Reportagem

Antigo Musseque Pipita: Berço do primeiro aeroporto do país e do quartel principal dos Bombeiros

César André

Jornalista

Numa zona simples e com abundantes terras aráves, capinzal alto,bem como pequenas ravinas, nasceu,em 1918,o primeiro aeródromo de Luanda, e quiçá de Angola, que viria a chamar-se Emílio de Carvalho. Essa zona, que mais tarde seria incorporada no actual Maculusso, Distrito da Ingombota, era chamada Musseque Pipita, em homenagem ao primeiro comerciante português que por lá se instalou

08/10/2023  Última atualização 07H45
© Fotografia por: Arsénio Bravo| Edições Novembro

O musseque Pipita tinha à sua volta infra-estruturas de referência, com destaque para a antiga Estação do Km 3 dos Caminhos -de -Ferro de Luanda (actual Hospital Militar), bem como a antiga Maternidade Maria do Carmo Vieira Machado (actual Lucrécia Paim), só para citar estas.

A construção do aeródromo  Emílio de Carvalho veio, por assim dizer, revolucionar toda aquela zona envolvente, que passou a ser cobiçada em termos imobiliários.

Até a década de 1950, Luanda dependia do Aérodromo Emílio de Carvalho, situado  entre o actual Largo da Independência, Zona das Escolas e o quartel principal dos Bombeiros. Só para se ter uma ideia da sua extensão, a pista do aeródromo  ocupava o terreno onde hoje se encontram alguns edifícios governamentais, escolas, a Rádio Nacional, o  Seminário Maior, o Comando do Exército o supermercado Jumbo e a ex-Tourada.

O espaço do aeródromo Emílio de Carvalho incluía ainda a actual avenida Ho Chi Minh, a antiga Escola Comandante Gika e o local onde se situava o demolido Prédio da Angola Telecom. Próximo do local onde se situava o referido prédio, mais concretamente em frente ao actual  edifício Solar do Alvalade e no lado direito do passeio da Rádio Nacional de Angola, para quem desce a rotunda onde foi construído o Hotel Express - passe a publicidade - permanece o marco colocado no tempo colonial que simboliza o aeródromo.

O antigo prédio da Angola Telecom anteriormente albergara os Serviços Postais Militares. Do topo desse prédio, era possível visualizar com clareza o antigo cinema Avis (depois Karl Marx), bem como a bela imagem da Cidade Alta e da Baixa de Luanda.

 

Localização estratégica

O Musseque Pipita era considerado estratégico por se situar numa zona que dava, por assim dizer, acesso a algumas áreas "virgens”. A zona era também propícia para a caça. O musseque deveu o seu nome ao comerciante português António Pipita, que terá sido dos mais notáveis entre os primeiros habitantes da zona. A sua graça e simpatia fez com que os residentes estendessem o seu nome a toda a circunscrição.

Aquele pedaço de terra vermelha em forma de uma "ilha”, a que se chamou Musseque Pipita, viu posteriomente nascer o Quartel dosBombeiros, que posteriormente passou a fazer parte das estruturas do aeroporto Emílio de Carvalho, sendo uma referência obrigatória.

Os funcionários públicos ligados ao Serviço de Bombeiros tiveram uma certa influência no surgimento e extensão do musseque, visto que aproveitaram os pequenos baldios para construírem as suas cubatas de pau-a-pique e de madeira.

Dos indivíduos que influenciaram a progressão do bairro, destacam-se dois motoristas bombeiros: os senhores  Artur da Cunha e Alfredo José, ambos portugueses, que construíram as suas casas neste pequeno pedaço de terra. Para além destes, vieram outros ligados àquele quartel de bombeiros, a maioria dos quais pretendia, obviamente, ter uma casa própria próximo ao local de serviço.

 
Figuras lendárias

A circunscrição no tempo colonial tinha uma loja de referência, o estabelecimento comercial do senhor Teixeira, que mais tarde viria a ser ocupado pelo senhor Mendes, ambos provenientes de Portugal. Era na loja do senhor Teixeira onde os moradores do Musseque Pipita recorriam, com bastante frequência, para comprar os bens de primeira necessidade e outros produtos essenciais.

Além de apoiar os moradores do musseque, a loja atendia uma parte da população que vivia nas cercanias da antiga Estação dos Caminhos de Ferro de Luanda, na actual Maianga, e noutras zonas adjacentes.

De referências do Musseque Pipita não é tudo. Havia também no bairro um grande quintalão que mais tarde viria a ser transfomado em oficina auto, que era bastante concorrida e tinha como proprietário o senhor Miguel, um português de Sintra.Denominada  Auto Viseu, esta oficina  ficava ao lado da loja do senhor Teixeira e era frequentada por uma certa elite portuguesa que residia nalguns bairros já "consagrados”, atraídos pela afamada competência e dedicação dos mestres mecânicos. 

O Musseque Pipita contava também com um grande estofador que satisfazia os caprichos mais requintados da sua clientela.Tratava-se do senhor Joaquim Manuel, um transmontano  de Portugal que deixou a sua marca no bairro.

Habitou também na zona, durante muito anos, o velho Caculo, um carpinteiro de se lhe tirar o chapéu.Velho Caculo era o pai do jornalista Evaristo José, actualmente emprestado à diplomacia. Era um mestre incomparável na arte de transformar a madeira em móveis. Durante muito tempo, ficou conhecido pelos moradores do Musseque Pipita e arredores como "Picasso”, dado o seu virtuosismo na transformação da madeira em arte funcional do mobiliário.Os seus produtos eram comercializados em vários bairros da cidade capital.

A Velha Jota,proveniente de uma família humilde de luandenses e que morou numa casa de pau-a-pique no Musseque Pipita, foi uma das figuras lendárias da circunscrição.A Velha Jota era tratada como a mais velha do bairro e tinha bastante consideração dos moradores. A anciã era irmã do senhor Brás, outra figura emblemática do bairro.

Morou também no bairro, na zona junto aos Bombeiros,  a Dona Esperança, que também era uma pessoa influente. Atenciosa e conselheira,a Dona Esperança era considerada por muitos como  uma mãe.De resto, era das mãos calejadas da mulher que saíam na prefeição os quitutes da terra que eram comercializados ali mesmo bem próximo, na esquina da entrada principal do quartel dos Bombeiros.

Constituída na sua maioria por casas de madeira, em detrimento das de pau-a-pique, o Musseque Pipita confundia-se com uma "pérola”, devido a sua posição geográfica.A sua proximidade com o quartel dos Bombeiros conferia-lhe um estatuto de bairro da cidade do asfalto, estatuto reforçado por estar bem juntinho ao aeroporto.

No pós-Independência, o bairro, durante muito tempo era frequentado (visitado) por jornalistas de vários orgãos de comunicação social, com maior incidência para os da Rádio Nacional de Angola e da Televisão Pública de Angola,para mergulharem na boémia ou simplesmente desanuviarem a alma com uma boa companhia ao sabor de uma bebida.

 
Evolução da circunscrição

Salvador Sebastião "Gége”, um antigo morador, diz que o Musseque Pipita também cresceu fruto da dinâmica das pessoas que aí passaram a residir. "Uma das facilidades que tínhamos era o facto de, se porventura tivéssemos um incêndio em casa, era logo correr às portas do quartel anunciar a ocorrência sem grandes esforços”, contou."Outro facto relevante é que a zona era uma placa giratória, situada num ponto em que podemos nos deslocar com facilidade para a Baixa da cidade e outros locais”, disse o nosso interlocutor.

Antigo director artístico do Conjunto 1º de Agosto, Kota Gégé, como é tratado  carinhosamente pelos mais próximos, afirmou que o Musseque Pipita é mais um daqueles bairros históricos  de Luanda que merece uma atenção redobrada e pontual do Estado, "para sair do marasmo em que se encontra”.

A estrutura metálica do antigo hangar do aeródromo Emílio de Carvalho ainda hoje existe, albergando agora uma concessionária de automóveis. Foi nessa estrutura onde passaram  alguns dos pioneiros da DTA, como os pilotos Manuel Pereira Valente e Edmundo de Brito Pestana.

Nos idos dos anos 1940, era nesta zona do Musseque Pipita (próximo ao hangar) onde se situava um  estabelecimento e uma das primeiras casas do bairro erguidos em madeira e pau-a-pique no período nocturno, devido ao cerco apertado da fiscalização da câmara Municipal de Luanda.

João Pedro Gomes, antigo morador, contou que o bairro sofreu muitas transformações: as ruas foram todas fechadas e já não se circula à vontade como no antigamente. Os serviços de água e luz, bem como o saneamento básico, deixam muito a desejar.

"Antigamente nós andávamos à vontade, as ruas eram largas e as viaturas  circulavam de um lado para o outro sem constrangimentos. Hoje o impossível tomou conta da circunscrição.  O bairro necessita ou clama por uma requalificação urgente. Já fomos notificados há mais de três anos, e até agora nem água vai, nem água vem”, desabafou José Pedro Gomes.

Benvinda Sousa, também antiga moradora, afirmou que no pós-Independência o bairro mudou de cara: "muitos assaltos em tudo quanto é canto, a delinquência e outros males vieram infernizar os moradores”.

De nacionalidade cabo-verdiana, Benvinda Sousa diz ter nascido no bairro Prenda e passou quase toda a sua adolescência no Musseque Pipita. "Antigamente o bairro tinha outro estatuto, mas hoje não vale apena, meu filho. Muita confusão. Essas Konicas vieram estragar o bairro que era calmo”, afirmou.


Aeroporto Emílio de Carvalho

Alguns escritos da época colonial indicam que em  1918 foi construída em Luanda uma pista de aviação para responder às necessidades básicas da época, com uma dimensão que permitia a descolagem e aterragem segura dos aviões. Começou por ser uma pista de aviação para o apoio a uma esquadrilha militar durante a Primeira Guerra Mundial. Após o conflito, foi adoptada por entusiastas dos ares, como Emílio de Carvalho, pioneiro da avição em Angola, responsável pelos primeiros voos civis no país.

À pista no início da década de 1940 foram acopladas infra-estruturas que a transformaram num aeródromo, a que foi atribuído o nome Emílio de Carvalho. Esse aeroporto viria a fazer história na capital e no país.

Na época, o traçado urbano de Luanda  desenhava-se como um triângulo entre a Cidade Alta, a Baixa e as Ingombotas, para onde depressa a cidade viria a se expandir.Durante décadas, foi do aeródromo Emílio Carvalho  que chegavam e levantavam os aviões com destino e partida de Luanda.

O historial da aviação  civil em Angola aponta que, terminada a Primeira Guerra Mundial, o avião  assume primeira importância como meio de transporte. Com  um território muito extenso, Angola adopta-o sem hesitações.

As primeiras viagens: em 1940, dois anos após a criação da DTA -Direcção dos Transportes  Aéreos de Angola - dependente da Direcção dos Serviços de Portos, Caminhos de Ferro e Transportes de Angola, uma frota de cinco pequenos aviões dá início aos primeiros voos comerciais nacionais, com destino a Moçâmedes e Lobito, e internacionais, para Ponta Negra, no Congo Brazzaville.

Esta nova fase da aviação angolana, com aeronaves de médio porte, exigiu a criação de infra-estruturas de apoio, e o antigo campo de aviação, onde entretanto surgiram as primeiras instalações oficiais da DTA, foi conhecendo sucesssivas ampliações e modernizações.

A pista, inicialmente de terra batida, passou a ser de terra compactada, e foi sendo sucessivamente aumentada, o que lhe  permitia receber os aviões de médio porte (DC-3, DC-4 e DC-6) que passaram a ligar Luanda e Lisboa.

Ao longo de cerca de uma década de actividade, o aeródromo Emílio de Carvalho adaptou-se e conseguiu responder ao volume crescente de passageiros e carga que registava. Nas suas instalações, com a morada oficial "Estrada de Catete, Km 3”, funcionava ainda o principal Centro Meteorológico de Angola.

A partir da segunda metade  do século XX, o progresso expandiu os limites da capital. O aeródromo viu-se rodeado de construções e descobriu-se que era pequeno para receber os modernos e imponentes aviões que transportavam um número crescente de passageiros à medida que as viagens aéreas se popularizavam.

Já em 1945 tinham sido dados os primeiros passos para a construção, de raiz, de um novo aeroporto que reunisse todas as condições de segurança. As obras arrancaram  em 1951 e, em 1954 , estava concluído o Aeroporto Presidente Craveiro Lopes, nome do então Presidente da República Portuguesa, que o inaugurou  em visita oficial a Angola.

Após a Independência, passou a ser referido, simplesmente, como "Aeroporto de Belas”, município  onde se encontra, para ser rebaptizado, em cerimónia oficial a 3 de Fevereiro de 1979, como Aeroporto Internacional  4 de Fevereiro, evocando a data do início da Luta Armada de Libertação Nacional.

Com a desactivação do aeroporto Emílio de Carvalho, encerrou-se um capítulo da aviação comercial em Angola, aquele que acompanhou a "época de ouro” da indústria aeronáutica que então viveu uma era de "glamour”, entretanto esquecida graças à democratização das viagens aéreas.

Emílio de Carvalho, note-se, foi um tenente de cavalaria, apaixonado por aviões, que faleceu num desastre nocturno de aviação em 13 de Novembro de 1924, numa modesta pista de aviação em Luanda. Foi o pioneiro dos raids aéreos entre Luanda e Léopoldville (hoje Kinshasa).


Atraídos pelos aviões

Os aviões, na época, atraíam muitos adolescentes, e não só. A curiosidade era tanta que até chegava ao ponto de muitas crianças percorrerem vários quilómetros para ver a evolução na pista das aeronáveis e sua descolagem.

César Bastos diz que, de sua casa,  se ouvia sistematicamente o roncar dos motores dos aviões. "Aos sábados de manhã, invariavelmente, sobretudo nas férias escolares, deslocava-me por montes e vales (incluindo o Rio Seco) até ao aeródromo Emílio de Carvalho para apreciar os Dakota (vulgo DC-3),  os Draggon, os PV2 e outros aviões pertencentes à frota da DTA”.

"Outras lembranças de uma infância muito marcante está relacionada  com   os momentos em que saía de casa à revelia dos pais, e me dirigia  ao aeródromo para observar as movimentações das aeronaves. Com toda a atenção  de menino apreciava tudo quanto ali se processava, com especial  interesse pelas aeronaves em si”, enfatiza César Bastos.

Daniel Oliveira conta que quando kandengue subia o Rio Seco, por onde hoje é o bairro Alvalade, "atravessava aquela terra vermelha toda para ver as avionetas quando elas levantavam voo para lançar panfletos publicitários. Então era o máximo”, exalta.

Victor Bandeira afirma que foi no hangar deste antigo aeródromo onde teve aulas de ginástica no ciclo preparatório com o professor Montez, nos anos 60. "Era correr desde a Escola Industrial de Luanda até lá para não apanhar falta”, sublinhou.

Américo Olim disse que era no hangar do antigo aeródromo Emídio de Carvalho que "nós, paraquedistas  do Aero Clube de Angola, íamos dobrar os paraquedas para depois irmos saltar no campo do Golfe”.

De resto, reza a história que os primeiros aviões comprados pela TAP, em 1945, foram dois Douglas DC-3 Dakota, muito usados na Segunda Guerra Mundial, com capacidade para 21 passageiros. Foi com os Dakotas que a recém-formada companhia de Transportes Aéreos Portugueses se aventurou nos céus, no ano seguinte. Primeiro de Lisboa para Madrid e depois, com a inauguração da "Linha Imperial”, Lisboa, Luanda e Lourenço Marques,  actual Maputo, numa verdadeira epopeia."Era uma incrível viagem de 24.540 quilómetros - estávamos em 1946- a mais extensa linha mundial operada com aviões bimotores”, referiu Américo Olim.

Na Linha Imperial, nome por que o general Humberto Delgado, hiperbolicamente, designou a rota aérea, a TAP teve a necessidade de passar a operar  com o avião Skymaster.


Estação do Km 3 versus Hospital Militar

A circularem em Luanda desde 1861, os comboios  eram meios de transporte muito utilizados na cidade. Um dos ramais dos Caminhos -de- Ferro rumou em direcção ao novo e primeiro aeródromo de Luanda.Diariamente, e por duas vezes, o comboio fazia o percursso de ida e volta entre a Estação do Bungo, próximo ao Porto de Luanda, e a Maternidade e o aeródromo, passando pelas paragens das Quipacas, Câmara Municipal e Cidade Alta.

Foi num destes comboios que, nos anos 50, Rui Ramos,  veterano jornalista da Edições Novembro,  desfrutou da viagem em companhia de amigos e colegas de escola.

"O comboio vinha do Km 5, tinha paragem na zona do Cine Atlântico, seguia pela frente da Escola 7, Hotel Globo, São José do Cluny e Bingo. Andei  nele com 6 anos de idade e atirava-me em andamento perto da Escola 15”, contou.

Em  1951, ultrapassado em rapidez e acessibilidade, o ramal do Caminho -de- Ferro foi desactivado e acabou por desaparecer por completo sob os novos bairros da cidade.

O Caminho -de- Ferro de Luanda (CFL) completa a 31 de Outubro 130 anos de existência. Para trás  ficam memórias de um percurso com altos e baixos, que vêm desde Outubro de 1888, data em que foi lançada sobre os carris, pela primeira vez, uma locomotiva em solo angolano, marcando assim o instante inaugural da epopeia  ferroviária no país.

Na lembrança,fica ainda a gesta dos trabalhadores.
O Caminho -de -Ferro de Luanda é o mais antigo do país, mas nem sempre se chamou assim. Era inicialmente denominado  Caminho -de- Ferro de Ambaca  e apenas ligava Luanda e Funda, num percurso de 35 quilómetros.

Só em 1900, o comboio chegou a Lucala, enquanto Malanje teve que esperar mais oito anos para ver o comboio apitar.

A primeira estação  foi construída onde ainda hoje funciona, no Bungo, de onde saía o comboio para a Estação da Maianga, que servia a Cidade Alta, seguindo pelo interior do burgo.Nos  finais dos anos 50,  foram ordenados estudos para a construção  de uma linha que, saindo da Estação Central de Luanda, e seguindo por entre a Boavista e o Rangel, se ligasse à linha geral com o objectivo  de permitir o surgimento de novas construções nas áreas atravessadas pelo comboio dentro do casco urbano.A criação e expansão da linha férrea foi impulssionada por factores  demográficos, mas sobretudo económicos.A linha atravessava propositadamente ricas parcelas do território, onde se fazia o cultivo de café, que era trazido de comboio para Luanda, de onde era escoado para o mercado internacional.

Mas a importância da linha férrea não estava confinada ao café. O comboio dava o seu contributo ao transporte de outras riquezas, como o manganês que era explorado entre Ndalatando e Lucala.


Descendentes do musseque

Nos dias de hoje, fica difícil falar dos descendentes do Musseque Pipita,  na medida em que o tempo vai passando e as pessoas vão envelhecendo e morrendo.

"É como se fosse procurar agulha num determinado palheiro. Devido aos anos que passaram, torna-se difícil encontrar um dos descendentes do Musseque Pipita”, conforme contou ao Jornal de Angola Dona Benvinda Sousa, que vive na circunscrição há mais de 40 anos.

Os últimos habitantes que conheceu, segundo disse, "eram as duas últimas filhas da Velha Jota, descendente de luandenses, que moravam numa casa de pau-a-pique e que já são falecidas. Tratava-se da Belita e da Celeste. Outras não me vêm à memória, mas já partiram para a eternidade”, enfatizou Benvinda de Sousa.

A reportagem do Jornal de Angola tentou localizar outros antigos moradores mas as diligências revelaram-se infrutíferas, pois alguns  dos poucos antigos moradores foram viver para o Zango.

Mas o que se sabe é  que antigamente os bombeiros dominavam demograficamente a circunscrição, que já foi uma das "jóias” do Maculusso, por estar situado entre o musseque  de terra batida e o casco urbano.

Actualmente o bairro alberga novas gentes provenientes de várias latitudes de Luanda, e não só, numa  convivência pacífica de várias culturas.

Rui Kandov disse à nossa reportagem que no tempo colonial, enquanto garoto, se dirigia com frequência, em companhia dos amigos, ao Musseque Pipita, onde, nos  quintais das residências, havia sempre uma macieira. "Era aí onde nós roubávamos as maçãs da Índia”, recorda.

 
Comércio informal

Mergulhado num autêntico caos, o bairro Pipita clama por várias intervenções, a começar por uma séria requalificação. Invadido por um comércio desleal, a circunscrição virou sítio de "apetites” comerciais, transformado-se numa pequena "bolsa de valores” do Maculusso.O comércio informal tomou conta do bairro, preenchido por construções desordenadas. O comércio é dominado pelas casas das Konicas, que, entre outras coisas, fazem a reprodução de fotografias e fotocópias. A venda de refeições baratas para os funcionários públicos das redondezas também se tornou moda. São notórios os restaurantes "improvisados”, que se enchem de clientes nas horas de ponta (sobretudo ao almoço).O bairro está feito um labirinto em que os funcionários públicos da chamada Zona dos Ministérios se movimentam à procura de refeições baratas.

Noutra vertente, é de mencionar que há vários anos nasceu ali próximo, no lado oposto ao Colégio Elizângela Filomena, que já foi Casa de Trânsito dos Professores, uma  famosa paragem de táxis, referência obrigatória para muitos cidadãos que pretendem atingir a vila de Viana.Nesta paragem, é comum observar taxistas que se dirigem para destinos como  Congolenses, Shoprite, BCA, Grafanil-Bar, Bela Vista, Robaldina, Estalagem Moagem, Estalagem Bombas, Alimenta Angola, Sonangalp, Ponte Partida, Bombas dos Mutilados,  Bombeiros,  SGT e Vila Ponte Amarela.

O frenesim diário nas horas de ponta propicia o surgimento de ladrões à cata de incautos passageiros para lhes roubar as carteiras e os telemóveis.  Com o reinício das aulas, as coisas estão "fofas” para os ladrões, pois os estudantes tendem a ser as principais vítimas.

Cidadãos há que para não caírem na "armadilha”  dos ladrões na paragem em referência optam por apanhar os táxis directos para os seus destinos a partir do Hospital Militar ou da Maianga, pagando para o efeito 500 kwanzas.


Soluções precisam-se

Os moradores do Musseque Pipita reclamam  das autoridades a resolução dos problemas de saneamento básico, da rede de distribuição de energia eléctrica e da água potável. "Já se fez algum trabalho nesta vertente (água) com a ligação da rede de água, agora falta o essencial, que  é jorrar o precioso líquido nas torneiras”, desabafou  João Pedro Gomes.

Dada a sua localização privilegiada, não fossem as  construções desordenadas, o Musseque Pipita poderia ter um outro estatuto no contexto urbanístico de Luanda.Mas não é o caso. Nem sequer a sua principal referência actual foi poupada: o  Quartel Principal dos Bombeiros foi "cercado” por lojas e casas onde  só se chega através de becos. Enfim, esse é o retrato possível do antigo Musseque Pipita.

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