Entrevista

Entrevista

André Itela Deque: “Estou motivado a servir o público com a coragem que me caracteriza”

Victorino Matias | Dundo

Jornalista

Com 35 anos de pleno exercício do jornalismo, André Itela Deque constitui um modelo para a nova geração de profissionais da Comunicação Social. Entrou para o jornalismo em 1988, por altura da inauguração das instalações da Emissora Provincial da Rádio Nacional de Angola na Lunda-Norte. O Jornal de Angola falou com o veterano jornalista, uma figura “incontornável”do jornalismo na região Leste. Ao longo da sua carreira, André Deque foi galardoado com o Prémio Provincial de Jornalismo e em Maio de 2023 entrou para a história da Comunicação Social angolana como vencedor da primeira edição do Prémio Nacional Catoca de Jornalismo. Deque, que tem as suas digitais ligadas à formação de muitos jornalistas da nova geração na província diamantífera da Lunda-Norte, fala do seu percurso profissional e das peripécias que atravessou

15/10/2023  Última atualização 12H35
© Fotografia por: Cedida

Em que ano começou a trabalhar no grupo RNA?

Ingressei na Rádio Lunda-Norte em 1988, aquando da inauguração das instalações da Emissora Provincial, sita na rua da Missão ou Primeiros Andares. Foi precisamente a 4 de Julho do mesmo ano, altura em que se comemorou a data da criação da Lunda-Norte. Lembro que a província era governada pelo então Comissário Norberto dos Santos "Kwata Kanawa”, que foi um dos impulsionadores do projecto junto da direcção-geral da Rádio Nacional de Angola.

Depois de inaugurada, quem foi o primeiro director da Emissora Provincial?

O primeiro director da Emissora Provincial, depois de ser inaugurada, foi Abílio Macedo. Foi ele quem lançou o concurso público com o intuito de recrutar jovens talentos nas áreas de locução, redacção, reportagem, sonorização, técnica de emissão e operadores de emissores.

Foi a primeira estação radiofónica da Lunda-Norte?

Antes dela havia na província a Rádio Diamang, que foi encerrada tão logo foi criada a Rádio Lunda-Norte do grupo RNA.

 
Então, foi por intermédio do referido concurso que conseguiu entrar na Rádio Lunda-Norte?

Com certeza, foi. Mas, o que me incentivou naquela altura era a vocação, o bichinho do jornalismo que despontou em mim quando brincava de relatar jogos que aconteciam no campo de futebol do meu bairro do Mandandji, que dista sete quilómetros da cidade do Dundo.  Acompanhava e fazia relatos dos jogos como se do Francisco Simons se tratasse.

 O futebol de bairro e o falecido Francisco Simons foram elementos que o inspiraram para o jornalismo?

Sim. À época, muitos admiravam a voz e o talento do jornalista radiofónico Francisco Simons. A forma eloquente como relatava os factos noticiosos prendia o público ouvinte aos respectivos receptores. A década de 80 foi o período em que comecei a acompanhar o evoluir de muitos jornalistas na cadeia central. Além de Francisco Simons, retenho os nomes de Manuel Rabelais, Mateus Gonçalves, Joaquim Gonçalves e de muitos outros que contribuíram para que abraçasse a carreira jornalística.

Localmente, através da Rádio Diamang, ouvia as vozes de Evaristo Itaquenha, Encarnação Casaca, e Filipe Mbwetxi, na língua Cokwe, que também contribuíram de forma significativa na forma de fazer locução numa emissão de rádio. Não foram só as figuras do campo jornalístico que me lapidaram, mas também a magia do futebol fez com que me tornasse num bom relator nos primeiros anos da minha carreira na Rádio Lunda-Norte. Muitas vezes acompanhava os mais velhos em qualquer campo que fossem jogar contra equipas de bairros como Barragem, Satchindongo e Caxinde, onde aproveitava para fazer relatos que, de certa forma, incentivavam a equipa do meu bairro para a vitória.

 
Que idade tinha quando foi admitido e quem o instruiu no abecedário da rádio?

À época, com os meus 16 anos, lembro-me de ter ido para os estúdios da Rádio Lunda-Norte muito sereno. Importa dizer que contei com a instrução do colega Gracione Paulo. Tendo em conta a minha idade, na qualidade de realizador do programa infantil, Gracione Paulo colocou-me no espaço então denominado "A Voz do Futuro”, onde encontrei outros colegas como o Paulo Alegria, Amadeu Carvalho, João Mendes, José Sonhi, irmãos Edson e Yuri Ferrão. Nos espaços noticiosos e dedicados à juventude despontavam profissionais com alguma tarimba, nomeadamente  José Neto, João Ferreira, Flausino Riquenga, Francisco Assis, José Neto Mupoia, Ribeiro Uefo, Aguilar Virgílio, Pedro Muholo, Pedro Matuca, Francisco dos Santos, Sebastião dos Santos, Damião Domingos e outros. Foi uma época memorável que a história, acredito, nunca vai apagar.

 
Ao longo de 35 anos de profissão, de certeza que teve experiências vividas e compartilhadas na redacção, sobretudo em reportagens com os colegas ou mesmo no campo desportivo. Pode partilhar esses momentos?

Um dos momentos que me marcaram foi quando o director Abílio Macedo me comunicou, numa das edições do programa infantil, que iria entrevistar a professora Rosa Pegado, então responsável da Rádio Piô nos estúdios centrais da RNA. Graças a Deus, consegui enfrentar este desafio. No final, o director disse-me: "Itela, fizeste uma boa entrevista. Dentro de meses, vais passar para o programa das dedicatórias”. Este programa era denominado "Escreva e Nós Divulgamos”, onde interagia com o público ouvinte em relação aos seus anseios. Outro acontecimento que marcou a minha carreira foi quando fui convidado aos estúdios centrais pelo Júlio Silva (em memória), que assumia o cargo de chefe de sector de programas, para fazer parte da equipa de reportagem ao jogo entre as equipas do Progresso do Sambizanga e do Sagrada Esperança, no Estádio dos Coqueiros. Ele na condição de pivô e eu na qualidade de repórter de apoio, tendo o jogo terminado com uma igualdade a uma bola.

 
Que outros momentos marcaram o seu percurso?

O acompanhamento dos jogos do campeonato provincial de futebol, em seniores e juniores, realizados nos anos 1989, 1990, 1991 e daí em diante, que motivou o chefe de sector de programas, e por iniciativa do colega Aguilar Virgílio, actual director da Rádio 5, a criar uma Redacção Desportiva na Emissora Provincial. Recordo, com nostalgia, bons momentos de desporto vividos naquela rádio, onde fiz parte do surgimento da Redacção desportiva. Na Redacção Desportiva trabalhei com o José Fernando Pinto, Zeferino Miúdo, Alberto Catombo e o Gerónimo Alberto, enquanto no município de Cambulo contávamos com a correspondência de Alberto Ihalo.

 
Depois da Redacção Desportiva, migrou para a Informação. Porquê?

Por necessidade e rotatividade dos jornalistas, assim como pela aquisição de valências noutras áreas de actividade jornalística, fui parar no Sector de Informação, onde permaneço até hoje. De tanto permanecer nesta área, acabei por perder a conta dos anos. Lembro-me, porém, que nos meados dos anos 90 estivemos engajados no engrandecimento da área de Informação, tanto que o colega Aguilar Virgílio nos apelidou  com nomes de "colegas dos estúdios centrais”.

 
Nem tudo foi um mar-de-rosas...

Com certeza. Lembro-me quando do cumprimento obrigatório do serviço militar… muitos colegas abrangidos, em função da idade, tinham que se apresentar no Centro de Recrutamento Militar (CRM), que, à época, funcionava na outra margem da Central Hidroeléctrica do Luachimo. Por vezes, demoravam a regressar. Nós, como miúdos e caloiros, tínhamos que assumir os serviços mínimos da emissão, principalmente no período matinal. Quando a entidade máxima na província, Norberto dos Santos "Kwata Kanawa”, notou que havia falha na emissão da rádio orientou os responsáveis do CRM para que fosse concedido o adiamento militar aos colegas que haviam sido incorporados no serviço militar obrigatório. Deste modo, a emissão da Rádio Lunda-Norte voltou à normalidade. Do CRM, foram recuperados os colegas Francisco Elias, Hortêncio Sebastião e o malogrado Edgar Cunha, com os quais aprendi e bebi muitas experiências, inclusive com a criação do sinal repetidor da Televisão Pública de Angola (TPA) aqui no Dundo. É de destacar a inovação dos meios tecnológicos para o trabalho. Se no passado usávamos uma Uher (gravador), que pesava cinco quilos, para levar numa entrevista ou numa reportagem, e bobinas para a emissão, hoje esses meios já não existem, fazem parte do passado.

 
Quando foi anunciado como vencedor do Grande Prémio Catoca de Jornalismo, cuja gala aconteceu no mês de Maio, em Luanda, como profissional da RNA há mais de 30 anos, qual foi o sentimento que o invadiu naquele momento?

Confesso que fiquei assustado e ao mesmo tempo eufórico pela conquista, tendo em conta a dimensão do evento. Para mim, o prémio veio agregar mais valor ao meu currículo profissional, mais valência, assim como o reconhecimento de tudo o que fiz no jornalismo. Consegui bater a concorrência de colegas oriundos de todo o país com uma matéria que retrata um bairro antigo que acolheu trabalhadores da ex-Diamang. Txibale é o nome atribuído a um dos antigos bairros dos trabalhadores contratados pela Diamang para a tradicional zona de exploração de diamantes na província da Lunda-Norte, uma cronologia que data desde a descoberta dos primeiros três diamantes entre 1912 e 1917, perto do rio Mussalala, afluente do Txihumbué, no Fucauma, município de Cambulo.

 
O que mais lhe ocorre dizer, neste momento?

Apesar das vicissitudes decorrentes das várias etapas, acredito ainda ter energia suficiente. E estou motivado para continuar a ser um profissional disponível para servir o público com a coragem que sempre me caracterizou ao longo dessas  mais de três décadas de profissão.

Comentários

Seja o primeiro a comentar esta notícia!

Comente

Faça login para introduzir o seu comentário.

Login

Entrevista