Reportagem

Benguela: Escola rural “Otchitanda Epongoloko” melhora a qualidade de vida das mulheres produtoras

Arão Martins / Benguela

Jornalista

A iniciativa está inserida no projecto no Programa de Reconversão da Economia Informal com o apoio do INAPEM e da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO)

15/10/2023  Última atualização 08H16
© Fotografia por: DR

Maria Joana mora há 15 anos no Bairro Asseque, no Vale do Cavaco, arredores da cidade de Benguela. Desde então, dedica-se à agricultura no seu pequeno sítio de cinco hectares. No espaço produz de tudo um pouco, desde pepino, banana, gindungo, abóbora, repolho, couve, cenoura, cebola, batata rena e doce, que vende, regularmente, no mercado 4 de Abril e em algumas feiras locais.

Entretanto, ela confessa que, há períodos em que a produção fica comprometida, por falta de compradores. Paula Javela é outra camponesa que, além de produzir hortícolas, se dedica, também, à criação de galinhas, patos e pombos.

Além de vender, a criação de pequenos  animais serve, também, para alimentação. Confessou que nem sempre as vendas vão ao encontro dos gastos que se fazem com a criação de um animal.

Quer Maria, quer Paula  viram, há dias, mais rentáveis a sua produção e criação, com o surgimento da Escola de Agroprocessamento denominado "Otchitanda Epongoloko”, no bairro Asseque, no Vale do Cavaco, arredores da cidade de Benguela.


Projecto AgriPREI

A escola, destinada às mulheres rurais, surge, também, no intuito de inverter o cenário da economia informal no meio rural, que está a ser desenvolvido pelo Ministério da Economia e Planeamento, através do Instituto Nacional de Apoio às Micro, Pequenas e Médias Empresas (INAPEM), em parceria com o Ministério da Agricultura e Florestas e apoio técnico da FAO, no quadro do Projecto AgriPREI, como um acelerador do Programa de Reconversão da Economia Informal (PREI).

O AgriPREI assegura que os pequenos agro-empreendedores, nas cadeias de valor agroalimentares prioritárias do país, sejam uma via sistemática de transição para a formalização, com foco no mercado, aumento da produtividade, competitividade e promove a legalização de unidades económicas informais na agricultura para elevar o desenvolvimento económico rural.

O objectivo é, dentre outros, introduzir unidades de produção agrícola primária integrada – Otchitakas, AgriPREI – e Unidades de Agroprocessamento – Otchitandas – AgriPREI – de pequena escala para a valorização dos produtos do campo.

A coordenadora da Cooperativa da Mulher Rural Epongoloko, em Benguela, Rosaria Kuayela Nahenda, disse que o projecto começou há dois anos. Explicou que a efectivação da Escola começou com uma formação.

Lembrou que uma equipa do Ministério da Economia e Planeamento visitou o espaço e gostou e no final de Maio, por meio do programa específico, instalou-se o projecto que já é integrativo.


Projecto integrador

A Escola  Rural de Agroprocessamento de Benguela é inclusiva. Além da área de produção agrícola, tem, também, a área de produção animal, com coelhos, pombos, patos, galinhas e gansos.

No início, explicou a coordenadora, o projecto tinha 186 mulheres. Com a fase de formação, muitas delas desistiram e concluíram com sucesso 45 mulheres.

As mulheres beneficiadas são, na sua maioria, da comunidade do bairro do Asseque, com o intuito poderem trabalhar juntas, "porque sozinha a pessoa não vai em frente”, disse, afirmando que para que cada uma não andasse sozinha, "unimos forças para andarmos juntas”.

Explicou que o bairro do Asseque é de camponeses e produz-se de tudo um pouco, desde a banana de mesa à banana pão. A produção é praticada, maioritariamente, por mulheres membros da cooperativa, que cultivam  hortícolas, tubérculos e outros produtos.

Disse que boa parte da produção é comercializada e a outra é transformada no local. "Antes tínhamos muitas perdas, desde que se instalou o projecto, não há mais perdas”, reconheceu, acrescentando que a ideia é expandir.

A escola, disse, começou com 28 formandas e o objectivo é continuar a formar. Explicou que o projecto tem duas vertentes: O Otchitaka e o Otchitanda.

Disse que o Otchitanda significa praça onde todos produtos do campo são processados, enquanto o Otchitaka é onde se produz de tudo um pouco.

Acrescentou que a ideia não é só ter os membros da cooperativa formadas, mas o objectivo é expandir o projecto. "Para nós, produtoras, é um incentivo e uma garantia de renda. O ganho aumenta o valor agregado do produto comercializado”.

Defendeu que é fundamental que as mulheres recebam capacitação para trabalhar nas diferentes culturas e incrementar a renda.

Destacou a importância de capacitar, também, as camponesas e agricultoras que já trabalham nas diferentes culturas, com o aprimoramento de actividades, que vão desde a produção e beneficiamento até à fabricação de produtos.


Resultados positivos

A Escola de Agroprocessamento Otchitanda, além de produzir, já transforma os chips, a banana e a cebola desidratada.

Também ali se processa a transformação do mangericão em pó, o doce de banana, a banana caramelizada, os picles, doce de mamão, a pasta de cenoura, de alho, de cebola, massa de tomate, tomate desidratado, polpa de tomate, farinha de feijão, entre outros produtos.

Carla Chambata é uma das formandas na Escola de Agroprocessamento inaugurada pelo ministro da Economia e Planeamento, João Caetano, e vocacionada ao processamento de alimentos do campo, que passa por um procedimento até à mesa.

Disse que comparativamente aos produtos importados, os feitos na Escola Rural de Agroprocessamento de Asseque, Vale do Cavaco, em Benguela, são naturais e têm vitaminas.

"Os nossos produtos são todos naturais e não precisam de ficar vários dias nos contentores”, disse, acrescentando que não contém conservantes. "Essa produção é super recomendável”, disse.

Carla Chambata informou que estão a participar no processo de transformação  21 mulheres. Disse que o jindungo, que é ali produzido, pica mais que o caombo.

Esclareceu que a expectativa é que essas mulheres possam produzir itens com maior valor agregado e aprender sobre a comercialização, gerando aumento na renda e inclusão socioeconómica.

"Na verdade, nós também chamamos de gindungo mesmo, só que nós transformamos em pasta. O caombo é gindungo seco e o gindungo de Benguela passa por um processo de transformação, que depois recebe o nome de pasta de gindungo”, esclareceu.

O processo é integrante e inclusivo, na medida em que participam na cadeia  jovens oriundos da Ganda, Bocoio, Baía Farta, Dombe Grande, Chongorói, Cubal, Caimbambo, entre outros.

"Na verdade, nós alocamos à província de Benguela um contributo no Programa de Combate à Pobreza, criação de renda, com vista à melhoria da vida das famílias”, esclareceu, acrescentando que "a nossa agricultura tem que deixar de ser de subsistência e passar por uma industrializada, com a participação das mulheres”, disse Carla Chambata.

Projectos como esses, indicou, elevam ao alto nível de valorização aquilo que se produz no país. Em termos de preços, frisou, são acessíveis. Pratica-se um preço de casa.

Entre outros objectivos, adiantou, o principal é ampliar o mercado, inserindo o que é processado noutras províncias do país.

"A princípio estamos a vender a nossa produção em Benguela, mas existe um projecto de expandir para o mercado do Lubango (Huíla), Luanda, Huambo, Namibe e outros”, assegurou.


Contributo satisfaz Governo Provincial de Benguela

O contributo que é dado pelas mulheres organizadas em cooperativas na Escola Rural de Agroprocessamento foi enaltecido pelo vice-governador provincial para o Sector Técnico e Infra-estruturas, Adilson Gonçalves.

"Diante daquilo que vimos, temos estado a trabalhar com as equipas do Ministério da Economia, designadamente o Instituto Nacional de Pequenas e Médias Empresas, no desenvolvimento desta acção, que deverá ser replicada para outras cooperativas”, disse.

Adilson Gonçalves salientou que o Governo Provincial de Benguela está "bastante” satisfeito com os resultados que estão a ser produzidos, mediante processos simples, mas, definitivamente, marcantes no contexto da transição e transformação em produto acabado.  O ganho, frisou, é ainda mais regozijante na medida em que é uma acção de uma cooperativa constituída, essencialmente, por mulheres.

"Nós na província de Benguela temos estado a assistir a um desenvolvimento bastante satisfatório, fundamentalmente pelas cooperativas de mulheres”, regozijou-se, salientando que, além de Benguela, existem muitos exemplos positivos nos municípios do Bocoio e Balombo.

O governante afirmou que a conquista leva a acreditar cada vez mais na força que as mulheres têm na sociedade, sem colocar de parte os homens, pois os resultados têm sido animadores e satisfatórios, o que incentiva o Governo a investir cada vez mais nessa classe.


Corredor do Lobito

A representante da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), em Angola, Gherda Barreto, enalteceu a confiança, principalmente a decisão do ministro da Economia e Planeamento de converter o projecto PREI, onde a gestão baseada na comunidade vai definir o caminho da formalização da economia.

Gherda Barreto fez saber que o Ministério da Economia e Planeamento tem um orçamento de 1 milhão e 500 mil dólares e a ideia é fazer com que este projecto piloto passe a uma fase de expansão.

Com a agregação de valores, referiu, a agricultura familiar vai conseguir implementar as suas vendas e, com isso, o projecto PREI no seu conjunto vai beneficiar mais agricultores familiares formalizados.

"É com grande honra e satisfação que a FAO testemunhou a abertura da primeira Otchitanda, que é um modelo de agroprocessamento de gestão baseada na comunidade, em Benguela”, disse.

A representante da FAO em Angola, Gherda Barreto, enfatizou a importância do projecto estar na província de Benguela, que é o epicentro da dinamização do Corredor do Lobito.

Nós sabemos que para a agricultura, o caminho da formalização passa pela agregação de valores.

"Acho que é importante posicionar este projecto, onde a agricultura familiar como um tecido empresarial  vai conseguir integrar um modelo de desenvolvimento inclusivo”, destacou Gherda Barreto.

Destacou ainda o espaço onde o projecto está implantado como um sítio rural que se pode transformar num centro de agroprocessamento comunitário.

Agradeceu a confiança que o Governo de Angola colocou à Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura( FAO) para poder trabalhar com as comunidades e levar estas metodologias que "esperamos, obviamente, que estas mulheres possam colher mais frutos”.

Há dias, o ministro da Economia e Planeamento, Mário Caetano João, anunciou a abertura de 50 Otchitandas, sendo 25 em Benguela e igual número de escolas na província deLuanda.

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