Opinião

Até onde vai Trump?

Adebayo Vunge

Jornalista

O ano mal começou e os factos ocorrem à velocidade da luz. É o caso dos eventos da última quarta-feira, nos Estados Unidos da América, onde os apoiantes de Trump tentaram, num golpe vergonhoso e inigualável, impedir a indicação de Joe Biden pelo Senado, ao perpetrarem uma invasão que resultou em danos humanos e materiais avultados.

11/01/2021  Última atualização 14H44
O pior de todo aquele espectáculo passa-se ao nível simbólico: De um ponto de vista do sentido de cidadania e sentido republicano (não do partido) que é exigido aos políticos de uma maneira geral e no caso americano desde a proclamação da independência e a construção de um Estado verdadeiramente democrático. Como em toda a parte, a democracia deve sempre ser vista como um projecto de afirmação do Estado, mas não é tolerável um recuo quase medieval, como vimos na passada semana em Washington.

Dogmático e inspirado num populismo atroz, como dizia Barack Obama, a verdade é que o movimento de Trump parece estar efectivamente a ir longe demais, apoiado em correntes do próprio partido Republicano ora por medo ora por oportunismo político pensando no que poderão ser os próximos pleitos eleitorais. Não há memória histórica desde Georges Washington que faltasse tanto em matéria de sentido de Estado e compostura a um Presidente americano.

Trump não é o primeiro Presidente americano a perder as eleições para um segundo mandato. Não faz muitos anos, George Bush pai, um senhor todo poderoso, antigo responsável dos serviços secretos e um verdadeiro homem do aparathik, foi derrotado pelo jovem congressista Bill Clinton. É óbvio que a elevação de Bush é incomparável a de Trump. Ainda nos últimos anos, outros candidatos perderam eleições apenas no colégio eleitoral mas obtiveram votação superior dos cidadãos como foram os casos de Al Gore e Hillary Clinton, fruto da complexidade do sistema eleitoral americano, herdeiro do sistema dos estados gerais de França. E naquelas derrotas não vimos o degradante espectáculo que está a ser a transição de Trump, que tenta a todo o custo obstaculizar e inviabilizar a ascensão de Biden.

A maioria dos analistas suspeitava que Trump e o trumpismo não tivessem ainda arredado pé. Suspeita-se que outras acções possam estar a ser engendradas numa altura em que é o povo que mais sofre com os danos de um fim de mandato completamente atabalhoado. O seu trunfo económico e social que foi a redução do desemprego para níveis históricos desmoronou-se ante a forma irresponsável como geriu a pandemia. Primeiro em negação plena e depois em clivagens com tudo e todos os que ao nível dos Estados tentavam fazer alguma coisa para evitar o caos que se vive actualmente.

Errático, Trump caminha agora sem quaisquer apoios na cena internacional tal foram as cruzadas criadas no plano diplomático. Primeiro o muro, depois a negação das alterações climáticas, seguiu-se uma guerra comercial com a China e por fim o abandono da OMS. É um populismo discursivo e massificado pelas redes sociais que revela uma verdadeira monstruosidade.

Até à tomada de posse prevista para o próximo dia 20 de Janeiro, aguarda-se com expectativa para perceber no que mais ele é capaz de nos surpreender explorando as fragilidades de uma cisão indisfarçável que ele acirrou no seio da sociedade americana. A governação de Biden, por isso, tem substantivos desafios pela frente.

Se é verdade que o discurso do ódio é destruidor e uma antítese aos valores da democracia, Barack Obama deixa claro que a coabitação pacífica terá de voltar no seio dos americanos. "Vamos estar todos em cima uns dos outros. Teremos de descobrir como viver juntos”.

É curioso para mim o Editorial da revista The Economist onde amiúde diz-se o seguinte: "As fotos da multidão a invadir o Capitólio, transmitidas alegremente em Moscovo e Pequim, e lamentadas em Berlim e Paris, são as imagens definidoras da presidência não americana de Trump”. Não lembra a nada.

Ou melhor, havia o estereótipo do quanto esta era uma postura apenas das democracias emergentes, mormente dos líderes africanos. Sucede que esta ocorre exactamente no "centro”, mesmo ao lado da imagem monumental de Lincoln. O que é, entretanto, verdade é que independentemente da geografia, a democracia é feita e alimentada apenas por democratas sejam eles africanos, europeus, norte-americanos ou asiáticos.

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