriam quatro horas de emissão diária.

Este novo paradigma,em que o receptor exerce uma certa pressão sobre a forma e os conteúdos radiofónicos, está a reconfigurar o espaço de influência entre emissor e receptor.Há muito que a rádio tem vindo a perder este poder de influência sobre os cidadão.

Definitivamente, a audiência já não é sinónimo de influência da rádio sobre os cidadãos. E isso pesa na comunicação das políticas públicas, nas campanhas de vacinação, bem como nas estratégias de comunicação de combate a certos fenómenos, como é o caso de abuso sexual a crianças e vandalização de bens públicos.

Ou seja, o profissional que trabalhar nestas estratégias de comunicação deve compreender os níveis de influência entre emissor e receptor, de modo a não correr o risco de inundar a paisagem radiofónica com conteúdos para surdo ouvir.

Para influenciar, é preciso mais do que apenas ligar o microfone. É preciso sair do modelo de rádio elaborado para o século XX. A rádio que se faz hoje, em Angola, ainda é para uma geração de há cem anos, do contrário, os públicos não teriam como fonte primária de informação as redes sociais (ainda que os órgãos mainstream sejam uma espécie de meios para validação ou não dessas informações).

Posso afirmar que se num passado recente a sociedade vivia das novidades da rádio, hoje a rádio vive das novidades da sociedade. Parece ambíguo, não?

Outro indicador desta inversão de influência entre a rádio e a sociedade é facilmente visto quando um locutor ou radiojornalista muda de estação.

Com excepção de Jorge Gomes e de António Manuel "Jojó”, todos os ditos "grandes ” locutores da nossa praça, que se aventuraram em trocar de estação, não tiveram as mesmas audiências, a maior parte deles foi um fiasco. A questão é:

- Afinal, é a rádio que é muito boa ou o locutor?

Ora, isso só vem mostrar que o traquejo, apenas, não basta. Vozes e nomes já não são o milagre da comunicação. Produzir uma emissão que engaja a sociedade, que modela positivamente os comportamentos, que representa a criança, a juventude e a mulher, deixou de ser obra para amadores.

Esta liberdade que o receptor exerce por direito, porque influencia cada vez mais a forma de se fazer rádio e os conteúdos a serem emitidos, essa liberdade do público de decidir o quê, quando e quem ouvir, é um sinal de maturidade das audiências. É um indicador de que têm mais acesso à informação (inclusive pelas redes sociais), mais e melhor conhecimento científico, das dinâmicas sociais e da democracia.

Este manancial de conhecimentos torna o receptor mais autónomo e crítico de todo tipo de conteúdo divulgado nas rádios.

Logo, é preciso não perder de vista que os adolescentes e jovens actuais não pertencem ao sistema simbólico de comunicação projectado no século passado.

Em termos de distribuição de tempo, salvo nos casos de magazines informativos, programas de entretenimento de quatro horas (vazios, "para encher chouriço” e sem nada para agregar a moral pública), já não se justificam.

Noticiários massudos de trinta minutos ou mais precisam ser repensados. Estamos a falar de um modelo de rádio que seja atractivo e que atinja todos os segmentos sociais. Por isso, é preciso não se esquecer do papel social da rádio que é de informar, entreter e (re) educar.

Portanto, se a rádio está a perder o poder de influenciar a sociedade, é urgente repensar a rádio que se faz hoje e projectar a que se adequa aos novos desafios sociais, educativos, políticos e morais, tendo em vista a importância do papel social da rádio no contexto actual e futuro.

 

 *Consultor de Comunicação  e de Educação

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