Opinião

As palavras começam a negar-se a si próprias

Manuel Rui

Escritor

No tempo antigo, antes da escrita, a palavra tinha um valor especial. “No princípio era o verbo”. Com a palavra se fazia oratura, poesia, cantigas para responder ao rufar dos tambores e às mensagens dos xingufos. Com a escrita, a palavra deu origem a guerras, mas foi com a palavra escrita que se pararam as guerras.

28/03/2024  Última atualização 07H05
Infelizmente, dividindo para reinar. O mundo ocidental, autor de duas guerras mundiais que afectaram todo o planeta terra não se cansa de guerras, sempre com a umbrella (chapéu de chuva) da América. 

A recente abstenção na palavra daquela senhora descendente de africanos e agora embaixadora dos EU na ONU, é um escândalo, a abstenção para não condenar o nazismo que Israel impõe até à destruição do povo palestino.

Corre o mundo a fotografia de um rapaz criança, no meio dos destroços, com uma rosa na mão. Agora já não se fala aniquilamos, eliminamos inimigos. Agora é matamos, vamos continuar a matar até ao fim.

As pessoas que estão do lado do ódio e da morte contra a paz e o amor são todas religiosas, católicos, protestantes, leem a Bíblia, Judeus a Tora, Muçulmanos, o Corão, por aí fora. No entanto são estes líderes que todos os dias fomentam a guerra.

A União Europeia já defende uma estrutura militar própria. O euro com espingardas nas notas e nem se recorda da 2ª guerra mundial, que os vencedores passaram a integrar o Conselho de Segurança da ONU, com direito a veto. A estrutura mais obsoleta e antidemocrática está na ONU e Israel, quase de certeza, não vai cumprir. E se não cumprir? Não lhe acontece nada.

No fundo, subjaz uma maka antiga de perseguição dos  cristão aos árabes e vice versa. Quem inventou a "terra prometida” foi a rainha de Inglaterra, do grande império que perdeu contra a força da palavra de Ghandi.

A questão que ainda vão invocar é que o Hamas não é um Estado, não tem personalidade jurídica internacional. Mas Israel quer os reféns e não para de matar pessoas com obuses, bombardeamentos, e ultrapassa a lição de Hitler, pois deixa morrer crianças, de intenção, não lhes autorizando beber ou comer.

Estes crimes contra a humanidade só encontraram uma voz coerente, africana, de que nos devemos orgulhar. A África do Sul cortou relações com Israel e abriu um julgamento no Tribunal Internacional com óbvios juízes de tendência.

No início, Israel evidenciou-se como um país exemplar, transformando a areia em terra produtiva. Os kibutzim, forma de produção colectiva, homens e mulheres, os avanços científicos, as técnicas militares onde estrangeiros iam aprender, incluindo os angolanos, colocou Israel numa subpotência mundial.

Agora, as palavras nunca dizem o que se pensa ou são usadas para o ódio contra a paz e o amor.

Um dia, em Espanha, num congresso, encontrei uma jovem mestrada e escritora colombiana, refugiada em Gijon, terra onde comíamos todos os dias grão de bico (gravanços) com colher. Ela falava "que o amor era muito maior do que a imaginação toda mais o impossível.”

(…)Ela beijou-me nas duas faces, esguia, bem modelada e com um rosto de frescura matinal, falando logo, descendente de negros e maronês, apelido de Benavides, cabelo rente às ondinhas com um gel brilhante e uma água de colónia de aroma azul  celeste, "uma flor disfarçada de mulata”-pensou Zito- e sobre o exílio ela a sorrir ”neste momento é impossível estar na Colômbia… e, sobretudo, não há formas de amor.

Devemos inventar a palavra  para as coisas que não existem.” (Travessia por imagem, p.415, Manuel Rui).

Benavides pensava bem sobre a palavra e o amor. Ela era uma paixão perdida no mergulho que fazia para dentro das palavras e sempre falava com emoção, parecia que ia começar um poema. Passou tanto tempo, não sei se ainda existe, mas deixaste-me bem guardada num pedaço do meu coração.

Mas não devemos desistir porque eles perderam sempre. Nem vou fazer a lista. A palavra ganhou sempre. O Mundo acaba se acabar a palavra. Então. Mais uma vez, é preciso escrever com palavras para as coisas que não existem.

Porque sobre as que existem, as palavras andam a ser usadas como se só tivessem interesse contra o outro por quem não conhece o nós.

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