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Viajar por Angola, por estrada, nunca foi tarefa fácil, sobretudo durante o conflito interno que o país estava mergulhado. Com o fim do conflito armado, há 21 anos, o Governo tem criado políticas públicas para melhorar a malha rodoviária. Mas, mesmo assim, viajar por estrada não é nada fácil, continua a ser uma grande aventura
Ao Adilson foi confiada a missão de levar dois repórteres do Jornal de Angola à província de Malanje. Apesar de não conhecer a via,o jovem, que aparenta ter 33 anos, a idade de Cristo, aceitou o desafio e mergulhou na maior aventura da sua vida. Como é do conhecimento geral, para sair de Luanda ou se vai pelo Benfica ou por Viana.
Numa viatura 4X4, atribuída aos órgãos de Comunicação Social, a aventura iniciou próximo da conhecida Estrada de Catete. Para desanuviar o ambiente, o motorista tirou do seu repertório a melhor selecção de músicas para acompanhar o pessoal durante a viagem. O que despertou a atenção da repórter foi tema "Solteiro estou melhor”. Repetido mais de dez vezes, o som deixou Dombele Bernardo, o repórter fotogréfico, com os nervos à flor da pele.
"Mas já não há outra música neste teu telefone?”, desta forma a primeira discussão saudável durante a viagem.
Mas a aventura, no verdadeiro sentido da palavra, só começou à saída da localidade de Maria Teresa, quando se ficou a saber que oAdilson afinal nunca tinha ido a Malanje, era um ilustre desconhecido quanto ao percurso a fazer até chegar à Terra da Palanca Negra Gigante."Vai só tudo direito”, disse o Dombele, num tom irónico, enquanto a autora destas linhas colocava as mãos à cabeça,orando para que se chegasse ao destino em segurança.
Os buracos encontrados ao longo do caminho foram o grande calcanhar de Aquiles, porque quando não se conhece a estrada, muito facilimente o automobilista cai nas suas armadilhas. E foi exactamente o que aconteceu. "Adilson, não estamos numa corrida de Fórmula 1, mal conheces a estrada e muito menos para onde vais, por isso, por favor, ande devagar, deixe o show para mais tarde, quando chegarmos ao destino sãos e salvos”, dizia a repórter, já furiosa, ao notar que o motorista não respeitava 100 por cento o Código de Estrada. Com muita facilidade procurava fazer ultrapassagens mesmo nas curvas.
A via que liga Ndalatando e Malanje é um autêntico calvário. Até cabras monteses teriam enormes dificuldades em vencer todos aqueles obstáculos.
Foi um autêntico pula-pula. Nem mesmo o cinto de segurança conseguia manter as pessoas seguras naquelas crateras lunares. É muito buraco!Anteriormente feita em três horas, hoje percorrer aquele troço não leva menos de cinco horas. E ainda de esquebra encontras nacaminhada jovens aproveitadores que fingem tapar buracos para te ficar com os trocados.
"Amigo, deixa 100, deixa um 100”, cantam em direcção a todos oscarros que fazem o afrouxamento obrigatório no local onde eles, supostamente,tapam os buracos e aguardam por uma recompensa pelo serviço prestado.
"Está duro para todos, manos”, essa é a resposta da maioria dos automobilistas, mas os motoqueiros e kupapatas dão sempre uma moeda de 50 ou 100 kwanzas, pois conhecem a realidade dos irmãos da estrada.
Acordada durante as quatro horas da viagem, deu para perceber que a maioria dos acidentes, naquele percurso, tem como causa o péssimo estado da estrada, acoplado à condução irresponsável dos automobilistas, que desrespeitam o Códigode Estrada e os perigos decorrentes desta atitude irresponsável.
Até o Presidente da República reconheceu o mau estado dessa estrada durante a sua visita de 6 a 7 de Setembro último à província de Malanje: "No troço de Catete, Maria Teresa até Ndalatando, a estrada não está boa, mas(…) o ministro da Construção anunciou publicamente que vão atacar já até Ndalatando. Temos o problema de Maria Teresa/Cacuso”.
Nem tudo são espinhos
Nem tudo foram espinhos durante a viagem, pois Angola é um país rico em paisagens. Mesmo sem o devido tratamento do homem, Deus faz questão de manter a natureza verde, com ar puro que faz prescindir do uso do ar-condicionado do carro. A via fica ainda mais bonita com a exposição dos produtos do campo comercializados à beira da estrada por homens e mulheres que dependem do cultivo de pequenas lavras para o sustento familiar. São muitos produtos da terra que chegam saudáveis às nossas mesas, desde as batatas doce e rena, inhame,mandioca, tomate verde e maduro e banana pão e de mesa, ao milho, feijão, berinjela, alho, fuba -, com direito a moagem de 200 kwanzas -, abacate, mamão, melancia, ananás, maboque e laranja. Por isso, as paragens ali são obrigatórias. Ficam tristes as vendedoras do Mercado do 30, em Luanda, pois quem sai de Malanje, passando por Ndalatando, compra na fonte, como se diz na gíria, todos esses produtos à metade do preço.
A chegada triunfal a Malanje
O destino da equipa de reportagem, como dito acima, era a cidade de Malanje, onde, graças a Deus, se chegou em segurança por volta das 20 horas. Uma chegada triunfal. Mas como não há bela sem senão, a decepção aconteceu na recepção da pensão para a hospedagem. Em função da visita de altas figuras do Estado, os donos de hotéis e similares decidiram por "motu proprio” subir os preços dos serviços.Numa hospedaria, um quarto sem internet nem TV, com água fria, o custo rondava entre 15 e 25 mil kwanzas por noite. Sem falar da famosa galinha"gentia”, o prato de visita dos malanjinos, que subiu de cinco mil para 10 mil kwanzas. A equipa deixou Malanje sem apreciar esta iguaria, que é a”galinha de kimbundo”, da rica culinária da terra das Pedras Negras de Pungo Andongo.
No dia seguinte, pelas seis horas da manhã, a equipa fez-se à estrada de volta a Cacuso, para reportar a visita do Presidente João Lourenço à Biocom, aquela que é a única fábrica de produção de açúcar e etanol do país. A via não estava tão mal assim, pelo menos os pneus não ficaram carecas. Cacuso é uma vila movimentada e com um povo acolhedor. Pelo caminho se podia provar por tostões o melhor bombó assado com ginguba do mundo. A famosa magoga lá também já é vendida aos montes e com muito boa aceitação daqueles que não "matabicham” quando saem de casa. Na rua, muitos jovens deambulavam de um lado para o outro, sem rumo certo, por falta de emprego. As enormes filas nos multicaixas de Cacuso não diferem das de Luanda.
"Quem é o último da fila?”;"Se queres dinheiro fica à direita”; "Consulta é na fila da esquerda”, questões típicas do quotidiano dos angolanos.
Da vila de Cacuso até à empresa Biocom, o percurso é feito em 20 minutos. Pelo caminho, fazendas e terrenos baldios.Há muitas casas de adobe. Uma escola, de cor rosa, chama a atenção, por falta de portas, janelas, carteiras, alunos e professores. - Isso é o quê? pergunta a repórter a uma menina que aparentava ter 15 anos.
- É a nossa escola, mas não dão aulas faz muito tempo - respondeu, correndo, sem sequer dar tempo para nova perguntar e dizer o nome.
Ali, literalmente, não há desenvolvimento. O visível naquelas comunidades localizadas na via que leva até a Biocom são as ruas iluminadas. Uma boa notícia é que na localidade quase todos os homens e mulheres jovens trabalham na Biocom.
Praticamente sem concorrentes na produção de açúcar, etanol e energia limpa e renovável, a Biocom é um gigante em Angola. A empresa, que explora uma área plantada superior a 30 mil hectares, emprega mais de200 trabalhadores nacionais, oriundos do município de Cacuso, na sua maioria com idades entre 18 e 35 anos. A maioria está no seu primeiro emprego e recebe formação profissional.
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